Mais um Malbec da série: “Vinhos que descobri em eventos de
degustação”. E mais um Malbec que desmistifica o conceito de que essa casta,
para ser excelente, tem de ser amadeirado, passar por longos meses em barricas.
Sim, já me antecipei e, desde já, reverencio esse belo rótulo da emblemática
Mendoza onde repousa os grandes Malbecs em todas as suas propostas.
Mas o faço, pois o conheço, ou melhor, conheci há pouco mais
de um ano atrás quando estive em um evento de degustação bem longe de minha
casa, na Barra da Tijuca. Pois é, precisei ir longe para descobrir esse vinho
que logo apresentarei.
O evento acontecia e já estava finalizando para mim, olhei,
meio sem direção definida, e vi alguns vinhos argentinos e uma pequena
aglomeração quando avistei um uns vinhos dos Hermanos com um rótulo muito
simples, mas elegante e delicado. Havia cerca, pelo que eu me lembre, de dois
rótulos desse produtor: Um era um Malbec e o outro um Torrontés.
Claro comecei pelo Malbec e me surpreendi pela tipicidade aliada a personalidade: como ele
expressava o caráter do Malbec, todas as características estavam ali,
desfilando, para meu deleite, em meus sentidos. Então decidi degustar o
Torrontés, o Cinco Tierras “Sorbus” Torrontés da safra 2016. O evento
acontecera em 2020 e o rótulo, com seus 4 anos de safra, para um branco,
poderia não entregar as características marcantes da Torrontés, tais como o
frescor, a acidez etc. Mas ainda assim decidi degustar e...Que vinho! Ainda
fresco, pleno.
Mas olhando um pouco melhor o rótulo li que o vinho fora
produzido em uma região chamada Salta, em Cafayate. Até então não conhecia essa
região na Argentina, a não ser Mendoza, Patagônia etc. Então, por conta disso,
decidi levar esse Torrontés. Mas o Malbec merecia ser levado, pensei que não
fosse mais encontra-lo.
Quando um supermercado foi inaugurado aqui em minha cidade,
Niterói, um ano depois desse evento de degustação na Barra da Tijuca, decidi
conhece-lo e ver se eles possuíam uma adega legal. E qual vinho achei? Sim, o
vinho que degustei e gostei em 2020, o Cinco Tierras “Sorbus” Malbec, da safra
2019 da região de Mendoza. Me animei e não foi só em encontrar o vinho, mas
pelo preço incrivelmente baixo: R$ 26,90! Não hesitei muito e comprei, mas com
a intenção de degusta-lo logo e não me arrependi em nenhum momento.
Mas antes de falar do vinho, cabe falar um pouco de como os
rótulos do casal Rubén Banfi e Marie Geneviéve chegaram ao Brasil. Em 2009
Marcos Simonsen criou a importadora MS Import, com a seguinte missão: trazer
vinhos mais prontos e de bom apelo comercial, ou seja, vinhos de preços
acessíveis, para serem degustados no dia a dia de países como Portugal,
Argentina e Portugal, por exemplo.
A Bodega Cinco Tierras foi uma das primeiras a serem trazidas
por Simonsen, juntamente com a Sur de Los Andes, do economista Guillermo Banfi,
filho de Rubem. Pois é filho de peixe...
Mas por conta dessa proposta de vinhos mais básicos, de
valores acessíveis, acabou ganhando outros lugares para serem vendidos, como
nesse mercado que eu tive o prazer de encontrar o Malbec. A prova de que
podemos degustar bons vinhos argentinos da casta Malbec a preços acessíveis,
baixos e qualidade superior, alta.
Outro detalhe que me chamou a atenção foi a seguinte
informação: “IP Mendoza”. Eu nunca tive visto, até então, a Indicação de
Procedência antes do Mendoza. Então falemos um pouco sobre a história da IP na
Argentina.
