Atire a primeira pedra o enófilo que nunca degustou um vinho
de mesa no Brasil, ou melhor, atire a primeira garrafa! Claro que os enófilos
que nasceram abastados, os aristocratas do vinho nunca foram pobres, como eu, e
sempre degustou os vinhos mais caros do mundo, as melhores “grifes”, mas aquele
humilde e enófilo trabalhador assalariado dessas terras de meu Deus, aposto a
minha simplória adega se já não degustou.
Os vinhos de mesa são aqueles que são produzidos pelas uvas
americanas (oriundas dos EUA mesmo), os famosos “garrafões”, quem não lembra?
Lembro-me, inclusive com certo ar de nostalgia, que degustava esses vinhos nos
idos longínquos de 1994, 1995 e reunia, para este momento ímpar, os meus
melhores amigos para celebrar, jogar conversa fora, entonar besteiras sem
compromisso algum. Ah e como era bom degustar aqueles vinhos e estar com
amigos, um complementava o outro.
Nunca tive nenhum tipo de visão pré-concebida com tais
vinhos, afinal eram só mais do que propostas de rótulos que até hoje detém uma
grande participação de mercado, apesar do crescimento, embora tímido, dos
vinhos vitis viníferos.
Mas em 1999, 2000, aproximadamente, decidi enveredar para os
já mencionados vitis viníferos, os vinhos produzidos com as castas finas, tais
como Merlot, Malbec etc. Não porque os de mesa estavam inadequados para o meu
paladar, porém eu gostaria de traçar novos caminhos na estrada do vinho, o
universo do vinho é infindável e eu desejava, ansiava por novos caminhos,
explorar novas possibilidades e estou até hoje e o caminho, a necessidade por
percorrê-lo ainda é urgente e latente.
Mas por que raios estou relembrando isso agora? Explico! Fui
convidado por um querido amigo para degustarmos alguns rótulos em sua casa e
darmos continuidade a nossa pequena, mas significativa confraria e um rótulo
que ele tem me chamou a atenção e praticamente sugeri que ele abrisse para nós
degustarmos. Era um vinho francês, um “Vin de France”, um vinho mais simples e
descontraído e que equivale a um vinho de mesa no Brasil, embora as castas não
sejam as mesmas usadas em nossas terras para produção dos vinhos franceses com
essa designação.
Por uma grata curiosidade, nunca degustamos um francês “Vin
de France”, então era chegada a hora, mais do que pertinente, de degustar, com
um grande amigo, como no passado eu fazia com outros grandes amigos, as
degustações dos vinhos de mesa brasileiros.
E não é que o vinho surpreendeu? Inacreditável como o vinho
entregou além do que esperávamos, tamanha a personalidade, a expressividade. O
vinho que degustei e gostei, é um “Vin de France”, portanto, sem definição de
uma região, e se chama Coq Licot com o clássico corte, típico do Vale de Rhône,
“GSM”: Grenache (50%), Syrah (30%) e Mourvèdre (20%) ou Monastrell muito
popular na Espanha e a safra é 2020. Mas antes de falarmos do vinho vou
detalhar sobre o conceito de “Vin de France”.
“Vin de France” ou no passado o “Vin de Table”
É preciso lembrar que o “Vin de Table” não está relacionado
com o nosso “Vinho de Mesa”, embora a tradução seja exatamente esta. Para os
franceses, o Vin de Table é um nome geral dado aos vinhos para consumo
imediato. Não existe uma definição precisa para o termo.
“Vin de Table” era a categoria associada a vinhos mais
simples, em geral aqueles produzidos com uvas provenientes de áreas fora de
denominações de origem ou indicações geográficas. Também podiam se referir a
vinhos cujo produtor não aceitava as regras dos conselhos de denominação (por
exemplo, elaborando vinhos com uma uva não aprovada na denominação).
Nos últimos anos, porém, a referência a vinho de mesa foi
extinta. Na França, estes vinhos passaram a ser chamados, a partir de 2010, mas
precisamente em 2009, com a sanção de uma lei, de Vin de France, ou seja, sem
qualquer referência regional específica.
O “Vinho de Mesa” em outras partes do mundo
Vinho de mesa é um termo que parece muito simples, mas que
ainda causa muita confusão. E isso ocorre porque, dependendo do local ou do
contexto, ele assume um significado diferente. Na Europa ele tem um
significado, assume outro nos Estados e representa um terceiro no Brasil. Mas
quais são e como explicar estas diferenças?
Estas diferenças são significativas, já que se referem a
conceitos distintos. Na Europa, o termo é geralmente associado a uma questão de
qualidade e hierarquia, sobretudo dentro do contexto de denominações de origem.
Já nos Estados Unidos, o termo é usado para diferenciar estilos de vinificação.
No Brasil, por sua vez, é uma forma de diferenciar os vinhos de acordo com a
uva com a qual foram elaborados.
