Mais um rótulo da série: Vinho e suas novas castas. E esse
vem da bela Sicília, um IGT Terre Siciliane, região esta que, a cada vinho
degustado, vem me ganhando de forma incondicional.
E quando essa casta é popular e conhecida em suas terras
torna-se tudo, tudo melhor. Traz aquele apelo regionalista, que evidencia todas
as suas características, as nuances de seu terroir, isso quando o produtor
reflete fielmente, desde a vindima, vinificação, até a mesa de nós,
privilegiados enófilos.
Mas digo também que a cultura do povo pode ser determinante
para todos esses processos de produção, influenciando diretamente às questões
relacionadas à terra, aos aspectos naturais, somando ao dedo do enólogo, o
trabalho daqueles que estão na terra. Tudo é terroir que, por sua vez nos
remete ao apelo regional.
Sabe aquela sensação de que, embora nunca tenha pisado na
região, o contato, as experiências sensoriais com os seus rótulos entregam um
panorama de suas propostas e faz valer o conceito acima mencionado.
Esse rótulo da Sicília eu recebi de um clube de vinhos a qual
fui assinante. Acredito ter dito, em algum momento, sobre a minha opinião
acerca dos clubes dos vinhos. Para um iniciante talvez seja consistente e para
quem já é um inveterado degustador, nem tanto, mas o fato é que esta seleção me
surpreendeu positivamente pois me proporcionou degustar um vinho de uma casta
pouquíssimo conhecida em terras brasileiras.
O vinho que degustei e gostei veio da região italiana da
Sicília, do Monte Etna, e se chama Urries da casta Nerello Cappuccio (100%) da
safra 2020. Nerello Cappuccio? Sim! O nome soa como um gongo repleto de
novidades! Nunca tinha ouvido falar dela até receber esse rótulo do clube de
vinhos a qual fazia parte. Então para não perder mais tempo falemos um pouco da
casta, da sua história e depois da Sicília. Ah antes de falar sobre a Nerello Cappuccio e da Sicília, vale lembrar que já degustei e gostei o Urries Nerello Mascalese da safra 2020! Foi surpreendente!
Nerello Cappuccio
Nerello Cappuccio, também conhecido como Nerello Mantellato, Nerello
di San Antonio, nerello Mantellato, nireddu Cappucciu ou niureddu Cappucciu
(pequeno dialeto negro duplo siciliano), niureddu Mascali, niureddu minuteddu,
nirello Cappuccio, Perricone, é uma variedade cultivada nas encostas do Etna,
na província de Catania, e na província de Messina e Sicília e que contribui
para a produção dos vinhos Etna DOC e Faro DOC.
A sua origem é desconhecida, mas tem sido cultivada
localmente há várias centenas de anos. Sua produção vem diminuindo ano após ano
e há um certo período teme-se sua extinção. Como o Nerello Mascalese, com o
qual contribui para a produção do Etna tinto, é colhido muito tarde, em meados
de outubro.
Em 1998, cobria 6.550 ha. É cultivada principalmente na
Sicília e é a terceira uva atrás da Nero d'Avola e Nerello Mascalese na ilha.
A Nerello Capuccio é uma uva vigorosa, que resulta em vinhos
frutados e com boa acidez. Também famosa na Sicília, é muito utilizada em
cortes com a Nerello Mascalese, a comparação seria como a Capuccio sendo a
Merlot e a Mascalese a uva Cabernet Sauvignon de um corte bordalês.
Sicília
A Sicília é a maior ilha do Mediterrâneo. É uma ilha
vulcânica repleta de praias lindas, paisagens espetaculares e uma arquitetura
interessante. Fruto da mistura de civilizações que habitaram a ilha e da cálida
hospitalidade de seu povo. A Passagem de diversos povos através durante
séculos, a Sicília tornou-se um entreposto importante no Mediterrâneo. É um
destino desejado para todo viajante. Mas a Sicília não é apenas conhecida pela
exuberante natureza, mas também se destaca quando o assunto é vinho. E isso
teve influências na sua cultura e, claro, no seu vinho.
