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sábado, 5 de dezembro de 2020

Gato Negro Carménère 2019

 

É estranho um vinho fazer parte da nossa história enófila, mas que nunca tinha degustado. Não, não estou embriagado, entorpecido pelas taças que estou degustando, essas linhas iniciais do meu texto são coerentes e consistentes em minha história que conta com mais de vinte anos sem ao menos ter derramado uma gota do rótulo de hoje em minhas taças. Explico! Em minhas inúmeras e necessárias incursões nos supermercados eu sempre passei por esse vinho, mas nunca o comprei. Sempre tive as minhas preferências, principalmente em meu momento de transição dos vinhos de mesa para os vinhos de castas vitiviníferas, onde criei, por alguns rótulos, uma espécie de vínculo emocional, porém, pelo vinho de hoje eu nunca comprei, eu nunca degustei, apesar de saber da sua existência. Não sou capaz de responder a esse questionamento. Sempre tiveram um valor competitivo, era, e ainda é, um dos vinhos chilenos mais vendidos no Brasil, com uma boa aceitação e uma popularidade edificada que vem desde aqueles tempos em que eu estava descobrindo os vinhos pelas quais sou um apaixonado nos dias de hoje.

E o dia em que se deu a minha compra eu buscava um vinho com um precinho camarada, com um valor que cabia no meu bolso naquele momento, um vinho cuja casta expressasse toda a importância para o terroir de um país, sintetizasse a cultura de um povo e que tivesse, consequentemente o DNA de um pais em todas as suas nuances. A primeira etapa eu atingi: queria degustar um legítimo Carménère chileno, mas um vinho básico para tentar corroborar a história deste país com a casta onde a maioria dos vinhos são especiais, em todas as suas propostas. Então fui garimpar. Apesar da Carménère ser um vinho extramente popular no Chile e no Brasil não é das tarefas mais fáceis, pelo menos para mim, encontrar um legítimo 100% Carménère, apesar de constar estampado o nome da cepa na maioria dos rótulos, geralmente são cortes, blends e essa era minha outra intenção: Um 100% Carménère! As minhas incursões nos supermercados surtiu efeito e me deparei com aquele vinho que, por mais de 20 anos, eu não comprei. O levei para casa sem hesitar, afinal, sentia que tudo conspirava a meu favor e todas as minhas pretensões de compra estavam convergindo para esse rótulo. O vinho que degustei e gostei vem da emblemática, famosa e tradicional região chilena do Vale Central e é o Gato Negro da casta Carménère e a safra é de 2019. E aqui vale uma curiosidade: o nome “Gato Negro” partiu de uma história de uma degustação em uma vinícola alemã entre enólogos que decidiam entre três tipos de barricas, e inesperadamente foram surpreendidos por um “schwartze katze” (gato negro) que saltou em uma delas e então a barrica foi escolhida. E inspirada nessa história a Viña San Pedro, produtor do vinho, batizou sua linha de vinhos mais leves, macios, frutados e fáceis de degustar. E já que falei de histórias, falemos um pouco sobre a história da casta Carménère no Chile.

O Chile e a Carménère

Por muito tempo, lá na França, principalmente pelas propriedades de Bordeaux, a Carménère, amplamente cultivada nas regiões do Medoc e de Graves, e a Merlot eram cultivadas juntas, até por terem um tempo de amadurecimento bastante parecido. Tornou-se extremamente tradicional em Bordeaux e em outros cortes franceses até que no fim do século 19, chegou a praga Filoxera e devastou os vinhedos da França. Foi aí que muitos enólogos e agrônomos trouxeram castas europeias para a América na tentativa de recuperá-las. Foi então que a Carménère chegou ao Chile confundida com a Merlot – além de serem fisicamente parecidas, a Carménère, como era colhida junto com a Merlot, também ganhava notas herbáceas. E durante anos a fio as duas foram plantadas, vinificadas e consumidas como se fossem a mesma. Até que alguns enólogos no Chile começaram a perceber que algumas vinhas de “Merlot” demoravam mais para amadurecer e decidiram fazer análises comparativas. Só então se descobriu que eram uvas diferentes e as notas verdes e os taninos duros da Carménère só se destacavam tanto porque ela estava sendo colhida no tempo errado, é uma uva de maturação mais tardia do que a Merlot. Isso aconteceu na década de 1980, mas em 1994 o ampelógrafo francês Jean-Michel Boursiquot disse que o “Merlot” chileno não era nada mais nada menos que “Carménère”. Finalmente, com uma sofisticada análise de DNA, Boursiquot confirmou sua importante revelação. Esta notícia, de grande impacto no mundo do vinho, foi o ponto de partida para levar a Carménère para o que ela é hoje: um símbolo do vinho chileno. Descoberto o potencial da cepa no Chile, alguns enólogos começaram a trabalhá-la de maneira tão cuidadosa e eficiente que hoje o país detém alguns dos melhores exemplares de Carménère, enquanto lá na França raramente se vê um rótulo com ela.

