quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Terra do Vinho Cabernet Sauvignon 2017

 

Sempre ouvi que para degustar um rótulo com a conhecida “rainha das uvas tintas”, a Cabernet Sauvignon, tem que ser na “versão” encorpada, amadeirada. Esses são, na visão da maioria, os melhores rótulos com a Cabernet Sauvignon.

Respeito a opinião alheia, afinal, todos têm a sua visão particular, a sua percepção do vinho, onde a opinião pode ser divergente de um mesmo vinho, de uma mesma safra. Isso é salutar, mas tem certas visões, opiniões que vagam por aí, principalmente pelas redes sociais, que assumiram um caráter de tabu.

E tabu definitivamente tem de ser quebrado, a famosa quebra de paradigma que devemos ter no universo, por vezes, conservador e até intolerante do vinho. Há algum tempo atrás ouvi de um formador de opinião que o Malbec, por exemplo, tem de ser encorpado, amadeirado e que esta proposta revela a identidade, o DNA, como ele disse, da cepa na emblemática região argentina de Mendoza.

E citou o vinho que estava expondo (na realidade, além de formador de opinião, ele possui algumas lojas de vinhos em São Paulo, muito conhecidas, inclusive) o tradicional Catena que trazia essa proposta de Malbec mais encorpado.

Aquilo me inquietou e decidi subverter e procurar Malbecs sem passagem por barricas de carvalho e focado mais na fruta, na essência, sem tanta intervenção ou o mínimo possível. Encontrei alguns rótulos e tive uma surpresa positiva acerca da qualidade, da tipicidade deles.

Sim! É possível! Claro que a missão é mais difícil, afinal, o marketing é muito forte, quase inquisitivo para que se deguste um Malbec, um Cabernet Sauvignon amadeirado, encorpado, logo caro. O mercado brasileiro está cheio deles! E isso acabou por firmar uma cultura, diria, equivocado, pois, penso, há outras propostas de vinhos com essas variedades que pode entregar o que a gente espera ou mais!

Então quando estava a pensar em enveredar na aventura, na missão de encontrar alguns Cabernets com uma proposta mais direta, de um vinho jovem, sem passagem por barrica de carvalho, um rótulo chegou a mim, não fui até ele.

E foi, mais uma vez, um carinho presente do amigo Luciano Feliputti, da loja Pemarcano Vinhos, especializada em vinhos da tradicional região paulista de São Roque. Então, com essa generosa cortesia, além da aventura de degustar um Cabernet Sauvignon mais despretensioso, sem madeira e que entregava um toque mais frutado, priorizando a essência da variedade, algumas “estreias” também viria a acontecer.

Será minha primeira experiência de um Cabernet Sauvignon da região de São Roque. Não vou tecer maiores comentários sobre a região em questão, pois felizmente tenho tido algumas experiências com vinhos da região, mesmo que embora recentes, mas especiais. Não há como esconder a alegria de degustar vinhos de pequenos produtores brasileiros, porém de uma região gigante em sua história para a vitivinicultura nacional.

Então sem mais delongas, vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio, como disse, de São Roque e se chama Adega Terra do Vinho, um 100% Cabernet Sauvignon da safra 2017. E como disse que São Roque está mais presente em minha vida enófila, direi que tive o privilégio de já ter degustado um rótulo deste produtor e, claro, gostei muito. Foi o Genuíno Carménère da safra 2017. E, por uma grata coincidência, fora a minha primeira experiência com um Carménère brasileiro o que ainda não é comum em nossas terras. Então antes dos detalhes do vinho sigamos com a história de São Roque, que é uma maravilha à parte.

São Roque: A terra do vinho!

A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de 1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns anos após a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em 1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.

Na região de São Roque, podem-se identificar referências à vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII. Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade, através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e por fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.

Portanto realmente não se podem esperar grandes referências desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.

Outro fator que pode ter influenciado e não ter feito prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de então, que era a descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância econômica para a metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira a uva e o vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos colonizadores.

Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838, quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras. Em março de 1846, seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a passagem de Dom Pedro II, Antônio Joaquim começou a se destacar no cenário político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de cidade no dia 22 de abril de 1864.

Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865, quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do vinho.

Dr. Eusébio Stevaux

Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884, começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.

O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França), curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.

Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:

1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas, plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para consumo próprio.

2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense, ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro (talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na região de São Roque);

3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950: processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e desempenho melhores.

Podemos dividir esta fase primeiramente num período de início do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a massificação da produção entra num processo de decadência.

4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de 1980). São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”, sendo que os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas) fabricam seu vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras partes do Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).

Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.

E agora finalmente o vinho!

Na taça dispõe de um vermelho intenso, escuro, com tonalidades arroxeadas que marcam no bojo do copo, com lágrimas grossas, lentas e em média intensidade.

No nariz traz aromas intensos de frutas vermelhas bem maduras, algo herbáceo e notas de especiarias, aquele típico pimentão, mas sentido de forma discreta.

Na boca é seco, redondo, equilibrado, leve, a fruta madura é percebida, como no aspecto olfativo, conferindo-lhe sabor e ainda alguma jovialidade, graças também a boa acidez, com taninos delicados e domados, além de toques vegetais, de terra molhada. Tem um final cheio e prolongado.

A minha primeira experiência com um varietal da casta Cabernet Sauvignon, da cidade de São Roque, trouxe algo óbvio, pelo menos para mim: Que vinho, na multiplicidade de suas propostas e nuances, não podem ser tipificados por “pior”, ou “melhor,” entre si. Não há como comparar um Catena, com passagem por madeira, com aquele Malbec sem passagem por barrica, não porque o Catena seja infinitamente melhor, mas porque não possuem as mesmas propostas. E assim o é com o Terra do Vinho Cabernet Sauvignon. Não se pode comparar com os chilenos Gran Reserva, por exemplo, que passam por madeira. Terra do Vinho Cabernet Sauvignon entrega aromas de frutas vermelhas, um toque vegetal discreto, notas de especiarias, tudo o que um Cabernet Sauvignon, no ápice de sua essência pode entregar. Tem 12,5% de teor alcoólico.

Sobre a Adega Terra do Vinho:

Em meados de 1966, a família Oliveira Santos decidiu dedicar-se a sua grande paixão: o Mundo do Vinho e abriu a Cantina Vieira Santos.

Empenho, dedicação e amor eram palavras de ordem dos irmãos, especialmente para o Moacyr. A Cantina cresceu, mudou e hoje se chama Adega Terra do Vinho. Como patriarca, certamente o Moacyr não imaginou que seu trabalho chegaria tão longe com o mesmo espírito e garra.

