Sempre ouvi, por parte dos “influenciadores” do universo do
vinho, que os rótulos franceses, sobretudo de sua mais emblemática e famosa
região, Bordeaux, para serem bons, de qualidade, precisam ser caros.
Como sou um homem de extrema humildade e, diante da enorme
sapiência desses especialistas, prefiro não entrar nos pormenores, embora
acredite piamente que é possível sim, degustar bons rótulos desse país, com
preços mais convidativos para a maioria da população brasileira.
Mas convivi com essa “máxima” durante muitos anos, degustando
pouquíssimos rótulos franceses, principalmente no período em que estava
começando a adentrar no vasto universo do vinho em que não tinha, digamos,
maturado, a percepção de que qualidade não precisa andar de mãos dadas com dinheiro,
muito dinheiro.
Afinal essa é uma visão míope e arrogante de que vinho bom é
vinho caro, porque para alguns aristocratas do vinho, tal bebida serve para
ditar regras de etiqueta social. E poucos rótulos deixei de degustar, por um
longo tempo, principalmente de Bordeaux, por conta dessa situação.
Então com o passar dos tempos e com o desbravar de
informações que desmistificasse tal “máxima” busquei rótulos de Bordeaux com
ótimos preços e que pudesse me trazer um retorno satisfatório no que tange à
degustação.
Mas com isso descobri outra região da França muito importante
para a viticultura local e que atualmente é uma das maiores produtoras de vinho
por volume deste país e que, ao longo dos anos, vem se notabilizando, crescendo
em qualidade. Falo do Languedoc-Roussillon.
Percebi valores extremamente atraentes e rótulos
surpreendentemente bons! Fui degustando rótulo por rótulo e gostando de cada
um, independente da proposta e da casta. O último inclusive, foi maravilhosa a
degustação, o Antodie, um varietal da Viognier, da safra 2020.
E como o interesse foi crescendo cada vez mais, nada mais
natural do que garimpar novos rótulos, ter novas experiências e, mais uma vez,
me vi enamorado por outro rótulo que descobri e que, para variar, me
surpreendeu positivamente. O vinho que degustei e gostei veio, claro, do
Languedoc-Roussillon, e se chama Neratius, composto por um blend tradicional da
região, Grenache e Syrah, da safra 2018.
Château Saint Pons de Mauchiens
O Château Saint Pons de Mauchiens não é apenas uma vinícola,
é uma ode à majestosidade do vinho francês, situada na venerada região vinícola
de Languedoc-Roussillon.
Esta região é um verdadeiro tesouro para os apreciadores de
vinho, uma tapeçaria de vinhedos que criam as mais divinas bebidas, como o excepcionalmente
rico e complexo Neratius.
Languedoc-Roussillon
Languedoc-Roussillon é uma região francesa localizada na
costa do país. Ela faz fronteira com a Espanha e é também chamada apenas de
Languedoc. Na Idade Média, os povos que ocupavam o território da França atual
tinham duas maneiras de dizer "sim": os do Norte diziam
"oïl" e os do Sul diziam "oc".
Dessa forma, o Norte era conhecido como a terra da Língua do
Oïl e, o Sul, a terra da Língua do Oc ("Langue d'Oc"). Esse segundo
nome persistiu e o território mediterrâneo entre Perpignan e Montpellier, no
sul da França, incluindo Narbonne e Carcassone, é até hoje denominado
Languedoc.
Durante séculos essa região ensolarada, voltada em forma de
anfiteatro para o Mar Mediterrâneo, dedicou-se à produção de volumes enormes de
vinhos de mesa populares e baratos, os quais eram servidos em copos, nos bares,
ou em jarras de vidro ("pichés"), nos restaurantes franceses, a preço
de banana.
Até recentemente, nos anos 1970 e início dos 1980, o
Languedoc ainda produzia, na maior parte, vinhos propostos para o consumo
massivo. Do ponto de vista vitivinícola, isso era impulsionado pela facilidade
com que a uva Carignan, que não se inclui entre as melhores, é cultivada e
amadurece nas planícies quentes do anfiteatro mediterrâneo. Ela ocupava grande
área de cultivo e sua utilização não conhecia limites.
O prestígio veio depois, por volta dos anos 1980, quando os
produtores elevaram a qualidade, chegando a exemplares de tipos variados, com
destaque para tintos frutados e robustos, com excelente relação custo e
benefício, o melhor da França.