Foram os fenícios que iniciaram o cultivo da videira e a
elaboração do vinho na Sicilia, porém foram os gregos que introduziram as cepas
de melhor qualidade. Alguns historiadores relatam que antigamente na região de
Siracusa (província siciliana), havia um vinho chamado Pollios, em homenagem a
Pollis de Agro (que foi um ditador nessa região), que se tornou famoso na Sicilia
no século VIII-VII a.C..
Esse vinho era um varietal de Byblia, uva originária da área
mais oriental do Mediterrâneo, dos montes de Biblini na Trácia (antiga região
macedônica que hoje é dividida entre a Grécia, Turquia e Bulgária). O
historiador Saverio Landolina Nava (1743-1814) relatou que o Moscato de Siracusa
deriva desse vinho de Biblini, sendo classificado como o vinho mais antigo da
Itália.
Já o vinho doce Malvasia delle Lipari (Denominação de Origem
do norte da Sicilia) parece ter sua origem na época da colonização grega na
Sicilia. Lipari é uma cidade que pertence ao arquipélago das ilhas Eólicas.
Durante o Império Romano, o também vinho doce Mamertino
(outra Denominação de Origem) produzido no norte da Sicilia, era muito
apreciado por muitos, inclusive por Júlio César e era exportado para Roma e
África
A viticultura na região sofreu uma grande redução com a queda
do Império Romano, porém durante a dominação árabe foi introduzida a variedade
de uva Moscatel de Alexandria na ilha Pantelleria, que mantém ainda hoje ali o
nome árabe Zibibbo. Os árabes introduziram na Sicília suas técnicas de
viticultura e também o processo de passificação das uvas.
No século XVIII a indústria enológica na Sicilia teve um
grande avanço e começou a produzir o vinho de Marsala que conta atualmente com
uma Denominação de Origem Protegida. Esse vinho se tornou conhecidíssimo no
resto da Europa graças a um navegante e comerciante inglês chamado John
Woodhouse, que ancorou sua embarcação no porto de Marsala para se proteger de
uma tempestade. Foi quando provou o vinho local e se apaixonou, resolvendo
levar alguns barris para a Inglaterra. O vinho de Marsala fez tanto sucesso por
lá que Woodhouse começou a investir na Sicilia comprando vinhedos e construindo
vinícolas para produzir vinho de Marsala, se tornando um empresário do setor
vitivinícola de grande êxito.
Como na maioria dos vinhedos da Europa, a Phylloxera também
atingiu a ilha Salinas, no norte da Sicilia, provocando uma devastação dos
vinhedos que foram se recuperando gradativamente com a plantação de novos
vinhedos e a criação em 1973 da Denominação de Origem Malvasia delle Lipari.
A região possui um clima e um solo que favorecem muito a
viticultura e a elaboração de vinhos, sendo uma das principais atividades
econômicas da ilha italiana. A topografia é variada, formada por colinas,
montanhas, planícies e o majestoso vulcão Etna. Encontramos vinhedos por toda
parte, que vão das colinas até a parte costeira.
Nas colinas os vinhedos são cultivados em terrazas que chegam
inclusive a uma altitude de 1.300 metros, o que as videiras adoram, pois
proporciona muita luminosidade e uma ótima drenagem. Encontramos vinhedos também
na parte costeira da ilha.
O clima na Sicília é mediterrâneo, mais quente na área mais
costeira e no interior da ilha é temperado e úmido, podendo ás vezes apresentar
temperaturas bem elevadas por influência de ventos procedentes da África.
Também possui uma quantidade grande de microclimas por causa da influência do
mar. As chuvas são mais comuns durante o inverno com cerca de 600mm anuais. Os
vinhedos sicilianos necessitam, portanto, serem regados.
O solo na ilha é muito variado e rico em nutrientes em razão
das erupções vulcânicas do Etna. Encontramos solos arenosos, argilosos e de
composição calcária. Em uma parte da ilha o solo é constituído de gneiss, que é
um tipo de rocha metamórfica composta de granito. Em quase todas as localidades
da Sicília se elaboram vinhos, e essas regiões vitivinícolas contam com várias
DOC.