Sr. Moacyr

A paixão pelos vinhos fez nascer a pequena Adega do Moacyr com seus vinhos artesanais. Hoje a adega cresceu, mas continua trazendo, em cada garrafa, a mesma paixão.








sábado, 6 de agosto de 2022

Don Giovanni Nature

 

Quando falamos em referência, excelência em espumantes, não há como negligenciar a qualidade dos espumantes brasileiros. Isso parece ser um senso comum entre os enófilos e talvez não convém aprofundar no assunto que já não cabe, inclusive discussões, a não ser de cunho histórico e outras análises mais contemporâneas como panorama mercadológico etc. No fim das contas a discussão sempre vem à tona, independentemente do prisma que ela assumiria.

Mas eu gostaria de falar, primordialmente, na qualidade de nossos espumantes que atualmente está em plenas condições de rivalizar com os rótulos emblemáticos borbulhantes que estão espalhados pelo planeta, vide: Prosecco, na Itália, Cavas, da Espanha, e ele: o Champanhe, na França.

Não quero aqui criar essas polêmicas que visa mais o embate intolerante do que afirmações de qualidade de cada espumante, de cada região, de cada proposta, mas enaltecer, de certa forma, o panorama favorável de tipicidade, de valorização da cultura do terroir de cada região em que os espumantes são concebidos.

E os nossos rótulos, em todas as camadas de propostas, estão dando um verdadeiro show e entregam perfeitamente o que se espera de um espumante, de cada região de forma plena e sincera.

Embora os preços, altos, ainda sejam um triste entrave para um acesso democrático dos espumantes aos brasileiros, aos brasileiros de todas as camadas sociais. O custo Brasil, a carga tributária e da ganância de alguns comerciantes dão conta desse cenário.

Costumo, diante disso, dizer que só faltam os brasileiros conhecerem os vinhos brasileiros, mas os brasileiros de todas as camadas sociais, indistintamente e não apenas a classe aristocrática que usa vinho para status social e que, formadores de opinião que são, demagogicamente difunde a democracia do vinho, da cultura do vinho entre os brasileiros. Revoltante!

Eu até gostaria de fazer uma espécie de mea-culpa e admitir que não degusto, como deveria, mais espumantes. Mas tenho algum histórico de bons espumantes e, aos poucos, venho criando um, como costumam dizer, “minutagem” de espumantes nacionais, em especial.

Porém, claro e evidente, percebo que há um longo caminho a ser percorrido, sobretudo que as propostas são infinitas! O universo do vinho, como sempre digo e não me cansarei de dizer, é vasto e infinito.

E o espumante de hoje é de uma vinícola que conheci há pouco tempo e, pela proposta do rótulo, um “Nature”, produzido pelo método tradicional e que, pelo preço bem atraente, valeu a aquisição. Falo da Don Giovanni. Uma vinícola que conheci um programa de televisão, que passa no antigo Canal Globosat que hoje se chama “Mais na Tela”, chamado “Vinhos BR” que, claro, fala de alguns dos principais produtores de vinho do Brasil. Naveguei em seu site e encontrei esse espumante que não demorei muito em degustar.

O vinho que degustei e gostei vem da emblemática região de Pinto Bandeira, no velho Rio Grande do Sul, e se chama Don Giovanni Nature composto pelo blend Chardonnay (75%) e Pinot Noir (25%) e não é safrado. E com esse rótulo, diga-se de passagem, excelente, vem algumas novidades, pelo menos para mim: “Nature”. Vamos tecer a história e conceito de cada um e falar, claro, um pouco também da história de Pinto Bandeira.

O método natural do espumante ou champenoise

O método tradicional consiste principalmente em uma dupla fermentação do mosto, a primeira em grandes recipientes, e a segunda em garrafas, dentro das caves ou adegas, fazendo o processo de remuage (rotação das garrafas) regularmente.

A primeira fermentação, chamada fermentação alcoólica, é idêntica à que ocorre com os vinhos comuns, ou seja, os “não efervescentes”, ditos tranquilos. O vinho básico costuma ser vinificado em tanques de concreto, aço inoxidável ou madeira, mas alguns produtores preferem fazer a vinificação em barricas de carvalho (com muitos anos de uso).

No momento de engarrafar, a esse vinho básico, é acrescentado um composto denominado liqueur de tirage, uma solução de vinho adoçado com açúcar (de cana ou beterraba) ou suco de uva concentrado (aproximada 24 g/l de açúcar) e leveduras selecionadas, para iniciar a segunda fermentação.

Esse composto, dentro garrafa, provoca o início da segunda fermentação. É ela que gera as bolhas de dióxido de carbono, fruto da transformação química dos açúcares em álcool mais gás carbônico.

A garrafa então é tapada com uma cápsula metálica parecida com as de cerveja. Contudo, nessa segunda fermentação, ocorre o surgimento de borras que deverão ser retiradas do vinho. Assim, o próximo passo é conduzir o vinho para o período de descanso em garrafa, que pode ser de pouco mais de um ano chegando até 10 anos, ou mais. Normalmente os Champagne safrados, ou millésimes, permanecem mais tempo em garrafa antes de serem lançados ao mercado.

Para retirar as borras, faz-se a remuage. O processo consiste em dispor as garrafas em cavaletes especiais, ditos pupitres, com o gargalo para baixo. A cada dia, as garrafas são giradas em um quarto de volta. Isso tem como objetivo descolar as borras (resíduos) da parede da garrafa e fazê-las descer para o gargalo. Em muitos lugares, essa prática é feita ainda manualmente, enquanto os grandes produtores já o fazem com equipamentos automatizados, como os giropalets.

Finalmente, para retirar o depósito de borra, é realizada a degola (dégorgement, em francês). Para tal, congela-se o gargalo em um preparado de salmoura a 25ºC negativos. Nesse momento, a cápsula é retirada e a borra é expulsa pelo gás sob pressão. A pequena perda de volume de vinho é substituída por uma mistura de vinho e açúcar, chamado licor ou vinho de dosagem, também conhecido, principalmente na França, como liqueur d’expédition.

Normalmente, esse licor é um composto de vinho (de reserva), açúcar e SO2, como antioxidante e antimicrobiano. Sua função, além de recompor o volume da garrafa, é definir o estilo do espumante conforme a concentração de açúcar. Essa quantidade de açúcar presente no licor vai determinar se o espumante de método champenoise será Brut Nature (menos de 3 g/l), Extra-Brut (até 6 g/l), Brut (menos de 12 g/l), Extra-Sec (entre 12 e 17 g/l), Sec (entre 17 e 32 g/l), Demi Sec (entre 32 e 50 g/l) ou Doux (mais de 50 g/l). E há também alguns produtores que não utilizam o licor de expedição.

