quarta-feira, 27 de abril de 2022

Dom Bernardino Riesling 2020

 

Continuo, a todo vapor, a me aventurar por novas experiências sensoriais, novas experiências de degustações que, cada vez mais, ampliam o meu leque de opções. Quando falo disso, e tenho comentado até de forma demasiada sobre, sempre olho para trás, olho para a minha trajetória de humilde enófilo que sou e sempre serei e me faço o seguinte comentário: estou em um momento muito alegre e satisfatório de minha caminhada.

A caminhada de desenvolvimento e que não se enganem, caros leitores: não é pautada por valores, por status, de quem está degustando rótulos caros, não é isso. Mas de vinhos cujas regiões, castas e propostas estão se aperfeiçoando, se diversificando e isso independente de status social e altos custos com compras de vinhos.

Claro que, admitamos que comprar vinhos no Brasil é uma aventura difícil, o custo Brasil, as taxas tributárias, a burocracia, impõe um revés muito grande para nós, apreciadores da poesia líquida, mas tudo é uma questão de oportunidade, não de demanda ou modismos de compra.

Mas fugindo um pouco desse assunto e falando das gratas novidades que vem a cada rótulo, surgindo em minha vida, o vinho de hoje foi, mais uma vez, um presente, uma cortesia do amigo, de São Paulo, Luciano, da loja Pemarcano Vinhos, que é oriundo da cidade de São Roque, conhecida carinhosamente pelos seus habitantes, como a “terra do vinho”, e que vem abrilhantando e inundando as minhas taças com vinhos, diria, no mínimo surpreendentes, sobretudo pela relação custo X benefício.

E de uma casta que jamais pensei que fosse degustar por estar associada aos rótulos germânicos tão caros e difícil acesso ao bolso de um assalariado enófilo brasileiro que é a Riesling. A propósito, será o meu primeiro Riesling brasileiro!

Vinhos diferentes, leves, frescos, com o DNA do clima tropical de nossas terras, mas com personalidade que poucas castas brancas podem oferecer, essa é a Riesling. Então sem mais delongas, vamos apresentar o vinho! O vinho que degustei e gostei veio, como disse da região paulista de São Roque, chamado Dom Bernardino Riesling.

Digo de antemão que o vinho é simplesmente surpreendente e valoriza o frescor, a leveza, a simplicidade sim, mas que entrega as características mais marcantes da Riesling. Características estas que, antes de descrever sobre o rótulo, falarei aqui bem como a história brilhante e repleta de riquezas e tradição de São Roque. Lembrando ainda que a minha experiência com esses vinhos, da Vinícola Bella Aurora, não é a primeira, pois degustei o também surpreendente Dom Bernardino Touriga Nacional 2018.

São Roque: “A terra do vinho”

A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de 1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns anos após a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em 1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.

Na região de São Roque, podem-se identificar referências à vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII. Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade, através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e por fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.

Portanto realmente não se podem esperar grandes referências desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.

Outro fator que pode ter influenciado e não ter feito prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de então, que era a descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância econômica para a metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira a uva e o vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos colonizadores.

Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838, quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras. Em março de 1846, seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a passagem de Dom Pedro II, Antonio Joaquim começou a se destacar no cenário político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de cidade no dia 22 de abril de 1864.

Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865, quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do vinho.

Dr. Eusébio Stevaux

Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884, começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.

O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França), curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.

Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:

1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas, plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para consumo próprio.

2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense, ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro (talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na região de São Roque);

3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950: processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e desempenho melhores.

Podemos dividir esta fase primeiramente num período de início do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a massificação da produção entra num processo de decadência.

4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de 1980). São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”, sendo que os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas) fabricam seu vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras partes do Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).

Roteiro do vinho em São Roque

Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.

Riesling

A casta Riesling é uma das grandes uvas brancas da Alemanha e uma das melhores variedades do mundo todo, capaz de conferir ao vinho incrível elegância e complexidade e uma habilidade inigualável de expressar o terroir.

Seus cachos apresentam coloração verde amarelada com tamanho médio e delicado. Os vinhos elaborados com a casta costumam ter acidez bastante destacada e são extremamente aromáticos. Os melhores brancos da casta costumam ser os varietais. A uva Riesling possui duas variações, sendo a Renana a de maior qualidade e a Itálica a que possui menor grau de expressividade.

Com textura bastante envolvente, os vinhos elaborados a partir da casta Riesling podem ser secos, meio doces ou bem doces. O que é de conhecimento sobre o cultivo da uva, é que para originar os maravilhosos e extraordinários vinhos de sobremesa, ocorrem dois processos bastante distintos.

