E um rótulo que não costuma sair de moda nesses momentos é o
bom espumante ou o velho e especial champanhe. E nós, como brasileiros,
valorizamos, nesse momento, o nosso espumante que, ao longo dos anos, vem
ganhando qualidade e notoriedade, conquistando inúmeros prêmios em todos os
cantos do planeta, inclusive em polos de excelência de produção de vinhos,
sobretudo na Europa. Então a escolha é certa! Um grande e necessário espumante
brasileiro! Sim! Sim? Talvez... Nem sempre!
Mas por quê? Isso é um sacrilégio, como talvez? Espumante
brasileiro é o que há de melhor, a escolha é certa e inevitável! Certa com
certeza! O nosso espumante traz a certeza da escolha com a sua tipicidade, o
valor do terroir nunca foi tão evidenciada ao longo desse tempo e o resultado
são os prêmios ostentados, mas inevitável, nunca! Defendo que devemos valorizar
o produto nacional, sem discursos ufanistas, e a escolha de nossos espumantes é
mais do que certa, mas não devemos também negligenciar as bebidas de borbulha
espalhadas pelo mundo afora.
E quando estava em mais uma das minhas incursões aos
supermercados observei que um em especial, estava com algumas interessantes
promoções para os espumantes. Logo me aproximei para conferir, na esperança de
encontrar um rótulo tupiniquim. Quem sabe eu encontraria? Encontrei de fato
alguns com preços muito atrativos, mas a esmagadora maioria eu já tinha
degustado e fiquei, confesso um tanto quanto frustrado, até que, em um
relance, avistei um rótulo que já tinha visto neste mesmo mercado por um valor
alto, mas estava na faixa dos R$ 30,00! Era um argentino! Um argentino? Rejeitei
de início, mas decidi inspecioná-lo com mais detalhe, acessei o site do
produtor naquele momento e gostei do que li. Resolvi compra-lo para ver o que
ele poderia me oferecer.
O dia tão esperado para desarrolhá-lo enfim chegou. Recebi um
querido amigo em minha casa e achei que o rótulo viria a calhar. E voilá! Estupendo vinho! Então o vinho
que degustei e gostei veio de uma região na Argentina chamada San Juan, em
Valle de Tulum, e se chama Putruele, um extra brut, produzido pelo método
Charmat com um corte das castas Chardonnay e Pinot Blanc, da safra 2018. E como
apareceu uma nova região para mim, San Juan, não podemos deixar de falar um
pouquinho sobre ela e a sua importância para o cenário vitícola argentino.
San Juan
Com uma população de mais de 600.000 habitantes e uma
superfície de 89.651 km, a economia sanjuanina tem caráter eminentemente
agrícola, eis que depende da presença de verdadeiros oásis ao pé da montanha,
regada de rios e junto aos quais se concentra toda a população. A viticultura é
a atividade agrícola mais importante dessa região, eis que os vinhedos estão
localizados em diversos vales irrigados pelos rios Jáchal e San Juan. É a
segunda província argentina em produção e suas zonas vinícolas mais importantes
são: Valle de Tulum, Valle de Ullum-Zonda, Valle de Calingasta e Valle El
Pedernal.
San Juan
A Região de San Juan é considerada o oásis na terra dos
vizinhos argentinos, graças à produção farta e diferenciada. A região
vitivinícola da Província de San Juan despontou recentemente (em relação a
outras regiões) no mercado Argentino. Isso porque segue produzindo exemplares
ímpares, que carregam em seus sabores e aromas. Seus vinhos surgem de um relevo
montanhoso e de grande altitude, além das ricas condições climáticas da região.
O Valle de San Juan localiza-se nos arredores da província de Mendoza, e sua
capital homônima dista 1.255 km da capital argentina. Seus vinhedos estão
estampados ao longo de quase 90.000 quilômetros, alcançando altitudes acima de
600 metros. Porém os vinhedos estão a diferentes altitudes, podendo ir desde
600 metros (próximo ao Vale de Tulum) até os 1.400 metros no que se estende ao
Vale de Pedernal.