Se em diversos países da Europa, como França, Itália,
Alemanha e Espanha, o conceito de indicações geográficas ou denominações de
origem para regiões produtoras de vinhos é antigo, na Argentina este é um
conceito relativamente novo. Apesar de alguns esforços regionais anteriores,
foi somente a partir de 1999 que os primeiros passos para a adoção de sistema
nacional de classificação foram trilhados.
Mas como funciona este sistema? Qual é o órgão responsável
pela sua regulamentação? Como são definidas as denominações de origens ou
indicações geográficas atuais na Argentina? Para responder estas e outras
questões vale a pena entender um pouco mais sobre estes conceitos e como foram
introduzidos na Argentina.
Do ponto de vista internacional, três marcos foram
importantes para a aceitação e regulamentação destes conceitos. Os dois
primeiros são mais que centenários, a Convenção de Paris de 1883 e sua revisão
em 1911, em Washington. Foi a partir destes acordos que se estabeleceu a
proteção da propriedade industrial e a aceitação dos conceitos de Indicação de
procedência (IP) ou Denominação de origem (DO). Já o conceito de Indicação
geográfica (IG) é mais recente, dentro dos Direitos de Propriedade Intelectual
relacionados ao Comércio (ADPIC), subscrito em Marrakesh, em 1994.
No caso da Argentina, porém, o conceito é mais recente. Um
marco fundamental foi a Lei nº 25.163, de 1999, que instituiu o regime de
indicações de origem geográfica para vinhos e outras bebidas alcóolicas
elaboradas com uvas, como uma categoria sui generis. Foi inspirado no modelo
europeu, mas com notas peculiares e algumas omissões em seu regulamento. Sua
regulamentação, porém, só ocorreu em 2004, com o Decreto nº 57/2004.
Antes disso, existiram algumas iniciativas para regulamentar
estas categorias, boa parte delas sob o aspecto regional. As primeiras
Denominações de Origem Controladas (DOCs) na Argentina foram aprovadas a nível
provincial. A DOC Luján de Cuyo foi
reconhecida em 1990 e DOC San Rafael em 1993, quando ainda não existia um marco
jurídico nacional.
O funcionamento no sistema argentino, dentro do quadro legal
atual, os vinhos podem ter ou não uma indicação de origem geográfica. Para
aqueles que optarem por ter uma indicação de origem geográfica, existe três
níveis distintos: Indicação de procedência (IP), Indicação geográfica (IG) ou
Denominação de origem (DO).
A IP é o mais genérico deles, que identifica a origem
geográfica, e podem coincidir as fronteiras políticas das províncias e
municípios. Assim que o marco legal foi regulamentado, o Instituto Nacional de
Vitivinicultura (INV – órgão que controla e aprova este processo) reconheceu
como IP o nome geográfico de todas as províncias vinícolas do país na época:
Mendoza, San Juan, La Rioja, Catamarca, Salta, Jujuy, Tucumán, Córdoba e
Neuquén. Os produtores de cada região podem usar sua IP correspondente sem
necessidade de solicitar autorização administrativa.
Assim, um produtor baseado na província de Mendoza (que
concentra cerca de 75% da área de vinhedos da Argentina), pode incluir em seu
rótulo, se quiser, a expressão IP Mendoza. Deste modo, esta indicação é a menos
específica entre elas. Ela serve exclusivamente para indicar que o vinho foi
elaborado com uvas plantadas em uma unidade administrativa (no caso província)
específica. Leia mais em: Vinhos na Argentina: com funcionam as denominações de
origem e as indicações geográficas.
E agora finalmente o vinho!
Na taça entrega um intenso vermelho, quase escuro, com
discretos, mas bonitos reflexos violáceos, com lágrimas finas e em média
intensidade, um pouco viscosas.
No nariz uma exuberância de frutas vermelhas maduras, frutas
pretas também, uma compota de frutas, com o destaque para ameixa, cereja,
framboesa e groselha. Notas terrosas, de especiarias e de flores, flores
vermelhas.
