quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Terra do Vinho Cabernet Sauvignon 2017

 

Sempre ouvi que para degustar um rótulo com a conhecida “rainha das uvas tintas”, a Cabernet Sauvignon, tem que ser na “versão” encorpada, amadeirada. Esses são, na visão da maioria, os melhores rótulos com a Cabernet Sauvignon.

Respeito a opinião alheia, afinal, todos têm a sua visão particular, a sua percepção do vinho, onde a opinião pode ser divergente de um mesmo vinho, de uma mesma safra. Isso é salutar, mas tem certas visões, opiniões que vagam por aí, principalmente pelas redes sociais, que assumiram um caráter de tabu.

E tabu definitivamente tem de ser quebrado, a famosa quebra de paradigma que devemos ter no universo, por vezes, conservador e até intolerante do vinho. Há algum tempo atrás ouvi de um formador de opinião que o Malbec, por exemplo, tem de ser encorpado, amadeirado e que esta proposta revela a identidade, o DNA, como ele disse, da cepa na emblemática região argentina de Mendoza.

E citou o vinho que estava expondo (na realidade, além de formador de opinião, ele possui algumas lojas de vinhos em São Paulo, muito conhecidas, inclusive) o tradicional Catena que trazia essa proposta de Malbec mais encorpado.

Aquilo me inquietou e decidi subverter e procurar Malbecs sem passagem por barricas de carvalho e focado mais na fruta, na essência, sem tanta intervenção ou o mínimo possível. Encontrei alguns rótulos e tive uma surpresa positiva acerca da qualidade, da tipicidade deles.

Sim! É possível! Claro que a missão é mais difícil, afinal, o marketing é muito forte, quase inquisitivo para que se deguste um Malbec, um Cabernet Sauvignon amadeirado, encorpado, logo caro. O mercado brasileiro está cheio deles! E isso acabou por firmar uma cultura, diria, equivocado, pois, penso, há outras propostas de vinhos com essas variedades que pode entregar o que a gente espera ou mais!

Então quando estava a pensar em enveredar na aventura, na missão de encontrar alguns Cabernets com uma proposta mais direta, de um vinho jovem, sem passagem por barrica de carvalho, um rótulo chegou a mim, não fui até ele.

E foi, mais uma vez, um carinho presente do amigo Luciano Feliputti, da loja Pemarcano Vinhos, especializada em vinhos da tradicional região paulista de São Roque. Então, com essa generosa cortesia, além da aventura de degustar um Cabernet Sauvignon mais despretensioso, sem madeira e que entregava um toque mais frutado, priorizando a essência da variedade, algumas “estreias” também viria a acontecer.

Será minha primeira experiência de um Cabernet Sauvignon da região de São Roque. Não vou tecer maiores comentários sobre a região em questão, pois felizmente tenho tido algumas experiências com vinhos da região, mesmo que embora recentes, mas especiais. Não há como esconder a alegria de degustar vinhos de pequenos produtores brasileiros, porém de uma região gigante em sua história para a vitivinicultura nacional.

Então sem mais delongas, vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio, como disse, de São Roque e se chama Adega Terra do Vinho, um 100% Cabernet Sauvignon da safra 2017. E como disse que São Roque está mais presente em minha vida enófila, direi que tive o privilégio de já ter degustado um rótulo deste produtor e, claro, gostei muito. Foi o Genuíno Carménère da safra 2017. E, por uma grata coincidência, fora a minha primeira experiência com um Carménère brasileiro o que ainda não é comum em nossas terras. Então antes dos detalhes do vinho sigamos com a história de São Roque, que é uma maravilha à parte.

São Roque: A terra do vinho!

A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de 1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns anos após a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em 1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.

Na região de São Roque, podem-se identificar referências à vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII. Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade, através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e por fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.

Portanto realmente não se podem esperar grandes referências desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.

Outro fator que pode ter influenciado e não ter feito prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de então, que era a descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância econômica para a metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira a uva e o vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos colonizadores.

Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838, quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras. Em março de 1846, seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a passagem de Dom Pedro II, Antônio Joaquim começou a se destacar no cenário político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de cidade no dia 22 de abril de 1864.

Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865, quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do vinho.

Dr. Eusébio Stevaux

Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884, começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.

O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França), curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.

Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:

1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas, plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para consumo próprio.

2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense, ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro (talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na região de São Roque);

3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950: processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e desempenho melhores.

Podemos dividir esta fase primeiramente num período de início do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a massificação da produção entra num processo de decadência.

4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de 1980). São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”, sendo que os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas) fabricam seu vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras partes do Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).

Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.

E agora finalmente o vinho!

Na taça dispõe de um vermelho intenso, escuro, com tonalidades arroxeadas que marcam no bojo do copo, com lágrimas grossas, lentas e em média intensidade.

No nariz traz aromas intensos de frutas vermelhas bem maduras, algo herbáceo e notas de especiarias, aquele típico pimentão, mas sentido de forma discreta.

Na boca é seco, redondo, equilibrado, leve, a fruta madura é percebida, como no aspecto olfativo, conferindo-lhe sabor e ainda alguma jovialidade, graças também a boa acidez, com taninos delicados e domados, além de toques vegetais, de terra molhada. Tem um final cheio e prolongado.

A minha primeira experiência com um varietal da casta Cabernet Sauvignon, da cidade de São Roque, trouxe algo óbvio, pelo menos para mim: Que vinho, na multiplicidade de suas propostas e nuances, não podem ser tipificados por “pior”, ou “melhor,” entre si. Não há como comparar um Catena, com passagem por madeira, com aquele Malbec sem passagem por barrica, não porque o Catena seja infinitamente melhor, mas porque não possuem as mesmas propostas. E assim o é com o Terra do Vinho Cabernet Sauvignon. Não se pode comparar com os chilenos Gran Reserva, por exemplo, que passam por madeira. Terra do Vinho Cabernet Sauvignon entrega aromas de frutas vermelhas, um toque vegetal discreto, notas de especiarias, tudo o que um Cabernet Sauvignon, no ápice de sua essência pode entregar. Tem 12,5% de teor alcoólico.

Sobre a Adega Terra do Vinho:

Em meados de 1966, a família Oliveira Santos decidiu dedicar-se a sua grande paixão: o Mundo do Vinho e abriu a Cantina Vieira Santos.

Empenho, dedicação e amor eram palavras de ordem dos irmãos, especialmente para o Moacyr. A Cantina cresceu, mudou e hoje se chama Adega Terra do Vinho. Como patriarca, certamente o Moacyr não imaginou que seu trabalho chegaria tão longe com o mesmo espírito e garra.

Sr. Moacyr

A paixão pelos vinhos fez nascer a pequena Adega do Moacyr com seus vinhos artesanais. Hoje a adega cresceu, mas continua trazendo, em cada garrafa, a mesma paixão.








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