Era um domingo extremamente agradável. Um toque primaveril
ensolarado, mas calor. Tudo conspirava para uma degustação. Não estava no meu
roteiro de degustação naquele dia, mas algo dizia para abrir um rótulo naquela
tarde de domingo que nascia. Decidi degustar um vinho e, a partir dessa
decisão, faltava escolher o rótulo, de preferência que harmonizasse com o dia
que estava muito agradável. Olhei todos os cantos da adega, inspecionei cada
rótulo e avistei um que, a meu ver, teria tudo a ver com o momento.
Tudo conspira com uma degustação! Não é apenas aquele prato,
o alimento, mas o momento, o estado de espírito, tudo que está ao nosso redor
conta e muito para o enredo e o ritual da degustação de um vinho. E, para o
momento que narrei em questão, escolhi um Pinot Noir chileno. Um vinho
essencialmente fresco, agradável, mas com alguma personalidade, típica dessa
casta produzida no Chile. Adoro os Pinots chilenos porque eles priorizam a
tipicidade da cepa, mas com uma “pegada” incomum, uma boa personalidade.
Então o vinho que degustei e gostei veio da sub região de
Valle de Casablanca que fica no Aconcágua, um chileno da tradicional Viña
Ventisquero que é o Ventisquero Pinot Noir Reserva da safra 2015. Um vinho
estupendo, um Pinot Noir que eu não havia degustado há tempos, mas não quero
revela-lo, por inteiro, ainda, apesar da minha excitação para tal. Mas falemos
um pouco da importante região de Valle de Casablanca, que fica no Valle de
Aconcágua, que vem crescendo vertiginosamente, a olhos vistos.
Valle de Casablanca, Aconcágua
Os primeiros espanhóis no Vale de Casablanca foram os
expedicionários liderados, em 1536, pelo avançado Dom Diego de Almagro. O
Conquistador, em suas incursões ao longo da costa, entrou na rota Inca, que de
Quillota cruzou Limache e Villa Alemana, penetrando o vale de Margamarga em
direção aos campos de Orozco. De lá avistou o vale (que os nativos chamavam de
Acuyo) cruzando-o para continuar até Melipilla pelo Cordón Ibacache, visitou as
colônias de 'Mitimaes' de Talagante, avançou mais para o Leste e depois voltou
para Quillota. Em 1540, D. Pedro de Valdivia passou com os seus anfitriões,
imitando a estrada para Almagro.
O vale, localizado entre Santiago e o maior porto do Chile,
Valparaíso (recentemente declarado Patrimônio da Humanidade) combina todas as
condições para tornar-se essencial para todos que visitam o país. Casablanca se
caracteriza por ser um vale pre-litoral, localizado na planície costeira da
região, a apenas 18 km do mar e rodeado pela serra costeira.
A origem do nome Casablanca (Casa Branca) está no século XVI,
quando foi construída uma casa de adobe caiada a oeste da cidade. Em 1755, os
trabalhos preparatórios para a nova cidade prosseguiram e o seu traçado
original foi delineado - de acordo com a tradicional grelha espanhola - por Dom
Joseph Bañado y Gracia, juiz agrimensor do Bispado. Quando as primeiras casas
foram construídas, algumas medidas foram ditadas a fim de garantir o progresso
da população. Foi nomeado um Tenente General do Partido Casablanca, dependente
do prefeito de Quillota, que também recebeu ordens do Governador de Valparaíso
em caso de defesa do referido porto. Embora, no início, a população tenha
crescido, a rivalidade entre José Montt e Dom Francisco de Ovalle pôs em risco
o seu desenvolvimento, quando este último reivindicou os direitos sobre o
terreno onde fora construída a vila, visto que os habitantes iam abandonando o
terreno por entender que eles iriam perdê-los se Ovalle ganhasse o processo. O
contencioso durou toda a segunda metade do século XVIII e a situação
normalizou-se quando os herdeiros dos litigantes encerraram a ação,
reconhecendo o fundamento e os direitos dos seus habitantes.
Casablanca tem uma clara influência marítima, clima bem mais
frio, com neblinas matinais e uma amplitude térmica de até 19 graus entre o dia
e a noite, o que favorece a lenta maturação das uvas. A temperatura media do
verão é de 14,4 graus, as chuvas se concentram entre os meses de maio e
outubro, com um amédia anual de 450 mm. A influência marítima que o vale recebe
faz com que a temperatura média seja moderada, alcançando não mais do que 20º C
durante o período vegetativo. Isso cria excelentes condições para as variedades
brancas, como Sauvignon Blanc e Chardonnay, refletindo-se na frescura e no
intenso aroma cítrico de seus vinhos. Os meses com riscos de geadas são
setembro e outubro, ficando bem mais seco entre novembro e abril, época do crescimento
e maturação das uvas. A colheita, diferente de outros vales, acontece mais
tarde, a partir de 15 de março até final de abril. Essas características
climáticas trazem vinhos de qualidade superior, com muita concentração de
fruta, acidez muito boa e um final brilhante.