O primeiro processo é o ato de congelar a uva antes da colheita, sendo conhecido como “eiswen” – ou vinhos de gelo. Nele a casta Riesling permanece vários dias congeladas (enquanto madura), ainda no vinhedo, por conta das baixas temperaturas em que fica exposta. Logo após serem colhidas, as uvas passam pelo processo de prensagem, tornando o vinho muito mais concentrado, já que haverá menor quantidade de água. Nesse caso os melhores exemplares são encontrados no Canadá, graças ao seu clima frio e com bastante presença de geadas.

O outro processo é quando ocorre a podridão nobre, momento em que o fungo “Botrytis Cinerea” fura a casca da uva e alimenta-se da água da casta, deixando-a desidratada e exaltando os açúcares presentes na sua composição. As uvas são colhidas e levadas para vinificação, tornando o vinho muito mais especial.

Alguns produtores estampam “dry” (seco) ou “sweet” (doce), mas isso não é suficiente perto dos tantos níveis de doçura da Riesling. Ela pode ser “medium dry” (vinho meio seco), “medium sweet” (meio doce) e por aí vai.

A forma de identificar essas propostas de vinhos Riesling é verificar a graduação alcoólica – quanto menor for mais doce será. Isso acontece porque durante a fermentação, o açúcar natural da uva vira álcool (se a conversão não acontece, permanece doce e menos alcoólico). Qualquer Riesling com mais de 11% é seco, pois quase todo seu açúcar foi transformado em álcool.

Por possuir presença de açúcar residual e tempos de guarda diferentes, os vinhos elaborados com a casta Riesling possuem maior atenção na hora da harmonização, sendo na maioria das vezes melhores quando degustados e apreciados sem a companhia de pratos.

Seus vinhos podem ser sublimes e costumam durar muito tempo. Além da Alemanha, também produz vinhos excelentes na Áustria, Alsácia e também em alguns países do Novo Mundo, como Nova Zelândia, África do Sul e Austrália.

E agora finalmente o vinho!

Na taça entrega um lindo e brilhante amarelo palha, translúcido, com reflexos esverdeados.

No nariz explodem os aromas de frutas brancas frescas e cítricas, onde se destaca pera, maçã-verde, pêssego, abacaxi, limão, com notas minerais que traz a sensação de leveza e frescor.

Na boca seguem as percepções frutadas, como observado no aspecto olfativo, trazendo também a leveza e a refrescância que o torna despretensioso e informal, além de uma ótima acidez que saliva e um final prolongado e frutado.

Vinho não é só poesia engarrafada como dizia aquele poeta, mas história engarrafada também. Degustamos história, degustamos cultura! É muito gratificante e especial degustarmos vinhos com essa carga histórica atrelada de forma tão veemente, tão latente. A história é viva e plena, não é algo estático. Degustar o Dom Bernardino Riesling é como se estabelecêssemos contato com um novo mundo, uma nova percepção, que enaltece as nossas experiências sensoriais. Um vinho que apesar de ter as tradições lusitanas, tanto que o nome “Dom Bernardino” é em homenagem ao fundador da vinícola Bernardino Pereira Leite, português que se estabeleceu em São Roque, graças às raízes que criaram a vinícola, tem o terroir brasileiro, o fazer brasileiro, a nossa cultura, a nossa assinatura. Dom Bernardino Riesling é jovem, fresco, leve, despretensioso e que harmonizou perfeitamente com um meio de tarde outonal. Que venham mais e mais momentos especiais como esse! Como curiosidade: as uvas vieram de Caxias do Sul e foram, claro, vinificadas pela Bella Aurora. Tem 11% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Bella Aurora:

Vinícola fundada na década de 1920 por Bernardino Pereira Leite imigrante português iniciou sua produção para consumo caseiro. A produção em escala comercial teve início em 1932.

Com mais de 85 anos, Vinhos Bella Aurora mantém sua tradição familiar na produção de saborosos vinhos, contando com uma excelente estrutura de atendimento aos visitantes e uma equipe de representantes comercial em todo estado de São Paulo.

A Vinícola proporciona um passeio turístico para quem busca contato com a natureza. Neste passeio poderá degustar bons vinhos e sucos, além de poder adquirir toda a linha de produtos típicos da Vinícola Bella Aurora. Para melhor atender os clientes, a cantina dos Vinhos Bella Aurora foi montada no interior de um autêntico tonel de madeira com capacidade para 120 mil litros.

Mais informações acesse:

https://www.bellaaurora.com.br/












Nenhum comentário:

Postar um comentário