Um dos encantos que o mundo do vinho pode nos proporcionar,
simples mortais enófilos, além da degustação em si, é claro, são as grandes
novidades, novas experiências.
Novos rótulos, novas vinícolas, novas cepas que nos permite
viajar a regiões diferentes, até então por nós desconhecidas, abrangendo o
nosso leque de opções, nos fazendo fugir da sedutora, mas pouco salutar, zona
de conforto.
O vinho nos suscita uma boa aula de geografia e de tradição e
cultura vitivinífera, personificado em doses generosas de degustação, com as
taças cheias. Mas como todo bom apreciador de vinho, não me limito a deixar o
vinho tomar o nosso tempo no momento em que o degustamos, nós respiramos essa
bebida nobre o tempo inteiro, lemos, buscamos a informação, tornando-o tangível
em conhecimento.
E foi assim que descobri a curiosa história da casta branca,
autóctone da Espanha, a Airén. Ela se materializou em minhas leituras por acaso
e fui a busca de vinhos com essa casta. O meu primeiro rótulo foi o Señorio de los Llanos, da Bodega Los Llanos, que pertence a gigante J. García Carríon.
Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que
degustei e gostei veio da região de Castilla La Mancha, a maior produtora, em
volume, da Espanha e se chama Idolo, um 100% Airen da safra 2022. Então para
não perder o costume vamos de história, vamos de Castilla La Mancha e de Airén.
Castilla La Mancha, a terra de Dom Quitoxe e os seus Moinhos
de Vento
Bem ao centro da Espanha, país com a maior área de vinhas plantadas
em todo o mundo e o terceiro maior mercado produtor de vinhos, está localizada
a região vitivinícola de Castilla La Mancha. Um território com grande extensão
de terra quase que completamente plana, sem grandes elevações. É nessa macrorregião que se origina quase 50%
do total de litros de vinho produzidos anualmente na Espanha.
O nome “La Mancha” tem origem na expressão “Mantxa” que em
árabe significa “terra seca”, o que de fato caracteriza a região. Neste
território, o clima continental ao extremo provoca grandes diferenças de temperaturas
entre verão e inverno.
Nos dias quentes de verão os termômetros podem alcançar os
45°C, enquanto nas noites rigorosas de frio intenso do inverno, as temperaturas
negativas podem chegar a até -15°C.
A irrigação torna-se muitas vezes essencial: além do baixo
índice pluviométrico devido ao caráter continental e mediterrâneo do clima, o
local se torna ainda mais seco graças ao seu microclima, que impede a entrada
de correntes marítimas úmidas.
A ocorrência de sol por ano é de aproximadamente 3.000 horas.
Esta macrorregião é composta por várias regiões menores, incluindo sete
“Denominações de Origem”, das quais se pode destacar La Mancha e Valdepeñas.
As sub-regiões
La Mancha: é a principal região dentre elas,
sendo considerada a maior DO da Espanha e a mais extensa zona vinícola do
mundo. O território abrange 182
municípios, distribuídos em quatro províncias: Albacete, Ciudad Real, Cuenca e
Toledo. As principais uvas produzidas naquele solo são a uva branca Airen e a
popular tinta espanhola Tempranillo, também conhecida localmente como Cencibel.
A DO La Mancha conta mais de 164.000 hectares de vinhedos
plantados. Com isso, é a maior Denominação de Origem do país e a maior área
vitivinícola contínua do mundo, abrangendo 182 municípios, divididos em quatro
províncias: Albacete, Ciudad Real, Cuenca e Toledo.
Valdepeñas: localizada mais ao sul, mas com as
mesmas condições climáticas, tem construído sua boa reputação graças à produção
de vinhos de grande qualidade, normalmente varietais da uva Tempranillo ou
blends desta com castas internacionais.
As castas mais cultivadas em Castilla de La Mancha são:
Airén, Viúra, Sauvignon Blanc e Chardonnay entre as brancas e as tintas são:
Tempranillo, Syrah, Cabernet Sauvignon, Merlot e Grenache.
Classificação dos rótulos da DO de Castilla La Mancha:
Jóven: Categoria mais básica, sem passagem
por madeira, para ser consumido preferencialmente no mesmo ano da colheita.
Tradicional: Sem passagem por madeira, porém com
mais estrutura do que o Jóven.
Envelhecimento em barris de carvalho: Envelhecimento mínimo
de 90 dias em barris de carvalho.
Crianza: Envelhecimento natural de dois
anos, sendo, pelo menos, seis meses em barris de carvalho.
Reserva: Envelhecimento de, no mínimo, 12
meses em barris de carvalho e 24 meses em garrafa.
Gran Reserva: Envelhecimento de, no mínimo, 18
meses em barris de carvalho e 42 meses em garrafa.
Espumante: Produzidos a partir do método
tradicional (segunda fermentação em garrafa), com no mínimo nove meses de
autólise.
Airén
A Airén pode ser chamada de Forcallat, Manchega, Valdepeñas
ou Lairén, é a mesma variedade, a mais utilizada na Espanha, que representa
mais de 30% do total da uva e está localizada principalmente em Castilla La
Mancha.