A região é dominada pelas castas brancas, que correspondem a
75% da área plantada. Lá reina a Chardonnay, que ocupa mais de 1.800 hectares.
Outras variedades importantes são a Sauvignon Blanc (mil hectares), a Merlot
(430 ha) e a Pinot Noir (426 ha). Esta última, apesar de ser apenas a quarta
mais plantada, forma, junto com a Chardonnay, a dupla de uvas emblemáticas da
região.
E agora o vinho!
Na taça goza de um vermelho rubi brilhante, um tanto quanto
escuro, para o Pinot Noir, mas apresentando um brilho típico da casta, com
lágrimas finas e em média intensidade desenhando as paredes do copo.
No nariz traz aromas de frutas vermelhas maduras como cereja,
por exemplo, com toques delicados de flores, toque floral que entrega suavidade
e elegância ao vinho, com notas de baunilha e torrefação, graças a passagem por
10 meses em barricas de carvalho, de 70% do vinho.
Na boca é complexo e com médio corpo, mas que não perdeu, em
momento algum, a tipicidade da casta, trazendo delicadeza, frescor, graças a
sua acidez equilibrada e de média intensidade e de taninos finos e domados. Traz
um pouco da madeira, bem discreto e bem integrado ao vinho, com toques de café.
Um autêntico Pinot Noir chileno, seu terroir, sua tipicidade
assinada por uma região importante e com vocação para a produção da casta. O
DNA está na cultura, no saber fazer de seus produtores, de sua gente, a terra
faz a sua parte. Um Pinot Noir chileno que entrou para a minha história de
degustação, emblemático, poderoso, expressivo, mas delicado, elegante como
característica essencial e importante desta linda cepa. Um vinho versátil e saboroso,
que enche a boca e que tem uma vocação gastronômica que impressiona. Tem 13% de
teor alcoólico.
Sobre a Viña Ventisquero:
Liderada por uma equipe jovem, criativa e empreendedora, em
1998 começou produção da Viña
Ventisquero, sob o slogan “um passo além”. A ideia foi elaborar vinhos de alta
qualidade, vanguardistas e modernos, combinados com uma nova maneira de se
comunicar com o público-alvo e os processos de marketing. Ela é apenas um dos
ramos de poderosa holding chamada Agrosuper, que comercializa carne, frango,
porco, peru, frutas, embutidos, além de vinho. Criada em 1998 por Gonzalo Vial,
a vinícola tem hoje 1.500 hectares de vinhedos em diferentes regiões como os
vales de Casablanca, do Maipo, de Rapel, de Colchagua e de Apalta. O nome Ventisquero
deriva de um glaciar, massa de gelo que se concentra nas montanhas. Da mão do
enólogo-chefe, Felipe Tosso, a vinícola surgiu em 2003 no Maipo Costa, área
onde nasceram os primeiros vinhos. Depois de três anos, foram dados novos
passos no Vale de Casablanca e no Vale de Colchágua, mais precisamente no Vale
de Apalta, berço dos vinhos de alta gama da Ventisquero. Uma das
características da vinícola é a preocupação com o meio ambiente, desde o
plantio, que obedece à agricultura orgânica, até a redução de emissões de CO2
nos transportes de seus vinhos. Outra é a alta tecnologia que permite à equipe
de enólogos acompanharem todo o processo do vinho. Outro fator que concorre
para a qualidade dos vinhos é a disponibilidade de recursos. Só um açude
construído no meio dos vinhedos para captar a água dos Andes custou dois
milhões e meio de dólares. Buscando consolidar qualidade, se aventuraram a
criar vinhos ícones com John Duval, um dos mais prestigiados enólogos da
Austrália e do mundo. Com vinhedos nas melhores áreas vitivinícolas do Chile
(Lolol é um exemplo), e um forte trabalho de pesquisa em terroir, o desafio foi
oferecer a melhor qualidade e consistência nos vinhos Ventisquero. Com
escritórios nos EUA, Espanha, Inglaterra e Japão e presença em mais de 55
países, é uma das cinco vinícolas mais importantes do Chile.
Mais informações acesse:
http://www.vinaventisquero.com/en
Referências:
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=CASABLANCA
“Portal Casablanca”: http://valle.casablanca.cl/zona/zona1.shtm