Muito ainda se pode tirar de novidade em algo que, em tese,
para você não seja novo. E tenho buscado essa condição, de trazer o novo no
vasto e pouco explorado universo do vinho. Temos de nos permitir viver esses
momentos e nunca deixar cair na tentação silenciosa da zona de conforto com os
seus rótulos preferidos.
E uma região brasileira vem me ganhando de forma
incondicional: São Roque, em São Paulo! E um bom amigo vem me proporcionando
isso, me agraciando com rótulos de presente, o amigo Luciano Feliputti,
proprietário da Pemarcano Vinhos, um e-commerce que enaltece os pequenos
produtores da região de são Roque e afins.
A missão de falar de tais vinhos me traz a novidade e o
saboroso desafio de analisar as suas nuances, as suas características, além, é
claro, de estimular sempre o prazer pela degustação, a celebração pelo ritual e
pela nobre simplicidade por tais atos.
E o rótulo de hoje traz São Roque representado pela rainha
das uvas brancas: Chardonnay. Da mesma forma que a Merlot praticamente me
iniciou no mundo dos vinhos, das cepas vitis
viníferas, sendo a minha casta tinta preferida por muitos anos, a
Chardonnay me fez perceber que vinho branco é bom e que merece atenção e espaço
nas adegas dos brasileiros.
Sempre notei que os brancos foram e ainda são vistos com
certo preconceito pelo enófilo no Brasil. Sempre percebi que existe uma visão
pré-concebida, e sem razões muito fortes para tal percepção triste e
equivocada.
Hoje o cenário está melhor, mais favorável para os brancos
ditos “tranquilos” e os espumantes que é a porta de entrada para o vinho
brasileiro no mundo, a nossa “marca”! Não há, contudo, razão para que tenhamos
essa visão torta dos vinhos brancos. Eu tinha essa percepção que logo foi
rompida graças a Chardonnay!
Um Chardonnay de São Roque, a terra do vinho, e de um pequeno
produtor! Não é um discurso romântico, sem força, mas sim a condição necessária
para que, de uma vez por todas, possamos enaltecer o pequeno produtor
brasileiro que, sufocada pelo poderio financeiro das grandes indústrias e o
lobby dos ditos “formadores de opinião” só torna tais produtores pequenos
coadjuvantes em um tão esperado processo de disseminação da cultura do vinho
neste país.
Então sem mais delongas vamos às apresentações do vinho que
degustei e gostei que veio da cidade tradicional na produção de vinhos do
Brasil, São Roque, e se chama Monte Carlo, claro da casta Chardonnay da safra
2020. Não é, portanto, a minha primeira vez com os vinhos da Vinícola
Sorocamirim, eu degustei um rótulo da casta Seibel, o Classic Sorocamirim Seibel. Antes de tecer com requintes de detalhes o vinho, vamos, para não
perder o costume, a história de São Roque e a sua importância para a
vitivinicultura nacional.
São Roque: A terra do vinho!
A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de
1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de
Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de
Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também
conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que
trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns anos após
a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na
mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em
1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do
escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.
Na região de São Roque, podem-se identificar referências à
vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII.
Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade,
através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos
Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes
proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e
o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador
da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao
norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e
por fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade
de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.
Portanto realmente não se podem esperar grandes referências
desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que
existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou
seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.
Outro fator que pode ter influenciado e não ter feito
prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de então, que era a
descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São
Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância econômica para a
metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira
a uva e o vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos
colonizadores.
Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz
foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o
nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi
elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838, quando
começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de mandioca,
cana de açúcar e derivados, legumes e verduras. Em março de 1846, seis anos
após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro II e uma
pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a passagem de
Dom Pedro II, Antônio Joaquim começou a se destacar no cenário político e,
graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de cidade no dia
22 de abril de 1864.
Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro
oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865,
quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em
Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade
no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então
Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do
vinho.
Dr. Eusébio Stevaux
Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que
ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884,
começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas
aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade
já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a
cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.
O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação
do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas
eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras
trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França),
curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e
posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.
Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São
Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:
1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas,
plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para
consumo próprio.
2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense,
ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o
consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização
graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se
utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro
(talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na
região de São Roque);
3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950:
processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com
aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e
desempenho melhores.
Podemos dividir esta fase primeiramente num período de início
do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o
período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas
vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a
massificação da produção entra num processo de decadência.
4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo
de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos
e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram
sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando
ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de
1980). São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”,
sendo que os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas)
fabricam seu vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras
partes do Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).
Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa
situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do
passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um lindo amarelo palha, translúcido,
brilhante com discretos reflexos esverdeados e algumas lágrimas finas e lentas.
No nariz traz um aroma extremamente frutado, de frutas
brancas e cítricas e um toque delicadamente floral que nos dá uma sensação de levez
e frescor.
Na boca corrobora a refrescância e leveza, bem como as notas
frutadas, com um leve dulçor que não é enjoativo, em virtude da fermentação
interrompida pelo produtor, dando-lhe um paladar de um “demi-sec”. Traz uma
untuosidade e cremosidade, uma madeira no fundo, graças aos 5 meses que passou
em barricas de carvalho com um final persistente.
Mais uma vez e como sempre me sinto um privilegiado por
degustar rótulos de São Roque e sempre com novidades, afinal há muito a se
explorar na “terra do vinho”, uma região tradicional e mesmo com a queda de sua
força vitivinícola, é sustentado pela sua história e produtores pequenos com
ideias e determinação grandes em continuar a disseminar o terroir desta região
e a força dos pequenos produtores. E por falar em produtores, estive
conversando com os representantes da Vinícola Sorocamirim para buscar detalhes
do Monte Carlo Chardonnay e eles me falaram que a fermentação dele foi
interrompida, dando-lhe um paladar de um “demi-sec”. O que muito surpreendeu,
mostrando leveza, sabor, mas entregando alguma personalidade e até mesmo
complexidade, graças a curta passagem por barricas de carvalho. Que venham mais
e mais gratas novidades de São Roque. Tem 11,5% de teor alcoólico.
Sobre a Vinícola Sorocamirim:
A Vinícola Sorocamirim foi fundada no dia 27 de julho de
1956, com 58 anos de muitas conquistas e histórias, sendo considerada uma das
vinícolas mais artesanais de toda a região de São Roque.
Seus vinhos são elaborados a partir de uvas selecionadas,
garantindo um excelente sabor. Entre os vinhos mais apreciados estão o
"Monte Carlo" tinto meio Seco, e o tinto seco, armazenados em barris
de carvalho francês e americano.
Entre os clássicos estão a linha dos vinhos
"Sorocamirim", tinto seco, licoroso rosado, e muitos outros. A
vinícola está localizada em uma região serrana, com clima propício para
fabricação de vinhos.
Toda a produção dos vinhos Sorocamirim é feita de maneira
artesanal, com a combinação de processos de fabricação tradicionais.
Mais informações acesse:
https://www.facebook.com/Vinhos-Sorocamirim-742876082473899
Referências:
“Assembleia Legislativa de São Paulo”: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=301135
“Blog do Lullão”: http://www.lullao.com/p/historia-do-vinho-em-sao-roque.html?m=1
“Sites
Google”: https://sites.google.com/site/historiadovinhodesaoroque/home/historia-do-vinho-de-sao-roque