Ao contrário do que muitos possam pensar, a casta mais
cultivada em todo o mundo não é a Cabernet Sauvignon e nem a uva Merlot (que
ocupa o segundo lugar) e sim a casta branca espanhola Airén, que possui mais de
280.000 hectares plantados em todo território mundial. Acredita-se que a cepa é
uma das mais antigas utilizada na elaboração de vinhos brancos espanhóis.
Apesar de ser uma casta pouco conhecida por conta da grande
parte de sua produção ser destinada a elaboração de destilados, sendo o principal
ingrediente do reverenciado e conhecido Brandy
Espanhol, a casta Airén pode originar vinhos brancos bastante originais e
interessantes.
Sua maior área de cultivo encontra-se na Espanha, ocupando
cerca de 32% dos vinhedos do país. Sendo uma variedade muito produtiva, a casta
branca possui forte resistência a pragas, além de excelente facilidade de
adaptação a climas bastante quentes e secos, características predominantes dos
vinhedos onde a uva encontra-se em maior proporção, na região sul do país
espanhol.
A cepa é encontrada principalmente em Castilla La Mancha, mas
é cultivada também, em menores proporções, na região de Valencia, Madrid e em
alguns locais de Andalucia.
Os vinhos elaborados a partir da Airén possuem coloração bastante
clara, com leve presença de tons esverdeados. Os rótulos elaborados com a uva
Airén são excelentes opções para serem degustados e apreciados sozinhos,
entretanto, os originais e interessantes vinhos brancos acompanham muito bem
mariscos, pescados e massas, exaltando os aromas que a cepa é capaz de
proporcionar aos maravilhosos e agradáveis vinhos brancos espanhóis elaborados
a partir de sua casta.
E agora finalmente o vinho!
Na taça um brilhante amarelo palha, límpido, com lágrimas
médias e espaçadas.
No nariz aromas cítricos que lembram laranja, limão e
maçã-verde. Algo de mineral que o torna, junto com o aspecto frutado pleno,
muito frescor, com um discreto toque herbáceo.
Na boca é flagrante a leveza e o frescor, típico da
variedade, com as notas frutadas protagonizando como no quesito olfativo, com
uma acidez correta, leve e extremamente agradável e um final de média
persistência.
Um vinho fresco, jovem e despretensioso, que carrega a
expressão de um terroir com todas as suas características, mesclada a cultura e
tradição de vinificação e os recursos tecnológicos que faz desse vinho simples,
mas honesto, correto entregando mais do que valeu. Um vinho de excepcional
custo X benefício. A Airén sempre teve uma história de subjugação, com produção
de rótulos subvalorizados, mas com o advento da tecnologia de ponta nas
vinícolas, rótulos dessa variedade tão importante para a história da Espanha,
hoje podemos desfrutar de vinhos simples sim, mas saborosos e despretensiosos
ideais para os dias quentes de nossas terras brasileiras. Tem 11,5% de teor
alcoólico.
Sobre a Bodegas Yuntero:
Em 20 de março de 1954, a Cooperativa Jesús del Perdón foi
fundada como resultado da necessidade de um grupo de 102 viticultores da região
para produzir e comercializar os produtos obtidos em suas fazendas e
defender-se da especulação a que foram submetidos. Inicialmente para moer
6.000.000 quilos.
Em 1960 ocorre a 1ª e 2ª expansão com a fusão por absorção da
Cooperativa San Isidro e com a compra de mais terras. Em 1969 começam a
engarrafar os seus primeiros vinhos.
Em 1974 são registradas as marcas Yuntero Pálido Manzanares e
Yuntero Tinto Fino, um ano depois são feitas reformas na destilaria para poder
carregar granéis com RENFE. Nesta década a adega integra-se na DO Mancha e os
escritórios são transferidos para as instalações do armazém.
Em 1980, prosseguem as ampliações de armazéns com a
construção de um novo jaraíz e a criação de uma seção de cereais. As exportações
para a Europa e EUA iniciam-se com o lançamento dos vinhos em importantes
cadeias alimentares.
Em 1990, ocorre a fusão por absorção com a Cooperativa El
Porvenir. Em 1992, o primeiro vinho orgânico de Castilla La Mancha é feito sob
a marca "Mundo de Yuntero". Inicia-se a mudança das cubas para inox e
aumentando consideravelmente o estoque de barricas. No final desta década abre
a loja de vinhos no centro da vila.
Na década de 2000 começa com uma nova fusão por absorção, com
a Cooperativa El Progresso. Ocorre o grande crescimento da vinícola, adequando-a
às necessidades do setor. Em 2004 celebraram os 50 anos da adega com um evento
emblemático que contou com a presença de inúmeras figuras públicas.
Mais informações acesse:
Referências:
“La Mancha Wines”: https://lamanchawines.com/airen-la-nuestra/
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/airen
“Enologuia”: https://enologuia.com.br/regioes/245-a-regiao-de-castilla-la-mancha-a-terra-de-dom-quixote
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/vinhos-dos-moinhos_4580.html
“Blog VinhoSite”: http://blog.vinhosite.com.br/la-mancha-maior-regiao-produtora-vinhos-espanha/