Nos últimos anos, muitas vinícolas passaram a produzir espumantes do tipo Nature. Essa bebida nobre extrai o sabor mais puro das uvas e do processo de fermentação, criando um resultado surpreendente.

Nature

O Nature passa pelo método tradicional de produção, conhecido como champenoise. Contudo, a diferença é que a categoria não passa pela etapa de correção de sabor – momento em que um licor de expedição, feito a partir do próprio vinho e do açúcar, é adicionado na bebida.

O interessante desse espumante é que ele geralmente vai ter uma qualidade maior de ingredientes. Como não passa pela correção de sabor, é importante que seja feito com perfeição.

Para ganhar o título de Nature, a bebida precisa conter até 3 gramas de açúcar por litro, enquanto o Brut pode conter entre 6 e 15 gramas por litro. Por isso, o sabor do espumante é mais seco. O tempo de maturação do vinho também é maior, o que resulta em um volume de boca considerável. Ou seja: é mais cremoso do que os outros estilos. Normalmente as variedades utilizadas para esse tipo de espumante é a Chardonnay e a Pinot Noir.

Pinto Bandeira

Primórdios

O fenômeno migratório europeu ao território americano que caracteriza no final do século XIX e o início do século XX está ligado a transformações sociais, políticas e econômicas da época em ambos os continentes. No que diz respeito à imigração italiana ao sul o Brasil pode-se afirmar que, na Itália, a população experimentava as consequências da revolução industrial, caracterizada pelos altos impostos e pelo desemprego e, no Brasil, mais especificamente no Rio Grande do Sul, onde a maior parte do território era desabitada e a mão-de-obra era basicamente escrava, a imigração representava a real possibilidade de superação de tais problemas.

O porto de Gênova, ao norte da Itália, era o local da partida. A travessia, que durava pouco mais de um mês, era feita em navios sobrecarregados. Chegavam ao Rio de Janeiro e, após a quarentena na Casa dos Imigrantes, os viajantes eram transportados a vapores até Porto Alegre, numa viagem de mais ou menos dez dias. Ao chegarem eram alojados em construções precárias ou dormiam nas ruas e praças próximas ao porto. Da capital gaúcha seguiam em pequenas embarcações para Montenegro, São Sebastião do Caí e Rio Pardo. A viagem até a serra era feita em dois ou três dias, a pé, no lombo de cavalos ou em carretas, por intermédio de estreitos caminhos abertos, por eles mesmos, na densa mata.

No ano de 1876 instala-se em Pinto Bandeira o primeiro grupo de italianos. De posse de seus lotes e instrumentos de trabalho, separados das famílias vizinhas pela densa mata, era necessário enfrentar as adversidades: iniciar o desmatamento, construir a provisória casa e realizar os primeiros plantios. Até o ano de 1880, vários grupos chegaram ocupando terras localizadas na Linha Jansen, na Linha Jacinto e na Linha Silva Pinto, hoje Linha Anunciata. E com os italianos, vieram também a cultura do cultivo.

Em 1º de maio de 1902, Antônio Joaquim Marques de Carvalho Júnior, Intendente do município de Bento Gonçalves, em conformidade com o artigo 14 da Lei Orgânica Municipal, decretou a mudança do nome da localidade. A partir desta data, de Silva Pinto passa a chamar-se Nova Pompeia.

O nome Nova Pompeia foi alterado para Pinto Bandeira pelo Decreto nº 7.842, de 30 de junho de 1938, quando às vésperas da deflagração da Segunda Guerra Mundial, foi proibida a língua italiana no país e, consequentemente, todos os nomes de origem italiana foram abolidos. Assim, em homenagem ao militar rio-grandense Rafael Pinto Bandeira, o distrito passa a denominar-se Pinto Bandeira.

Pinto Bandeira foi emancipado de Bento Gonçalves em 16 de abril de 1996 pela Lei Estadual nº 10.749/1996. As primeiras eleições ocorreram em 1° de outubro de 2000, elegendo como prefeito Severino João Pavan. A instalação do Município deu-se em 1º de janeiro de 2001. Em 2003, uma liminar do STF, determinou a que Pinto Bandeira retornasse à condição de distrito de Bento Gonçalves.

Em 30 de junho de 2010, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a localidade recuperou novamente sua autonomia política. As eleições municipais aconteceram em 07 de outubro de 2012. João Feliciano Menezes Pizzio foi eleito prefeito. Em 1º de janeiro de 2013, o Município foi reinstalado.

Outro fato histórico ocorreu em Pinto Bandeira: a Indicação de Procedência (IP) de vinhos tranquilos e espumantes, reconhecida em 2010. O município tem ganhado projeção nacional e internacional pela produção de excelentes espumantes. A Indicação de Procedência garante que no mínimo 85% das uvas devem ser produzidas na área delimitada - que compreende os municípios de Pinto Bandeira, Farroupilha e Bento Gonçalves. Junto com a experiência e habilidade dos produtores da região, Pinto Bandeira se destaca, no Brasil e fora dele, pela sua produção de vinhos e espumantes.

A altitude de Pinto Bandeira, cerca de 800 metros, é praticamente o dobro do Vale dos Vinhedos. Os terroirs também são muito semelhantes. Há mais morros e menos regiões planas. Com isto, o sol beneficia mais as encostas nas faces norte. Algumas vinícolas têm seus vinhedos nas faces norte, mantêm as matas nas faces sul, tornando a região um pouco mais úmida.

As castas de uvas plantadas são as mesmas utilizadas no Vale dos Vinhedos e toda a região. Para os tintos, as francesas Cabernet Sauvignon, Merlot, Malbec, Tannat, Carménère e algumas italianas, Sangiovese e Montepulciano. Para os espumantes Chardonnay e Pinot Noir. O terroir é propício às experimentações, e alguns viticultores cultivam várias e diferentes castas.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um amarelo palha intenso e brilhante que parece tender para o ouro, límpido com perlages finos e intensos.

No nariz tem intensos aromas de frutas brancas e cítricas, além de aromas provenientes da maturação, com 24 meses em contato com as leveduras antes da degola (Dégorgement) que remetem ao pão tostado, pão com manteiga, panificação mesmo, com notas delicadas de flores, que traz uma agradável sensação de frescor e leveza.

Na boca é seco, não faz nenhuma concessão ao dulçor, o que me agrada, com certa austeridade e complexidade, mas que, ao mesmo tempo entrega frescura, refrescância, com cremosidade, untuosidade que enche a boca, conferindo-lhe textura firme, com uma acidez instigante e que saliva a boca, com as notas frutadas e um final incrivelmente prolongado que lembra limão, laranja e fermento.