Até as mudanças mais recentes no sistema de classificação de
vinhos na maioria dos países europeus, falar de vinho de mesa era se referir a
um vinho simples. No topo da pirâmide de qualidade dos vinhos europeus estão
aqueles que pertencem às denominações de origem. Por outro lado, a parte mais
larga da pirâmide é composta por aqueles que não estão dentro destas
denominações ou mesmo que tenham uma indicação geográfica mais específica, como
o caso já mencionado da França.
Já nos Estados Unidos, a definição de vinho de mesa (table
wine) não tem nada a ver com hierarquia ou qualidade. Ele se refere ao que
chamamos no Brasil de vinho tranquilo, ou seja, um vinho que não é espumante ou
tenha sido fortificado. Deste modo, se refere ao estilo de elaboração do vinho.
Por exemplo, qualquer tipo de espumante, seja qual método adotar, não pode ser
chamado de table wine.
O mesmo vale para vinhos como Madeira, Porto ou outros onde
ocorre a adição de aguardente vínica ou outras formas de álcool durante seu
processo de elaboração. Existe, inclusive, uma regra nos Estados Unidos que
define que, para poder ser chamado de “table wine”, o vinho não pode ter um
teor alcóolico acima de 14%.
O Brasil mostra uma peculiaridade nos vinhos. Nosso mercado
de vinhos é dominado por variedades americanas ou híbridas, e isso acaba se
refletindo no uso do termo vinho de mesa. Assim, um vinho elaborado a partir
destas uvas, mesmo que contenha uma proporção de vitis vinifera, é classificado como vinho de mesa.
Caso o vinho seja elaborado exclusivamente a partir de
espécies da Vitis vinífera e com o uso de processo tecnológicos adequados, pode
receber a designação de vinho fino. Deste modo, o termo vinho de mesa ganha uma
conotação distinta no Brasil, com referência explícita às uvas utilizadas para
sua elaboração.
E agora falemos do vinho!
Na taça um vermelho rubi intenso, mas com reflexos violáceos,
diria que apresenta um lindo tom roxo que imprime um brilho a cor, com lágrimas
finas e em média intensidade.
No nariz entrega um aroma intenso e agradável de frutas
vermelhas onde se destacam morango, groselha e cereja. Há um toque floral que
traz certo frescor muito agradável.
Na boca é saboroso, redondo e macio, com as notas frutadas
bem intensas, com um toque adocicado, mas sem ser enjoativo, além de
especiarias, como pimenta, com taninos macios e uma boa acidez, que colabora
para a sua boa persistência. Tem um final longo e retrogosto frutado.
Um vinho suculento! Um vinho saboroso, descomplicado de degustar,
mas que revelam marcante personalidade típico do corte de castas tão
voluptuosas e altivas como a Grenache, Syrah e Mourvèdre. Um vinho que me
trouxe grandes momentos do meu passado enófilo, de reuniões com amigos quando
eu apenas engatinhava no universo vasto e instigante dos vinhos e hoje cá estou
com um grande amigo e companheiro de taça em uma estabelecida e significativa
confraria compartilhando esse rótulo, esse vinho que foge um pouco da
austeridade dos franceses caros e de grife e que abrilhanta um momento de muita
alegria e celebração, com a descontração que merecemos, sem contar que o rótulo
personifica isso também, talvez tenha uma intenção de marketing, arrisco. Um
vinho que embora não tenha uma região estabelecida traz à tona todas as
características das castas que compõe esse blend tão importante para a história
vitícola da França. Brindemos ao vinho, a vida, a celebração da amizade, da
pura e genuína amizade. Tem 14% de teor alcoólico muito bem integrado ao
conjunto do vinho.
Sobre a Vignobles & Compagnie:
Em 1963, graças ao espírito de federação dos viticultores,
liderado por Paul Blisson, que deu origem a vinícola, originada a promover
vinhos da região do Gard, do Vale de Rhône. A adega, um edifício original
inspirado pelo brasileiro Oscar Niemeyer, estava e ainda está localizada em um
ponto estratégico de Gard.
A família Merlout investe na organização, isso em 1969. À
frente da empresa estava uma mulher, Miss Noble, um fato ousado para a época.
Em 1972 a vinícola entra em uma nova era graças a modernização do local e ao
grande crescimento econômico também. Em 1990 o Grupo Taillan assumiu todas as
atividades da vinícola, dando início a uma parceria importante com vários
produtores locais, trazendo o conceito de regionalismo aos seus rótulos.
Mais informações acesse:
https://vignoblescompagnie.com/en/
Referências:
“Vem da Uva”: https://www.vemdauva.com.br/o-que-e-vin-de-pays/
“Wine Fun”: https://winefun.com.br/vinho-de-mesa-um-conceito-com-diferentes-significados-ao-redor-do-mundo/