Nós, simples enófilos, costumamos falar, em profusão, em
termos como tipicidade, DNA do vinho, terroir, a terra que o vinho é produzido,
a região tem muito ou pelo menos deveria ter entre nós grande importância na
escolha de um vinho, por exemplo, e nos nossos conceitos de preferência de
rótulos. E quando falamos em região, não podemos negligenciar, é claro, das
suas cepas, das suas castas. Atualmente eu estou imergindo fundo no garimpo de
novas regiões e principalmente de novas castas, castas essas com um grande
apelo regionalista, o que consequentemente reforça o conceito de terra, de
terroir, de tipicidade, de cultura, de história, do comportamento de um povo,
de uma sociedade com vocação para a feitura, para a produção dessa bebida
poética e inspiradora chamada VINHO.
E esse vinho que degustei e gostei vem de um país e região
que dispensam maiores comentários pela sua importância e história para a
vitivinicultura mundial, mas que, sim, vale e muito ser contada com requintes
de detalhes para enaltecer e estimular a degustação do vinho que, mesmo dentro
de uma garrafa, na limitação de uma garrafa, expressa e sintetiza a gigante
cultura de um país e uma região como Portugal e o Alentejo, respectivamente. E
esse vinho, apesar de uma proposta básica, de um vinho básico, de entrada,
entrega, com fidelidade, essas características que me agrada e que aqui foram
mencionadas, pois tem um forte apelo regional, mesmo não apresentando nenhuma
classificação como o “vinho regional” ou o famoso “DOC”, tem inserido em sua
proposta esse aspecto tão marcante, nos vinhos portugueses: a força
regionalista e cultural. Falo do Esporão Alandra tinto, composto pelas castas
autóctones Moreto (15%), Castelão (40%) e Trincadeira (45%). Então já que
estamos falando de regionalismos e castas autóctones, por que não falemos sobre
as cepas que compõe este vinho?
Moreto
A casta Moreto é característica da zona do Alentejo, sendo
bastante cultivada nas zonas de Reguengos, Redondo e Granja-Amareleja. Pensa-se
que terá sido introduzida na região, por volta do século XIX, quando se
assistiu a um grande desenvolvimento da vitivultura no Alentejo. Esta casta
apresenta cachos de tamanho pequeno e bagos de tamanho médio e arredondados. É
uma casta bastante produtiva e de maturação tardia. Os vinhos produzidos com a
casta Moreto são normalmente pouco encorpados e apresentam pouca cor, por isso
é utilizada em vinhos de lote. Normalmente é lotada com as castas Trincadeira,
Aragonez e Tinta Caiada. Casta produtiva, de maturação tardia, com baixos
teores de açúcares, pelo que é geralmente a última casta a ser vindimada. Casta
de elevada robustez e produtividade, indicada para zonas de calor extremo.
Castelão
Uma das formadoras da identidade dos vinhos portugueses, a
Castelão é de suma importância para a vinicultura de Portugal. Esta cepa está
entres as variedades mais amplamente cultivadas, estando entre as 250 uvas
nativas de Portugal.
Periquita?
O mundo do vinho é repleto de confusões de ordem taxonômicas.
Uma uva tem nomes diferentes dependendo da época ou localidade, mas no caso da
uva Castelão, o fato é ainda mais curioso. Esta confusão acontece na relação
entre Castelão e Periquita: muitas fontes (incluindo a Wikipédia) parecem
pensar que Periquita é simplesmente um sinônimo de Castelão, mas isso está
errado. Periquita é um nome do produto (ou marca, se assim você preferir),
propriedade da vinícola José Maria da Fonseca. As misturas de Periquita sempre
contiveram a uva Castelão, mas a maioria também contém quantidades variadas de
outras uvas (aparentemente, apenas o vinho da Vinícola Fonseca chamada Periquita
Clássica é 100% Castelão). A Castelão também já foi amplamente conhecida como
Castelão Francês, mas quando Portugal reforçou suas leis do vinho, o nome
oficial tornou-se simplesmente Castelão. Os melhores vinhos feitos com uva
Castelão são oriundos da região de Setúbal, ao sul de Lisboa. Lá, especificamente,
existe um terroir excelente para a produção de vinhos mais concentrados. É no
sul de Portugal, abarcando também o Alentejo, aonde a maior parte da produção
da uva Castelão é feita. Apesar disso, uma pequena parcela é plantada na parte
central, na região do Douro, e estas são utilizadas no vinho do Porto. Nos
vinhedos onde nascem as uvas Castelão, encontram-se cachos pequenos com bagos
escuros, e com a casca grossa e em grande quantidade, principalmente se
comparada à polpa. É sabido que em Portugal os vinhos varietais são raros.