Principais cepas brancas: Chardonnay, Viognier, Torrontés
Sanjuanino e Pinot Gris. Cepas tintas: Syrah, Cabernet Sauvignon, Bonarda,
Cabernet Franc e Tannat. Nos últimos anos, essa província de um salto
qualitativo principalmente na produção das uvas tintas. A aparição de algumas cepas
com plena adaptação ao terroir local marca esse salto. Syrah, Cabernet Franc e
Bonarda entregam bons varietais. Existe em San Juan um corte típico da
Austrália: Cabernet Sauvignon e Syrah. Nos brancos, o destaque fica por conta
da Viognier.
E agora finalmente o vinho!
Na taça conta com um amarelo palha, tendendo ao dourado, com
muito brilho e limpidez, perlages finas e de média intensidade, além de uma
incrível concentração de lágrimas finas, mas que logo se dissipam.
No nariz a explosão de frutas brancas e cítricas se torna
evidente e agradável, além da presença da tosta e do fermento, graças ao
estágio em leveduras de fermentação (sur lie) por 6 meses, mais 6 meses em
garrafa em estiva de cava.
Na boca é seco, mas saboroso, fresco, com as notas frutadas
com destaque para o abacaxi, maçã verde, pêssego e pera. Apresenta certa
untuosidade, cremosidade, trazendo um bom volume de boca. Como no aspecto
olfativo o fermento também está em destaque, mas sutil, mostrando elegância.
Tem uma boa acidez e um final persistente e frutado.
Uma celebração à altura! À vida! E com grande estilo! Um
espumante argentino com personalidade, graças ao seu curto envelhecimento nas
leveduras ganhando untuosidade, expressividade, mas não perdendo o frescor, a
leveza, a elegância que um bom espumante deve entregar, deve proporcionar. As
taças represaram um verdadeiro néctar, mas que rompeu com o apelo das papilas
gustativas que estava ávida por tê-la. A celebração não tem fronteiras e tão
pouco país e bandeiras. Exploremos, façamos de nossas percepções e experiências
sensoriais globalizadas, expandindo-as. Tem 12,4% de teor alcoólico.
Curiosidade
O que é envelhecimento em leveduras de fermentação? O Sur Lie!
Sur lie é um termo francês que significa “sobre as borras” e
trata-se de uma técnica de amadurecimento muito utilizada em espumantes e
vinhos brancos e que também pode ser explorada nos tintos. Após a fermentação,
alguns enólogos optam por manter o vinho em contato com as borras finas, ou
seja, as leveduras. Com o fim da fermentação, elas morrem e sofrem um processo
chamado de autólise, que consiste em uma autodestruição espontânea. Essa
decomposição da levedura libera diversos compostos como proteínas que, ao
entrar em contato com o vinho, agregam elegância, maciez, estrutura,
complexidade aromática e cremosidade (no caso dos espumantes).
Utilizadas em tanques ou barricas de carvalho, as borras
naturalmente se depositam no fundo do recipiente, porém, é necessário agitar
periodicamente esse sedimento, para proporcionar um contato com todo o vinho.
Aqui entra a bâtonnage que é,
justamente, essa ação de proporcionar movimento. A frequência da bâtonnage,
assim como o tempo em que o vinho permanece em contato com as borras, é
determinada pelo enólogo e pode variar de acordo com o seu objetivo. Quanto
mais tempo o vinho permanecer em contato com as borras, maior será o grau de
complexidade do exemplar. O começo dessa técnica de amadurecimento é incerto,
mas há indícios de que tenha surgido na Borgonha, França, com a uva Chardonnay.
Existem também alguns relatos sobre um historiador romano de nome Cato, que
comparou as diferenças de aromas e sabores de vinhos submetidos (e não) ao
contato com as borras finas.
Sobre a Bodega Putruele:
Don Carlos Putruele, filho de imigrantes italianos,
radicou-se em San Juan de la Frontera nos anos 50, dedicando-se à viticultura.
Com produção própria, a vinícola foi fundada em 1958 no Vale de Tulum; com um
crescimento constante na produção de uvas e vinhos.
Em 1950 foram feitas as primeiras plantações de uvas onde a
Vinícola Putruele está atualmente localizada na cidade de San Martín, San Juan.
Funcionava como um transportador comum de vinho. Nos anos 1970 a produção é
ampliada e novos vinhedos começam a se desenvolver em fazendas como Angaco e
Santa Lucía, ambas de propriedade da empresa. A grande virada começou em 1980
quando foram plantados vinhedos de uvas finas com vistas ao seu próprio
parcelamento.