Práticas naturais, sustentáveis, quase rústicas reverberam a necessidade de originalidade, de expressão máxima de terroir, trazendo novidades calcadas em preceitos antigos, ancestrais. O nosso espumante definitivamente se firmou como uma bebida nossa, com tipicidade e mesmo que tragam métodos de vinificação da França, berço da vitivinicultura mundial, o Brasil, no que tange aos seus borbulhantes, vem se destacando como um dos melhores produtores deste vinho no planeta. E a Don Giovanni, com a sua veia tradicional, o seu know how e respeito ao terroir de Pinto Bandeira, revela, sintetiza essa grata realidade que, um dia, espero, que se mostre a todos os brasileiros, indistintamente, difundindo a cultura do nosso mais emblemático vinho. Tem 12,6% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Don Giovanni:

Em 1827 chegou ao Brasil o imigrante italiano Karl Dreher. Um de seus filhos, Carlos Dreher Filho, em 1910 iniciou no porão de sua casa, em Bento Gonçalves, a produção de vinhos tintos. Depois de uma viagem à Europa, com conhecimentos adquiridos, iniciou e tornou-se um dos pioneiros na produção do vinho branco na região.

Em 1950 surgiu o famoso Conhaque Dreher, produzido a partir da destilação do vinho. Foi um grande sucesso e logo passou a ser consumido em todo Brasil. Em 1970 a transmissão pela TV da Copa do Mundo do México, em que o Brasil se sagrou Tricampeão do Mundo, teve o patrocínio do Conhaque Dreher – “De pai para filho, desde 1910! ”

Em 1973, já com a proibição de utilização da denominação de origem controlada Cognac, a empresa foi vendida para a americana Heublin, que comprou também na mesma época a Drury’s e a Old Eight. O local onde hoje está instalada a Don Giovanni era um centro de experimentação e desenvolvimento de uvas viníferas e vinificação.

Em 1980 Beatriz Dreher Giovannini e seu marido Ayrton Giovannini recompraram a propriedade e transformaram em um lugar de veraneio. Estavam ali lembranças de sua infância.

Algum tempo depois decidiram voltar a produzir vinhos. Reformaram toda a propriedade e transformaram a casa principal em uma pousada. No entorno da casa estão ainda os vinhedos de 60 anos, de uvas americanas, utilizadas na produção do Conhaque Dreher.

Beatriz recuperou a receita antiga de família, e voltou a produzir com as mesmas uvas, um brandy excepcional, que pode ser degustado na visita à vinícola. Com mais de 50 hectares, sendo 14 de vinhedos, na sua maioria Pinot Noir e Chardonnay.

A elaboração de espumantes representa 80% da produção da vinícola. Os espumantes são elaborados pelos métodos tradicional (champenoise) e Asti. O foco da vinícola está nos espumantes produzidos pelo método tradicional, que maturam por diferentes tempos. A produção anual gira em torno de 100.000 garrafas.

A cave foi transformada em enoteca, onde são guardados vinhos desde a safra de 1990. Atualmente, a Vinícola Don Giovanni conta com 5 degustações, algumas realizadas dentro da cave, um local cheio de história. Além das experiências de degustação a vinícola conta com experiências gastronômicas no Restaurante Nature Vinho e Gastronomia.

Mais informações acesse:

https://www.dongiovanni.com.br/

Referências:

Blog do Milton: http://www.blogdomilton.com.br/post/br/2017-12-viagens-vinhos-historia-pinto-bandeira-rio-grande-do-sul

Revista Adega: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/champenoise-tradicional-ou-classico-os-metodos-de-fazer-champagne_11987.html

Site da Prefeitura Municipal de Pinto Bandeira: https://www.pintobandeira.rs.gov.br/secao.php?id=2

Site Vinho Brasileiro: https://vinhobrasileiro.org/enoturismo/ip-regiao-de-pinto-bandeira

Embrapa: https://www.embrapa.br/uva-e-vinho/indicacoes-geograficas-de-vinhos-do-brasil/ig-registrada/ip-pinto-bandeira

Portal bom Vivant: https://www.portalbonvivant.com.br/post/2018/12/12/espumante-nature-apresentamos-quatro-sugest%C3%B5es-que-vale-a-pena-voc%C3%AA-provar

Gaúcha ZH: https://gauchazh.clicrbs.com.br/destemperados/bebidas/noticia/2017/10/nature-um-espumante-puro-ckboenhcu004dmmslca2k2gtc.html

 

 

 


 






 




 


sábado, 30 de julho de 2022

Famiglia Castellani Chianti Riserva 2015

 

Clássico! Quando degustamos história engarrafada! Quando degustamos o mais puro e genuíno conhecimento. A cultura e o vinho andando juntas em prol do deleite humano. Merecemos? Me conduzo à reflexão, às vezes, e me pergunto se merecemos degustar vinhos tão especiais que trafegam pela história em seus enredos mais tenebrosos, sombrios, solares em outros momentos.

Quis o tempo ser benfeitor comigo, apesar de longo e por vezes tortuoso, para me proporcionar a degustação de um clássico italiano que atravessou o tempo e que personifica a cultura vitivinícola de um país tido como referência da produção de vinhos do planeta, então, o vinho de hoje definitivamente é sinônimo de vinho!

Não há como negligenciar que somente a Itália consegue a proeza de produzir verdadeiros clássicos! Nomes de peso que reverencia o conceito da poesia líquida no mundo. Barolo, Brunello di Montalcino, Amarone, Valpolicella Ripasso...

A lista parece ser infindável, bem como as suas castas, as suas variedades autóctones, que sintetiza, de forma singular, cada pedaço de terra, cada terroir. A tipicidade se faz viva e plena e narra a história da Itália.

Sempre olhei com reverência a esses vinhos, mas com uma distância quase que intransponível, algo nos separava, talvez a questão financeira fosse o fator primordial, predominante, porém não era apenas isso. Não sei, nunca soube traduzir em palavras os motivos pelas quais jamais conseguiria degustar os clássicos italianos: a incapacidade de entende-los, de descrevê-los, de inseri-los, por consequência, em minha realidade de simples e humilde enófilo.

Teria eu me subestimado? Será que a gente, com a preocupação de “institucionalizar” determinados rótulos e propostas de vinhos e regiões, busca afirmação e entendimento demasiado de algo tão heterogêneo no que tange às percepções? Da diversidade busca-se a avidez pela particularidade, para entender.

Conhecer, entender não é demérito para ninguém, pelo contrário, mas transformar disso em obsessão, beira, penso, ao patológico. Acredito que tenha superado esse obstáculo, embora a razão ou pelo menos uma das razões de ser deste blog seja a descrição organoléptica de cada rótulo degustado, mas nunca criar um muro por achar que determinados rótulos, sejam eles excepcionais, simples, complexos, entre outros, não sejam possíveis de inundar as nossas taças.