Então é mais comum serem encontrados cortes de Castelão misturados com Aragonês
e Trincadeira, os quais permitem que o vinho resultante seja mais acessível e
suave.
Trincadeira
A Trincadeira pode não ser muito conhecida, mas é outra uva
da família das Vitis vinifera, cultivada essencialmente no Alentejo, na região
do Douro e no Ribatejo. Também é conhecida como Trincadeira Preta ou Tinta
Amarela (principalmente na região do Douro), e está presente principalmente nas
regiões secas e quentes. Embora seja uma das pérolas da vitivinicultura
portuguesa, a Uva Trincadeira é frequentemente evitada pelos produtores e
enólogos por ser uma uva de difícil trato, por assim dizer. Suas cepas são de
uma delicadeza tal que qualquer mínima demora em colhê-la na hora certa pode
resultar no apodrecimento de seus cachos e em uma enorme perda de safra. Não é
algo estranho que as uvas assumam características diferentes quando cultivadas
em terroir distintos. Mas, a Trincadeira possui um temperamento ainda mais
peculiar e isso reflete até nas diferentes nomenclaturas que pode assumir. Por
exemplo, quando cultivada em Tejo e Alentejo, é chamada de Trincadeira Preta. Já,
pelas paragens emolduradas do rio Douro, é chamada de Tinta-amarela. É Mortágua
em Torres Vedras, em Arruda é Preto Martinho e Cravo Preto em Algarve. Ironicamente,
a quantidade de nomes que possui a uva Trincadeira parece convergir com seu
perfil instável, frágil e seu constante transtorno de personalidade. Se por um
lado a prematuridade da colheita a deixa sem sabor, a mínima demora reflete na
falta de acidez ou rápido apodrecimento dos cachos. É uma uva com bastante
potencial para o amadurecimento, especialmente quando no apreciadíssimo barril
de carvalho francês. Sua relação com o estágio em madeira é extremamente
positiva, podendo revelar vinhos de alta complexidade e qualidade.
E finalmente o vinho!
Na taça tem um lindo vermelho rubi escuro, intenso, com
reflexos violáceos que garante um reluzente brilho, com poucas lágrimas finas e
de média persistência.
No nariz traz uma explosão aromática de frutas vermelhas como
amora, framboesa e morango, com muito frescor.
Na boca é seco, com nuances frutadas, com boa presença de
boca, um bom volume de boca que faz desse vinho, apesar de jovem, expressivo e
exuberante, com taninos aveludados e macios, com uma baixa acidez e um final de
média persistência.
Um vinho de estilo jovem, um cara de moderno, despretensioso
e que certamente pode agradar aos paladares mais inexperientes, que está
começando no universo do vinho e para aqueles mais calejados que quer um vinho
mais informar ou receber amigos. Digo-lhes que é um vinho saboroso, gostoso e
revisitando os meus arquivos de degustação, lembrei que degustei o Alandra tinto
a três anos atrás, da safra 2015 e tenho na memória que sempre foi essa a
proposta do rótulo: simples, mas nobre na sua proposta e importante no aspecto
regional e cultural. Tem teor alcoólico de 13%.
Sobre a Herdade do Esporão:
A Herdade do Esporão está localizada em Reguengos de
Monsaraz, cidade situada no Alentejo, região do centro-sul de Portugal que,
apesar de ter uma produção bastante recente, com pouco mais de 40 anos, é a
maior exportadora de vinhos de Portugal e uma das maiores do mundo. A Herdade
tem 700 hectares de vinhas e olivais, além de alguns pomares e hortas. As cerca
de 40 castas produzem uma variada gama de brancos, rosés e tintos, além de um
excelente espumante e uma peculiar colheita tardia. Já as 4 variedades de
azeitona dão origem a um dos mais famosos e prestigiados azeites no mercado
internacional.
A Herdade conta com uma vastíssima programação de enoturismo,
especialmente interessante no verão (junho a setembro), mas suficientemente
variada para atrair novos fãs em qualquer época do ano. Aliás, o refinado
restaurante da vinícola conta com cardápios distintos para cada estação. São
duelos entre o Douro e o Alentejo, verticais, elaboração do próprio blend,
refeições harmonizadas, até passeios de um dia inteiro entre as maravilhas
naturais da linda propriedade.