E agora o vinho!

Na taça apresenta um vermelho rubi intenso com reflexos violáceos, com uma grande concentração de lágrimas, mas que rapidamente se dissipam das paredes do copo.

No nariz uma explosão de aromas adocicados muito agradável, com toques vegetais, de pimentão verde, talvez, além de especiarias. Não podemos negligenciar as notas frutadas, de frutas negras maduras, como amora, ameixa.

Na boca é macio, fácil de degustar, mas que, ao mesmo tempo, revela alguma personalidade, com taninos finos e moderados, com acidez média, que entrega algum frescor e jovialidade, com um discreto tostado, o que se deduz uma curta passagem por barricas de carvalho, que não foi informado pelo produtor em sua página na internet, talvez três ou quatro meses de passagem por madeira. Final de média persistência com retrogosto frutado.

Vinte anos em um dia de degustação! E foi tão prazeroso! A revelação mais expressiva da Carménère chilena, na sua mais nobre e simples versão. Nunca é tarde para um enófilo, com o espírito da descoberta e do garimpo, conhecer novos rótulos, Um vinho com todas as características marcantes da cepa. É um típico Carménère sim, sem nenhuma grande novidade, mas correto, bem feito, honesto e com um excelente custo X benefício, um vinho que personifica a história, o terroir, a cultura da casta no Chile. Um vinho que sem sombra de dúvida entregou muito mais do que valeu, que grata surpresa positiva. O atraso do tempo, se é que podemos mensurá-lo, foi reparado no dia de hoje com uma celebração com uma bela degustação. O vinho com excelente vocação gastronômica pode harmonizar facilmente com carnes grelhadas, massas bem condimentadas e queijos mais expressivos. Hoje o harmonizei com um belo queijo mussarela.

Um vinho frutado, expressivo, com alguma contundência em boca, com um paladar saboroso e com seus 13,5% de teor alcoólico bem integrados com o conjunto do vinho.

Sobre a Viña San Pedro:

A Viña San Pedro foi fundada em 1865 no Vale do Curicó pelos irmãos Correa. Hoje, mais de 150 anos depois, ainda chamamos este vale de lar. Os irmãos foram os pioneiros em trazer diferentes variedades do Velho Continente para o Vale. San Pedro é hoje um dos vinhedos mais importantes do Chile e um dos exportadores mais importantes do país, presente em mais de 80 países ao redor do mundo. Em 2002 foi fundada uma vinícola especial com foco em vinhos finos, localizada no Vale Cachapoal dos Andes, aos pés da Cordilheira dos Andes. Lá são feitos os cinco vinhos finos de Altair, Cabo de Hornos, Sideral, Kankana del Elqui e Tierras Moradas.

San Pedro mantém os melhores vinhedos por meio da vinificação sustentável e inovadora, explorando corajosamente os ricos solos para manter um portfólio diversificado e amplo, produzindo os melhores vinhos para milhões em todo o mundo.

Mais informações acesse:

https://sanpedro.cl/en/

Referências de pesquisa:

Portal Gazeta on Line, em: https://blogs.gazetaonline.com.br/vinhosemaisvinhos/2011/06/incrivel-historia-da-carmenere-no-chile.html#:~:text=As%20uvas%20Carmen%C3%A8re%20foram%20introduzidas,dos%20anos%20sempre%20amadurecia%20tardiamente.

Blog Grand Cru, em: https://blog.grandcru.com.br/vinho-chile-carmenere-uva-tinta-bom-barato/