No entanto, passados mais de trinta anos, poucas regiões
vinícolas do mundo são tão excitantes para vinhos tintos robustos e frutados a
preços convidativos como o Languedoc. Nesse período, vinicultores pioneiros
ajudaram a elevar a qualidade para novos níveis. As uvas Syrah, Grenache e
Mourvèdre ocuparam o lugar da Carignan e a procura pela qualidade reduziu a
primazia dos vinhos populares.
Um cauteloso processo de subdivisão de Languedoc-Roussillon
em terroirs reconhecidamente distintos está em andamento há alguns anos,
originando as apelações Clairette du Languedoc, La Clape, Picpoul de Pinet,
entre outras. Algumas encontram-se bem estabelecidas, com anos de certificação,
outras estão conquistando aos poucos seus espaços perante o mundo do vinho.
As cidades de maior destaque do Languedoc são Nîmes,
Montpellier, Sète e Bézier e as do Roussillon são Narbonne, Carcassone,
Minervois, Saint-Hilaire e Limoux. Essas duas regiões produzem principalmente
vinhos tintos, seguidos dos brancos espumantes, brancos doces, brancos
tranquilos secos e rosés.
Tradicionalmente, a Carignan é a uva de destaque, mas
atualmente muitas outras têm brilhado. Grenache, Mourvèdre, Syrah, Merlot, Cinsault
e Cabernet Sauvignon, entres as tintas. Picpoul, Muscat, Maccabéo, Clairette,
Rollet, Bouboulenc, Sauvignon Blanc, Viognier, Marsanne e Chardonnay, entre as
brancas.
Por causa da boa adaptação de uma grande diversidade de uvas,
há uma produção muito variada por lá. Os tintos Vin de Pays d’Oc são deliciosos e cheios de tipicidade. Os brancos
são impressionantes, dos secos aos doces. Sem falar do precioso espumante
Crémant de Limoux, de estilo similar ao champanhe.
Com exceção do seu extremo oeste, que tem alguma influência
atlântica, o clima da região é essencialmente mediterrâneo, com chuvas escassas
(geralmente caem em temporais localizados) e verões muito quentes. O maior
problema para a viticultura é a seca. O Roussillon é a região mais ensolarada
da França, com 325 dias de sol no ano e com os ventos quentes que no verão
aceleram a maturação das uvas.
O solo da maior parte da região é do tipo aluvial, exceção
feita das partes mais ao norte, afastadas do litoral, e mais a oeste, próxima
aos Pirineus, onde os vinhedos estão a altitudes maiores e repousam em solos
variados como cascalhoso com seixos, xistoso, arenoso e de pedra calcária.
A virada
No período de 1982 a 1993, sub-regiões como Faugères,
Minervois e Limoux enquadram-se como Denominação de Origem Controlada.
Corbières, o vinhedo mais amplo da França Meridional, corre atrás com tintos
apimentados da Grenache.
Como a quantidade - mais que a qualidade - era a premissa
para a maioria dos produtores, isso se constituiu em uma virada no mundo dos
vinhos franceses. A melhoria começa timidamente com a vinícola Fortant de
France, do empreendedor Robert Skalli. Ele desvia-se da tradição local
voltando-se para varietais de Cabernet Sauvignon, Viognier e Chardonnay, mas
limita-se a enquadrar seus produtos sob a denominação Vin de Pays d'Oc (vinho regional).
Para encontrar os melhores tintos temos que nos voltar para
os terrenos mais elevados. Isso significa, principalmente, os Côteaux du
Languedoc, que contam, por sua vez, com diversas subregiões na zona de colinas
entre a planície costeira e o Maciço Central. Os melhores tintos do Coteaux são
cortes com base na Syrah e na Mourvedre. Propriedades emergentes, como os
Châteaux la Roque, de Flaugergues e Puydeval despontam internacionalmente e são
recomendados nos EUA, em 2003, pela Wine Spectator.
Outras, com nomes pouco divulgados até então como, por
exemplo, os Domaines d'Aupilhac, Magellan e St. Martin de la Garrigue recebem
tratamento semelhante. Os vinhos de Gerard Bertrand recebem da revista
americana pontuações acima de noventa na sua escala de zero a cem.
A descoberta do Languedoc na Califórnia chega a ponto de
Robert Mondavi tentar instalar-se com uma vinícola na região na cidade de
Aniane. A prefeitura local socialista, entretanto, rechaça essa possibilidade e
não autoriza o empreendimento. No local, instala-se a Maison Nicolas.