Depois de superado esse obstáculo, me coloquei a garimpar e busquei aqueles mais conhecidos, populares, apesar de clássico: CHIANTI.

Com o transborde de opções de Chianti que temos ofertados no Brasil a minha missão parecia ser impossível para encontrar aquele rótulo que me arrebatasse, mas sem destruir o meu orçamento. Continuei a buscar, o caminho era longo e árduo, mas a oportunidade surgiu da forma, como sempre, mais despretensiosa possível. E veio um Chianti Riserva! Há cerca de dois anos, no Brasil, como qualquer produto, inflaciona, sobretudo o vinho, o rótulo escolhido, de um produtor emblemático, encontrei um Chianti Riserva, pasmem, a R$ 44,90 com alguns cupons de desconto e fretes grátis.

Claro que, de imediato, vem a incredulidade da procedência, mas não hesitei muito e fiz a tão aguardada aquisição. Mas mais aguardada era a degustação! Descansou por mais dois anos na adega e gostaria que ficasse um pouco mais, mas a ansiedade gritou mais alto!

E o dia tão esperado chegou! O ápice de um momento tão aguardado, o rompimento de alguns tabus particulares, fantasmas exorcizados. O vinho inunda a taça, o ritual se faz e que maravilha! Que especial! O vinho que degustei e gostei veio da emblemática e tradicional Toscana, da região de Chianti, e se chama Famiglia Castellani Chianti Riserva composto pelas castas Sangiovese (85%), Canaiolo (10%) e Cabernet Sauvignon (5%) da safra 2015. E como não pode faltar história e Chianti transborda história, vamos à viagem para a região de Chianti.

Chianti, Toscana

Desde a queda de Roma até o Risorgimento, por volta de 1850, o esfacelamento dos estados italianos em pequenas repúblicas e reinos ditou a vida de sua população e também o tom de seus vinhos. Foi nesse longo período conturbado que nasceu um dos vinhos mais famosos da Itália, o Chianti.

Geograficamente falando, Chianti é uma terra montanhosa que se estende por cerca de 60 km a 70 km na sua extensão, cujo ponto mais alto é Monte San Michele, a 893 metros. Existem 5 rios que cruzam e definem a área com: os rios Pesa, Greve, Ombrone, Staggia e Arbia.


Chianti

O começo da história remonta ao século XIII, quando os Médici dominavam a cidade de Firenze (Florença), na Toscana, e lá criaram uma das repúblicas mais influentes de seu tempo – basta lembrar que eles foram patronos das artes que culminaram com o Renascimento. Em meados do século XIII, os fiorentinos eram uma potência e viviam guerreando com vizinhos.

Para garantir uma boa defesa de suas terras, eles as dividiram em ligas militares de cidades. Uma delas, criada em 1384, foi a Lega del Chianti, que compreendia as vilas de Radda, Gaiole e Castellina (até hoje o centro da região que se denomina Chianti Classico), e durou até 1774, atuando ativamente durante as batalhas entre Firenze e Siena.

Aliás, a principal lenda em torno do vinho de Chianti vem dessas longas disputas medievais entre fiorentinos e sieneses. Acredita-se que, um dia, cansados de guerrear, os governantes das duas cidades decidiram por um outro tipo de disputa para estipular sob qual bandeira ficaria a região. Assim, concordaram que dois cavaleiros sairiam ao cantar do primeiro galo da madrugada, um partindo de Firenze em direção à Siena e o outro no sentido contrário. Onde eles se encontrassem, seria demarcado o limite dos domínios.

Assim nasceu a lenda do Gallo Nero, o galo negro que até hoje serve de emblema dos vinhos de Chianti Classico. Diz-se que os sieneses escolheram um belo e forte galo branco para dar o sinal ao seu cavaleiro. Já os fiorentinos teriam escolhido um galo negro raquítico, que ficou confinado sem comida. Por isso, o galo de Firenze teria acordado mais cedo, ainda durante a noite, faminto, e começado a cantar, fazendo com que seu cavaleiro tivesse grande vantagem sobre o rival de Siena, cujo galo só acordaria para cantar já nos primeiros raios de sol da manhã.

Assim, dos pouco mais de 60 quilômetros que separam as duas cidades, o cavaleiro sienês conseguiu percorrer somente cerca de 12 antes de encontrar o oponente nas proximidades de Fonterutoli, pouco ao sul de Castellina.

Em 1716, Cosimo III de Médici delimitou a região para a produção dos vinhos de Chianti. Lendas à parte, a verdade é que a demarcação da área de Chianti como pertencente à Firenze ocorreu em um tratado de 1203. Na época, os fiorentinos eram leais ao Papa e Siena, ao Sacro-Império Romano.

Primeira Denominação de Origem

As primeiras documentações que tratam do vinho de Chianti remontam a 1398 e o descrevem como um vinho branco vendido pelo comerciante Francesco di Marco Datini. No entanto, o nome do vinho ficaria definitivamente gravado na história a partir de 1716, quando Cosimo III de Médici, o penúltimo de sua família a ser Grão-Duque da Toscana, apontou que as três cidades da Lega del Chianti, mais uma parte da vila de Greve, estavam aptas a produzir o vinho de nome Chianti.

Francesco di Marco Datini

Esta teria sido a primeira demarcação territorial, ou seja, a primeira Denominação de Origem, conhecida no mundo (os portugueses, porém, alegam que a primeira DO teria sido instituída pelo Marquês de Pombal em 1756, quando estabeleceu os marcos pombalinos na região que produzia o Vinho do Porto). Apesar de o reinado de Cosimo III ter sido desastroso para a região, que se viu diante de uma enorme crise econômica e social, a demarcação durou até 1932, quando a área foi gradualmente expandida (a última expansão seria em 1967).

No entanto, mesmo demarcado, sabe-se que o vinho de Chianti obedecia a poucas regras. Historiadores apontam que, na época, uma das principais uvas usadas na produção do vinho era a Canaiolo, a mais cultivada na região, juntamente com a Sangiovese, Mammolo e Marzemino. Seria somente durante o Risorgimento italiano no século XIX, que o vinho tomaria uma forma, muito próxima do que tem hoje.

O grande nome por trás do estabelecimento de Chianti e também um dos principais responsáveis pela unificação italiana em 1961 foi o barão Bettino Ricasoli, cuja origem familiar remonta aos tempos de Carlos Magno. O “Barão de Ferro” (alcunha ganha por sua intransigência moral e econômica) foi um dos grandes pilares da unificação de seu país com sua atuação política no Ducado da Toscana. Não à toa, ele chegou a ser primeiro ministro italiano quando o rei Vitório Emanuele assumiu o poder.

