A série “grandes novidades” continua a todo vapor! E a cada
grata e surpreendente novidade, um real e latente sentimento de arrebatamento
me toma de assalto, me contamina de um prazer que somente o vinho pode
proporcionar aos simples e humildes enófilos como esse que vos escreve.
E a rota dos vinhos de São Roque tem me proporcionado grande
parte desses momentos únicos, singulares e, claro, surpreendentes! E mais uma
vez também vem em um formato de presente, como todo e qualquer vinho, do amigo
proprietário da e-commerce Pemarcano Vinhos, o Luciano Feliputti.
A sua escolha não poderia ter sido melhor: Um Tannat “made
in” São Roque! Mais uma vez a rota dos vinhos de São Roque estacionou, ou
melhor, inundou as minhas simplórias taças. Essa é a minha primeira vez com um
Tannat da emblemática região do interior de São Paulo, tida como uma das
pioneiras da vitivinicultura nacional.
A gente sempre associou o Tannat com o Uruguai e com méritos
e razão! Não há como falar de Tannat e negligenciar a história do Uruguai no
processo de disseminação da variedade, no que tange a sua qualidade, para o
mundo. Definitivamente são os melhores!
Mas de um tempo para cá a Tannat vem ganhando em
representatividade no Brasil e digo mais: com tipicidade! Vinhos com identidade
de nossos terroirs. Não há como falar dos Tannats brasileiros e deixar de
comentar das principais regiões como Serra e Campanha Gaúcha.
Então não se enganem que, dentre as castas tintas, a Merlot
está ganhando espaço na produção de vinhos no Brasil, a Tannat também merece
seu valor, sua importância. Não me lembro de exatamente quando a Tannat
brasileira entrou na vida enófila, mas eu tenho as minhas “suspeitas”.
E aposto firmemente que foi por intermédio da Miolo, mais uma
vez, sendo preponderante na minha história de degustação. Foi sim o Miolo Tannat reserva 2015 logo após uma grata descoberta acerca de um prêmio que
ganhou, pasme, na terra da Tannat, o Uruguai.
Isso me abriu os olhos para Tannat e, a partir daí, passei a
degustar, mais e mais, os Tannats brasileiros! Mas agora é mais uma página
importante nesse caminhar: Um Tannat de São Roque e ainda tem, neste rótulo que
apresentarei o apelo estético, trazendo um lindíssimo rótulo de um cavalo,
mostrando uma associação de um animal potente e robusto como o cavalo, um
animal selvagem, tanto quanto a velha Tannat!
Então sem mais rodeios, vamos às apresentações! O vinho que
degustei e gostei, além de ter sido especial, é de um produtor igualmente
especial, falo do Adega Terra do Vinho Tannat da safra 2018. A Adega Terra do
Vinho definitivamente produz belos rótulos, dos mais simples aos mais complexos
e esse Tannat não fica atrás! Então antes de tecer os comentários das minhas
impressões do vinho, vamos, para não perder o costume, contar um pouco da
história de São Roque.
São Roque: A terra do vinho!
A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de
1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de
Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de
Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também
conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que
trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns anos após
a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na
mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em
1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do
escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.
Na região de São Roque, podem-se identificar referências à
vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII.
Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade,
através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos
Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes
proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e
o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador
da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao
norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e
por fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade
de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.
Portanto realmente não se podem esperar grandes referências
desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que
existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou
seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.
Outro fator que pode ter influenciado e não ter feito
prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de então, que era a
descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São
Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância econômica para a
metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira
a uva e o vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos
colonizadores.
Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz
foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o
nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi
elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838,
quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de
mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras. Em março de 1846,
seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro
II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a
passagem de Dom Pedro II, Antônio Joaquim começou a se destacar no cenário
político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de
cidade no dia 22 de abril de 1864.
Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro
oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865,
quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em
Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade
no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então
Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do
vinho.
Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que
ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884,
começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas
aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade
já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a
cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.
O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação
do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas
eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras
trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França),
curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e
posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.
Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São
Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:
1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas,
plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para
consumo próprio.
2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense,
ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o
consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização
graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se
utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro
(talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na
região de São Roque);
3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950:
processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com
aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e
desempenho melhores.
Podemos dividir esta fase primeiramente num período de início
do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o
período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas
vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a
massificação da produção entra num processo de decadência.
4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo
de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos
e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram
sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando ao
fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de 1980).
São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”, sendo que
os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas) fabricam seu
vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras partes do
Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).
Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa
situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do
passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um vermelho rubi intenso, escuro, com algum
brilho. Caudaloso, marca, com suas lágrimas finas e razoavelmente lentas, o
bojo do copo.
No nariz tem intensidade média das notas frutadas que,
discretamente, se revelam maduras, frutas vermelhas maduras, com toques herbáceos,
algo vegetal, talvez e nuances florais.
Na boca é equilibrado e redondo, com corpo leve e álcool
integrado. A fruta, como no aspecto olfativo, não se destaca tanto, traz um
inusitado chocolate e baunilha, embora não passe por barricas de carvalho. Tem
taninos domados, elegantes com uma acidez correta e um final de média
persistência.
A vida com novidades sempre ganha novos motivos para
continuar sendo vivida da melhor forma possível e as experiências sensoriais proporcionadas
pelos nossos vinhos de cada dia traz esse “tempero” que as enche de alegrias e
celebração. Vinho é celebrar, mas enveredar no seu universo é tão excitante
quanto ver a nossa taça cheia. E descobrir a Tannat produzida em São Roque é
como andar e conhecer todos os detalhes das ruas, das culturas, dos processos
de vinificação de seus produtores, mesmo que as castas sejam de terras gaúchas.
Um belo vinho, com todas as características e nuances da Tannat. Que venham
mais e mais novidades arrebatadoras da terra do vinho! Tem 12,5% de teor
alcoólico.
Sobre a Adega Terra do Vinho:
Em meados de 1966, a família Oliveira Santos decidiu
dedicar-se a sua grande paixão: o Mundo do Vinho e abriu a Cantina Vieira
Santos.
Empenho, dedicação e amor eram palavras de ordem dos irmãos,
especialmente para o Moacyr. A Cantina cresceu, mudou e hoje se chama Adega
Terra do Vinho. Como patriarca, certamente o Moacyr não imaginou que seu
trabalho chegaria tão longe com o mesmo espírito e garra.
A paixão pelos vinhos fez nascer a pequena Adega do Moacyr
com seus vinhos artesanais. Hoje a adega cresceu, mas continua trazendo, em
cada garrafa, a mesma paixão.
Mais informações acesse:
https://www.adegaterradovinho.com.br/index.html
Referências:
“Assembleia Legislativa de São Paulo”: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=301135
“Blog do Lullão”: http://www.lullao.com/p/historia-do-vinho-em-sao-roque.html?m=1
“Sites
Google”: https://sites.google.com/site/historiadovinhodesaoroque/home/historia-do-vinho-de-sao-roque