Futuras gerações
De modo geral, pode-se confiar de forma consistente em que os
tintos contemporâneos do Languedoc, Corbières, Coteaux du Languedoc, Fitou etc,
são vinhos equilibrados, potentes e que seu frutado não se deixa suplantar por
aromas amadeirados.
Tendo rompido com o passado, a possibilidade do Languedoc de
elaborar vinhos de qualidade ainda mais elevada, reconhecidos
internacionalmente, dependerá da dedicação da nova geração de vinhateiros ao se
expandir pela diversidade de terroirs da região.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um rubi escuro, pouco translúcido, diria, com
entornos granada, com lágrimas finas, espaçadas e lentas.
No nariz traz um aroma expressivo de frutas vermelhas e
pretas maduras, algo de floral, de violeta, com notas picantes, as especiarias
que a Syrah traz, como pimenta, por exemplo, com evidentes aromas terrosos, de
terra molhada mesmo, além de couro e talvez tabaco.
Na boca é redondo, aveludado, mas traz alguma intensidade,
arriscaria complexidade no paladar, um tanto quanto rústico, com as notas
frutadas em profusão, com a terra molhada protagonizando, as especiarias, a
pimenta, pimenta preta, com taninos presentes, mas domados pelos seus cinco
anos de garrafa, com acidez correta e um final de média persistência.
Cada gole é uma experiência que envolve todos os seus
sentidos, uma dança elegante de sabores que definitivamente clama por mais e
mais. E o que torna este vinho ainda mais atraente e instigante é que ele vem
de uma edição limitada, tornando cada garrafa especial nas degustações. Mais
uma vez o Languedoc se revela um primor para os sentidos! Tem 13,5% de teor
alcoólico.
Sobre a vinícola Les Vignerons de la Vicomté
O ambicioso projeto ecoagronômico, “Les Vignerons de la
Vicomté”, surgiu em 2014 como parte de uma iniciativa maior denominada
“Viticultura, Biodiversidade e Qualidade da Água na região de Hérault”.
Inicialmente, a liderança do projeto foi conduzida pela Federação IGP Hérault,
passando em 2016 para as mãos da Câmara de Agricultura.
Com foco em dois principais pilares, a “Les Vignerons de la
Vicomté” se dedica a:
1-
Promover
o uso de técnicas que diminuam a dependência de insumos, principalmente
herbicidas, entre os cooperados.
2-
Encorajar
as adegas, membros da Les Vignerons de la Vicomté, a produzirem cuvées oriundas
de uma viticultura sustentável, que abrange desde práticas convencionais até
biológicas.
Abrangendo 45 vilas rurais entre Gignac, ao norte, e Saint
Pons de Mauchiens, ao sul, a iniciativa une 1.800 cooperados em 8.000 hectares
de vinhedos, resultando na produção de 500.000 hectolitros de vinho por ano.
Os cooperados contam com uma série de ferramentas para auxiliar na transição para práticas mais sustentáveis. Ações como dias de treinamento, fornecimento de informações, conselhos personalizados e demonstrações, ajudam nesse processo.
Um exemplo foi um evento organizado pela
Câmara Hérault de Agricultura e a federação CUMA, com o propósito de apresentar
uma série de soluções mecânicas para reduzir a necessidade de herbicidas. Este evento,
realizado em Le Pouget, Plaine de l’Estang, atraiu mais de 200 viticultores,
refletindo o crescente interesse pelo compromisso ecológico no setor.
Os Vignerons de la Vicomté também estão investindo na criação
de um cuvée “ambiental”. Este projeto, parte das Medidas Agroambientais e
Climáticas no Vicomté, tem como objetivo desenvolver linhas de vinhos que adotem
práticas de baixo consumo.
Os primeiros exemplares, oriundos da safra 2018, estão
disponíveis para venda, incluindo uma seleção de Merlot, um IGP Vicomté
d’Aumelas Cuvée tinto e uma seleção de Syrah.
Avançando em sua jornada de sustentabilidade, Les Vignerons
de la Vicomté está em processo de obter a certificação HVE, reafirmando seu
compromisso com a conservação ambiental e atendendo às demandas crescentes de
consumidores preocupados com o meio ambiente.
Mais informações acesse:
https://www.cavescooperatives.com/les-vignerons-de-la-vicomte-le-pouget/
Referências:
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/regiao/languedoc-roussillon
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=FR14
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/o-vinho-de-languedoc_8053.html
“Revista Sociedade da Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2021/10/languedoc-roussillon/
“Center Gourmet”: https://centergourmet.com.br/chateau-saint-pons-de-mauchiens-neratius-languedoc-aop-2018/