Barão Bettino Ricasoli

Além de ser a criadora do Chianti, a família Ricasoli produz vinhos desde o ano 1141, quando adquiriu o legendário Castello de Brolio. Essa longa história faz da Barone Ricasoli a vinícola mais antiga da Itália e a segunda mais antiga do mundo. O Castello de Brolio estava em ruínas na época. Determinado a dar novos rumos à produção local, o Barão de Ricasoli viajou para a França e a Alemanha, onde aprendeu novas maneiras de cultivo, além de importar variedades e experimentar maquinários. Assim, em 1872, ele teria criado a “fórmula” do Chianti e assim escreveu:

“Os resultados obtidos já nas primeiras experiências confirmam que o vinho recebe do Sangioveto a principal dose de seu perfume (o que eu particularmente procuro) e um certo vigor de sensação; do Canajuolo, a amabilidade que tempera a dureza do primeiro, sem tolher em nada seu perfume; a Malvagia, a qual se pode colocar menos nos vinhos destinados a envelhecer, tende a diluir o produto das duas primeiras uvas, não acrescenta sabor, e o torna mais leve e mais prontamente usável na mesa cotidiana”.

A “fórmula do Chianti” escrita na famosa carta endereçada ao professor Cesare Studiati da Universidade de Pisa, na qual exaltava os aromas e a estrutura da Sangiovese, a maciez da Canaiolo e a tendência da Malvasia a diluir o vinho, fez com que o Barão sugerisse que esta uva não fizesse parte do corte dos vinhos de guarda da sua região. A receita do Barão era 70% Sangiovese, 15% Canaiolo e 15% Malvasia Bianca. Em 1967, sua “fórmula” foi ratificada pela regulamentação da DOC (com acréscimo da Trebbiano).

Renascimento

O Chianti então surgiu como uma versão do “clarete” francês – sem variedades internacionais, contudo. Foi durante o Risorgimento que ele alcançou a glória, quando Firenze se tornou capital da Itália e Ricasoli primeiro ministro. No entanto, apesar dos esforços do barão, com o tempo, a fama do vinho tornou-se ruim, muito devido às condições econômicas precárias da região, especialmente depois das pragas que chegaram à viticultura em meados do século XIX e também muito devido ao contrato de uso das terras entre agricultores e os donos das propriedades.

A mezzadria (sistema feudal em que os camponeses dividiam a sua colheita com os senhores de terras) e a agricultura promiscua (diversas culturas em um mesmo terreno) perdurou na Toscana até praticamente os anos 1970 e atrasou o desenvolvimento do vinho na região – já que a colheita ia ser dividida, era melhor, para o agricultor, plantar mais quantidade do que pensar em qualidade.

Clante

A origem do nome Chianti é incerta. Para alguns, ela vem de clangor, que nada mais é do que o som dos instrumentos metálicos, mais especificamente das trombetas. No entanto, também pode designar o atrito entre objetos de metal, como espadas. Daí, acredita-se que o nome possa ter surgido devido a esse barulho das trombetas de caça ou então das batalhas. Outra possibilidade, muito mais aceita, é o termo ter vindo da palavra etrusca clante, que significaria água (abundante na região) ou então seria apenas um nome de família muito comum na área.

Movimento dos vinhos “Super Toscanos” fez com que Chianti aprimorasse suas normas. Nos anos 1960, alguns produtores estavam desapontados com os rumos que Chianti havia tomado. Apesar de a DOC ter finalmente estabelecido uma regra para seus vinhos em 1967 (e talvez por isso também), muitos passaram a experimentar com novas variedades, especialmente as francesas, no intuito de produzir um vinho melhor e mais caro (desde o fim da II Guerra Mundial, Chianti era considerado um vinho simples e barato).

Assim, entre o final dos anos 1960 e começo dos 1970, duas poderosas famílias decidiram fazer vinhos mesclando Sangiovese com variedades francesas. Tanto o Marquês Mario Incisa della Rochetta quanto seu sobrinho, Piero Antinori, lançaram respectivamente Sassicaia e Tignanello, os primeiros Super Toscanos de que se tem notícia, vinhos que mudariam para sempre o cenário na região. “O fenômeno houve novas mudanças nas regras, com a introdução de variedades francesas no blend de Chianti. Dez anos depois, as variedades brancas foram proibidas em Chianti Classico, que já passava a aceitar Sangiovese “in pureza”, ou seja, 100%. Hoje, além do Classico, Chianti possui outras sete sub-regiões, cada uma com regras específicas. As mudanças de regras foram constantes nos últimos 40 anos. As últimas modificações em Chianti Classico, por exemplo, ocorreram em 2013, quando, entre outras coisas, criou-se uma nova classificação, com um nível qualitativo acima dos Riserva: os Gran Selezione.

Os diferentes Chianti

O simples termo “Chianti” diz muito pouco sobre o vinho. Muito resumidamente, indica que se trata de um tinto italiano, produzido na região da Toscana, em uma área que se estende entre as cidades de Florença e Siena, a partir de, principalmente, Sangiovese. Ainda que Chianti seja uma Denominação de Origem Controlada e Garantida (DOCG) e, portanto, existam regulamentações tratando de sua produção, a variedade é grande.

Além da “denominação genérica” Chianti DOCG, há outras denominações específicas que levam em consideração a proveniência geográfica das uvas: Chianti Classico (a mais antiga, famosa e tradicional), Chianti Colli Aretini, Chianti Colli Fiorentini, Chianti Colline Pisane, Chianti Colli Senesi, Chianti Montalbano, Chianti Montespertoli e Chianti Rufina. Também, os termos Chianti Superiore (não permitido para Chianti Classico) e Chianti Riserva servem para nomear vinhos que tenham atendido períodos de envelhecimento determinados, dentre outros fatores.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um lindo e brilhante vermelho rubi com tons granada, conferido pela longa passagem por barricas de carvalho, com lágrimas em profusão, finas e lentas.

No nariz traz as frutas vermelhas maduras, com destaque para ameixa e cereja, mas discretamente, além de um toque terroso, de terra molhada, algo de folhas secas, com notas de especiarias (pimenta preta) e amadeiradas, percebendo o tabaco, couro e café, afinal os longos 24 meses em barricas de carvalho atestam tais características.

Na boca toda a pujança da Sangiovese no blend, com a fruta vermelha madura igualmente discreta, como percebida no aspecto olfativo, sendo ainda seco, volumoso, cheio e quente, garantido pela presença do álcool, mas sem agredir e pela acidez vivaz, com taninos marcantes, mas domados e integrados, com a madeira, embora discreta, protagonizando entregando notas de chocolate, torrefação, de defumado e caramelo. Tem um final longo e persistente.