As principais castas tintas produzidas na Sicília são:
Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Syrah, Nerello Mascalese, Nerello
Capuccio, Frappato, Sangiovese, Nero d’Avola e Pinot Nero. Já as brancas
destacam-se: Grillo, Catarrato, Carricante, Inzolia, Moscato di Panteleria,
Grecanico, Trebbiano Toscano, Malvasia, Chardonnay e Sauvignon Blanc.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um vermelho rubi, com alguma intensidade,
mas com reflexos violáceos que o torna brilhante e envolvente, com lágrimas
finas e rápidas.
No nariz se revela o destaque. É extremamente aromático,
graças às suas notas frutadas, de frutas vermelhas bem frescas, tais como
morango, framboesa e cereja, com um toque de especiarias e de flores vermelhas,
fazendo do vinho delicado.
Na boca é leve, fresco, potencializado pela fruta, como no
aspecto olfativo. É um vinho saboroso, devido a sua jovialidade e a acidez
proeminente. Os taninos, no início, se mostrou um pouco adstringente, mas, ao
respirar na taça, ficou bem domado, fino e elegante. Percebe-se, no final, um
discreto dulçor que não compromete, pelo contrário, o torna persistente e
longo.
Mais uma vez a novidade trouxe prazer! O regozijo de uma
degustação surpreendente nos ensina que o universo do vinho é vasto e ainda
inexplorado, então temos de nos permitir diversificar as nossas experiências,
abrir a mente para as novas possibilidades e não cair na temível zona de
conforto. Degustar o Urries Nerello Cappuccio foi perceber que a Sicília é um
continente dentro de um país, pois traz uma diversidade incrível de castas,
propostas e micro terroirs que faz com que viajemos intensamente por intermédio
de seus rótulos. Um vinho de personalidade, por ter o caráter regional de um
local improvável para cultivo, um vinho harmonioso, saboroso, descontraído,
porém intenso. Mais uma vez me sinto privilegiado por degustar um vinho
especial, simples, mas nobre, pois personifica uma região que a cada dia me
surpreende, a cada rótulo degustado. A experiência sensorial mais do que
agradece, se rende, de forma incondicional, aos caprichos de rótulos
interessantes e marcantes. Tem 13% de teor alcoólico.
Sobre a Cantine La Vite:
Cantine La Vite foi fundada em 1970 pela vontade de 43
fundadores que decidiram se unir para dar vida ao que se tornou uma das
vinícolas mais produtivas e florescentes da Sicília.
Os 1.300 sócios cultivadores cultivam cerca de 2.300 hectares
nos territórios do centro e sul da Sicília, em particular entre as províncias
de Caltanissetta, Agrigento e Ragusa. A produção está orientada para as castas
de bagas pretas (cerca de 80%), as uvas brancas locais da Sicília e as uvas
Nero d'Avola, das quais a empresa é a maior produtora na Sicília.
Graças ao uso das técnicas de produção mais inovadoras e,
acima de tudo, operando com o máximo cuidado e respeito ao meio ambiente, a
Cantine La Vite é conhecida mundialmente pela qualidade de seus produtos.
Desde 2020 Cantine La Vite SCA criou a marca Le Schette Fruit
para promover um novo negócio de frutas e legumes inteiramente feito em nosso
território e por nossos produtores, e nasceu graças à criação de uma infraestrutura
moderna, tecnológica e eficiente.
Mais informações acesse:
https://www.cantinelavite.it/en/main-home-english/
Referências:
“Wine”: https://www.wine.com.br/vinhos/urries-i-g-t-terre-siciliane-nerello-cappuccio-2020/prod27166.html
“Wikipedia”: https://pt.frwiki.wiki/wiki/Nerello_Cappuccio
“Revista Sociedade de Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2016/04/sicilia/
“Enologuia”: https://enologuia.com.br/regioes/290-sicilia-o-continente-do-vinho
“Vinhos e Castelos”: https://vinhosecastelos.com/vinhos-da-sicilia-italia/