Na boca é suculento, marcante, saboroso, no início o álcool
sobressaiu, mas com algum tempo respirando logo se mostrou equilibrado, mas
ainda bem alcoólico, as frutas, como no aspecto olfativo, em destaque, com
taninos marcantes e gulosos, com uma incrível acidez, revelando um vinho
extremamente gastronômico. Tem um final médio, com um discreto tostado. Segundo
referências na internet o mesmo passou por 6 meses em barricas de carvalho e no
contra rótulo do vinho há um sutil passagem.
Um Malbecão no conceito mais genuíno da casta, de tipicidade,
de caráter, um vinho básico da família Banfi, sim, mas que entrega tanto de
Mendoza, de seu terroir e que comprova a frase do grande Didu Russo, especialista
de vinhos brasileiro que diz: “Que a melhor maneira de mensurar a qualidade, a
idoneidade de um produtor, é pelos seus vinhos de entrada”. São aqueles sem o
mínimo de intervenção humana. Frutado, floral, fácil de degustar, mas com
alguma estrutura, intensidade e personalidade. Um vinho especial que
reencontrei e degustei e gostei. Tem 13,5% de teor alcoólico.
Ah e para curiosidade o nome da vinícola “Cinco Tierras” faz
menção as cinco principais regiões, as cinco melhores regiões vitivinícolas da Argentina
em que a Bodega produz seus vinhos e que passa por toda a Cordilheira dos
Andes.
Sobre a Bodega e Viñedos Cinco Tierras:
A Bodega Cinco Tierras nasceu como um projeto pessoal de
Rúben Banfi, sua esposa e seus filhos Marie Geneviève, Carlos, Guillermo e
Diego, em Vistalba, na província de Luján de Cuyo.
Integrante da família Banfi, proprietária do Castello Banfi, na Toscana, famosa e respeitada pela elaboração de vinhos de excepcional qualidade e que teve um papel fundamental na projeção internacional do Brunello di Montalcino. Por coincidir com Banfi Vintners, Rúben não pode utilizar seu nome no mercado norte-americano, justificando a escolha por outro nome para sua vinícola em terras mendocinas.
Em 2000, Cinco Tierras elaborou os primeiros Reserva Malbec,
Cabernet, Reserva Familia e Malbec Cinco Tierras. Cinco anos depois,
concretizou a compra de 25 hectares de vinhedos em Agrelo. No mesmo ano, os
rótulos Cinco Tierras e Sorbus são selecionados em um concurso para a carta de
vinhos das Aerolíneas Argentinas.
Durante essa etapa contou com a consultoria técnica do
prestigiado enólogo Héctor Durigutti, que também auxilia a prestigiada vinícola
Altos Las Hormigas. Sinônimo de tradição elabora artesanalmente vinhos
orgânicos, com colheita manual e sem nenhum tipo de agrotóxico ou agente
químico.
A vinícola conta com os últimos avanços tecnológicos e uma
capacidade de produção de 250.000 litros divididos em piscinas de cimento
revestidas com epóxi (7.000 a 25.000 litros) e tanques de aço inoxidável
(5.000, 7.500, 15.000 e 25.000 litros). Ele também tem 300 barris de carvalho
francês no subsolo. Possui 3 linhas de vinhos: Cinco Tierras Reserva; Cinco
Terras Clássicas e Sorbus. Em todos eles destacam-se a fruta e o equilíbrio,
bem como uma excelente expressão varietal com um toque de carvalho.
Os itens são limitados, a Reserva varia entre 4.000 e 10.000
garrafas e a linha Classic cerca de 40.000. A produção anual é de 160.000
garrafas. Desde a primeira vindima, os vinhos Cinco Tierras tiveram uma
aceitação muito boa tanto local como internacionalmente e foram premiados em
importantes concursos. Atualmente exportam 70% da produção para França, Brasil,
EUA e China.
Mais informações acesse:
Referências:
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=AR
“Blog do Jeriel”: https://blogdojeriel.com.br/2011/07/06/cinco-tierras-na-figueira-rubayat/