Tradição, história, mesmo que ao custo de guerras, sangue, mortes, disputas pelo poder político e econômico. As redenções pavimentadas por todos esses eventos e intenções. O vinho foi e é um veículo de tais manifestações da sociedade, independente do contexto e cronologia. O que nos resta, no entanto, é permitir contemplar e entender esses momentos históricos com o olhar crítico, mas separando-os do prazer, do deleite em degustar um bom e velho vinho, porque é um elixir ao corpo e a alma, sobretudo daqueles que o ama. Toscana e a sua região mais importante em todos os aspectos, é sinônimo de renome no mundo todo por causa de Chianti e de suas grandes e espetaculares histórias que, de uma forma ou de outra, corroboraram na sua importância e qualidade que até hoje busca a excelência. O Chianti Riserva da Famiglia Castellani definitivamente carrega esses preceitos, como um produtor de igual tradição e história. Um vinho encorpado, de personalidade, dada a sua complexidade atribuída ao “Sangue de Júpiter” chancelando Chianti como um dos mais emblemáticos vinhos da história. Tem 12,5% de teor alcoólico.

Sobre a vinícola Castellani:

O negócio de Castellani foi estabelecido em Montecalvoli no final do século 19 quando Alfred, um viticultor de longa data, decidiu começar a engarrafar e vender seu vinho. O filho de Alfredo, Duilio, junto com seu irmão Mario dá início ao período de expansão da empresa. Duilio, homem meticuloso e diligente, participa ativamente de todas as etapas do trabalho.

A vinha mais importante é aquela situada em Santa Lúcia, no fértil vale do Arno, onde se produz um vinho tinto vivo e apto para envelhecer e engarrafado em típicos frascos com palha, conquistando o interesse dos mercados transalpinos. Nos anos seguintes, o filho primogênito de Duilio, Giorgio, homem determinado e ambicioso, inicia a exportação em grande escala. A enchente de 1966 causa grandes danos à vinícola Montecalvoli.

Decide-se então transferir temporariamente o negócio para a Fazenda Burchino, nas colinas da vila de Terricciola. O irmão de Giorgio, Roberto, brilhante jornalista do jornal “Il Giornale del Mattino”, de Florença, corre para ajudar a retirar lama da vinícola da família. Ele então decide ficar e contribui para a evolução da empresa. Roberto, homem culto e cosmopolita, inicia uma atividade pioneira em mercados longínquos, tornando-se um dos defensores do sucesso internacional do Chianti.

A aquisição da vinha Poggio al Casone coincide com a ampliação da adega da Quinta Travalda em Santa Lúcia. Durante a noite do dia de Ano Novo em 1982, um incêndio queimou quase completamente as instalações da empresa. Parece ser o fim. Mas em poucos meses os irmãos Castellani adquirem a Fazenda Campomaggio e, graças à contribuição de Piergiorgio, filho de Roberto, o negócio ganha força. As pesquisas vitivinícolas e tecnológicas são promovidas por especialistas como o enólogo Sabino Russo e o agrônomo Carlo Burroni. Hoje esta empresa centenária persegue com grande entusiasmo o objetivo de produzir vinhos, que são a expressão de uma das maiores regiões enológicas do mundo: a Toscana.

Mais informações acesse:

https://www.castelwine.com/

Referências:

“Blog História com Gosto”: https://historiacomgosto.blogspot.com/2019/11/a-regiao-do-chianti-classico-toscana.html

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/todos-os-chianti_10196.html

“Blog Sonoma”: https://blog.sonoma.com.br/chianti/#:~:text=Chianti%20%C3%A9%20um%20tipo%20de,Chianti%20Cl%C3%A1ssico%20a%20mais%20famosa

 

 

 

 




 


 








sexta-feira, 29 de julho de 2022

Dom Bernardino Marselan

 

Já que defendo, de forma consistente e insistente, que o universo do vinho é vasto e inexplorado, vamos enaltecer tal máxima, explorando, garimpando essa vastidão de rótulos personificados em regiões, castas e tudo o mais.

E o melhor de todas essas experiências sensoriais é o contato latente com a cultura e a história de regiões, dos países e dos terroirs com os seus comportamentos que diretamente influenciam nas variedades que degustamos e que também influenciam no modo de produção, de vinificação de todos os vinhos que degustamos diariamente.

Sempre ouvi dizer que São Paulo, por exemplo, foi uma região proeminente na produção de vinhos e mais, com certo protagonismo na história vitivinícola brasileira. Mas nunca parei para pensar na dimensão dessa informação, na relevância disso tudo e consequentemente nunca me atentei para a possibilidade de degustar quaisquer vinhos das regiões contempladas pela natureza nas terras paulistas.

E de uma forma quase que despretensiosa que a região de São Roque entrou em meu caminho enófilo e que, para a minha simples e humilde realidade de degustador de vinhos, está até mais intensa com algumas degustações surpreendentes, positivamente falando.

E o mais importante de tudo: a valorização dos pequenos e médios produtores! Dos produtores artesanais que, diante de sua importância para o cenário vitivinícola brasileiro, se tornam grandes, embora pouco valorizados e boicotados pela indústria do vinho. Mas isso é outra história...

Quando descobri um site chamado Pemarcano Vinhos os rótulos de São Roque, conhecida como a “terra do vinho”, vem se tornando, razoavelmente constante, em minha realidade e, depois das primeiras experiências, tenho sido agraciado por alguns vinhos especiais pelo amigo Luciano, dono da Pemarcano, com rótulos especiais.

E um desses produtores pequenos que vem me surpreendendo é a Bella Aurora. Alguns já foram, claro, degustados e que realmente gostei. Comecei pelo Dom Bernardino Touriga Nacional 2018! Um Touriga Nacional de São Roque! Jamais esperaria que isso fosse acontecer! Claro que as uvas são oriundas do Rio Grande do Sul, porém vinificadas nas dependências da Bella Aurora.

Depois veio outra surpresa inacreditável: Dom Bernardino Riesling 2020! Um vinho leve, frutado, uma acidez salivante. Resumindo: um vinho saboroso. Então, diante disso, nada mais do que natural buscar novos rótulos ou torcer para que o amigo Luciano, no ápice de sua gentileza, me trouxesse algo novo dessa vinícola. E não é que veio?!

E veio com mais uma surpresa! Aquela que veio de forma arrebatadora. Não demorei muito a degusta-lo diante da ansiedade que me tomava de assalto. Então sem mais delongas o vinho que degustei e gostei veio, claro, de São Roque, São Paulo, e se chama Dom Bernardino da casta Marselan não safrado.

E como nas resenhas dos rótulos degustados anteriormente deste produtor, devo, preciso exaltar a nobreza histórica dessa região tão importante para a cultura vitivinícola brasileira, claro, falo de São Roque e também da casta Marselan.

São Roque: “A terra do vinho”

A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de 1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva.

Alguns anos após a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em 1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.

Na região de São Roque, podem-se identificar referências à vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII. Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade, através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e por fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.

Portanto realmente não se podem esperar grandes referências desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.

Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838, quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras.

Em março de 1846, seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a passagem de Dom Pedro II, Antonio Joaquim começou a se destacar no cenário político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de cidade no dia 22 de abril de 1864.

Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865, quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do vinho.

Dr. Eusébio Stevaux

Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884, começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.

O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França), curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.

Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:

1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas, plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para consumo próprio.

2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense, ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro (talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na região de São Roque);

3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950: processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e desempenho melhores.

Pode-se dividir esta fase primeiramente num período de início do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a massificação da produção entra num processo de decadência.

4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de 1980). São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”, sendo que os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas) fabricam seu vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras partes do Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).

Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.

Marselan

A Marselan é uma uva tinta que vem aparecendo, cada vez mais, nos rótulos na versão varietal, ganhando em notoriedade. Ela faz parte do seleto grupo das 6 uvas já aprovadas pelo INAO (Institut National de L’Origine et de La Qualité) para compor a lista das uvas em Bordeaux e Bordeaux Superiéur. Juntam a esse time as tintas Castets, Arinarnoa, Touriga Nacional, bem como as brancas Alvarinho e Liliorila.

A Marselan não surgiu naturalmente. Nasceu pelas mãos do ampelógrafo parisiense Paul Truel, criador de mais de 12 outras variedades de uvas, em 1961, no sul da França. O nome da casta foi inspirado na cidade de Marseillan próxima a Montpellier. É lá onde fica localizado o INRA – centro de pesquisa agronômica, onde ele trabalhou até se aposentar em 1985.

Paul Truel

Quando Paul idealizou a Marselan ele tinha em mente potencializar, unir e melhorar as características de duas uvas conhecidas: a Cabernet Sauvignon e a Grenache. Da Cabernet Sauvignon, Truel queria preservar a potência, com rendimentos maiores, por outro lado, da Grenache – uva que se adaptou muito bem aos climas quentes – ele queria uma uva que tivesse resistência às altas temperaturas e, claro, uma nova casta resistente às doenças.

No início, ela não ganhou destaque e não foi o sucesso esperado, devido à baixa produtividade e aos pequeninos bagos. Com o aumento da demanda por uvas resistentes às moléstias – oídio, ácaros e podridão cinzenta, por exemplo -, ela foi incluída na listagem oficial de registros quase 30 anos depois, em 1990. Atualmente, é possível encontrá-la em terroirs com características distintas e ela deixa sua marca talentosa em diversos estilos, seja em um blend ou mesmo reinando sozinha em um varietal.

Muitos a utilizaram por anos apenas em pequenas porções em vinhos de corte, até que em 2002 surgiu o primeiro vinho 100% Marselan do mercado, o francês Domaine Devereux. De lá para cá, a Marselan começou a ser exportada para diferentes países, e vem ganhando espaço na Califórnia, Brasil e até na China, onde o Chateau Lafite Rotschild implantou vinhedos de Marselan mirando o mercado interno chinês.

Falando em países produtores, a Marselan vem sendo muito cultivada no Brasil, e a cada safra que passa novos produtores lançam seus rótulos. A Marselan é muito interessante para os produtores nacionais, especialmente os da Serra Gaucha, por sua boa resistência a doenças fúngicas, que aparecem ao menor sinal de umidade. Vinificada, a uva apresenta bebidas muito agradáveis e com grande potencial de guarda.

Uma característica é o ótimo equilíbrio entre taninos e acidez, além do álcool sempre bem incorporado. Estas características fazem com que os vinhos sejam de fácil consumo tanto com um ano de garrafa quanto com 5 ou 6. O estágio em barris de carvalho deixa os vinhos de Marselan ainda mais interessantes, dando um aspecto de vinhos da Toscana – com estrutura, corpo, mas muita elegância.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi, com alguma intensidade e halos granada, com lágrimas finas e em média intensidade.

No nariz é o destaque, trazendo aromas de frutas vermelhas maduras, como groselha, cereja, morango, além de notas de especiarias que lembram ervas, com um toque de terra molhada e couro.

Na boca é seco, típico da variedade, leve para média estrutura, sedoso, aveludado, graças o equilíbrio entre acidez, média, taninos, domados e álcool, bem integrado, além do protagonismo da fruta, como no aspecto olfativo e final curto.

Degustar regiões pouco “corriqueiras” como São Roque, claro, pelo menos para esse reles enófilo que vos fala, é como se estabelecêssemos um contato com um Novo Mundo e, após esse contato, a necessidade se torna premente de garimpar, descobrir, conhecer e deleitar, como a universo inexplorado e vasto, como sempre costumo falar de forma, confesso, demasiada. Novas experiências são conquistadas! Essa é a nossa conquista! A mais especial e pacífica possível: o direito inalienável de um enófilo à degustação. Dom Bernardino Marselan é simples, mas especial, não apenas por ser de São Roque, não apenas por ser um pequeno produtor, mas pela sinceridade pela qual foi concebido. Um bom vinho! Tem 12,5% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Bella Aurora:

Vinícola fundada na década de 1920 por Bernardino Pereira Leite imigrante português iniciou sua produção para consumo caseiro. A produção em escala comercial teve início em 1932.

Com mais de 85 anos, Vinhos Bella Aurora mantém sua tradição familiar na produção de saborosos vinhos, contando com uma excelente estrutura de atendimento aos visitantes e uma equipe de representantes comercial em todo estado de São Paulo.

A Vinícola proporciona um passeio turístico para quem busca contato com a natureza. Neste passeio poderá degustar bons vinhos e sucos, além de poder adquirir toda a linha de produtos típicos da Vinícola Bella Aurora. Para melhor atender os clientes, a cantina dos Vinhos Bella Aurora foi montada no interior de um autêntico tonel de madeira com capacidade para 120 mil litros.

Mais informações acesse:

https://www.bellaaurora.com.br/

Video institucional Bella Aurora – link:

https://www.youtube.com/watch?v=pihf88FDhUE

Referências:

“Assembleia Legislativa de São Paulo”: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=301135

“Blog do Lullão”: http://www.lullao.com/p/historia-do-vinho-em-sao-roque.html?m=1

“Sites Google”: https://sites.google.com/site/historiadovinhodesaoroque/home/historia-do-vinho-de-sao-roque

“Tosin Consultoria”: https://tosinconsultoria.com.br/marselan-que-uva-e-essa/

“Enocultura”: https://www.enocultura.com.br/cruzamento-entre-uvas-marselan/