De uma coisa eu e, acredito que muitos brasileiros enamorados
pelo vinho de nossas terras atualmente, de que os nossos espumantes estão entre
os melhores “borbulhas” do planeta. E não é um discurso ufanista carregado de
ódio que rejeita todos os produtores e rótulos de outros países, mas uma
condição concreta, de que os nossos vinhos são especiais e a tendência é que
cresça a cada dia.
Há alguns dias atrás eu li uma informação de que um
espumante, de método charmat, simples, básico, que custa na faixa dos R$30,00,
ficou entre os melhores espumantes do mundo, em um concurso, pasmem, da França,
a terra dos champagnes!
Ganhou medalha de ouro e ficou no top 10 do Effervescents du
Monde 2022 (Leia aqui) e se chama Conde de Foucauld brut, da grande Vinícola Aurora, além
de outros dois espumantes, como o Salton Prosecco e o Nero Live Celebration, da
Famiglia Valduga.
Essa é a prova contundente para mostrar, corroborar a
qualidade e a tipicidade de nossos vinhos espumantes. É bem verdade que não
degustamos prêmios ou medalhas, degustamos vinhos, mas quando vinhos tão
baratos e básicos conquistam prêmios dessa magnitude, são laureados dessa
forma, merece, no mínimo, atenção e logo reverência.
Então hoje decidi, na noite de natal, com uma celebração em
família, abrir um espumante, decidi celebrar com um vinho brasileiro, celebrar
com o carro chefe de nossa vitivinicultura: o espumante.
E além da escolha por um espumante, será o espumante, pois
esse será o segundo rótulo que degustarei no método tradicional, no método
champenoise, um espumante nature que, até pouco tempo atrás, eu nunca tinha
degustado, o que ainda, mesmo degustando espumantes há tempos, tenho espaços
para novidades, gratas novidades.
A minha primeira experiência fora com o Don Giovanni Nature e
foi simplesmente arrebatadora a degustação, com momentos singulares. E agora
mais uma página na minha história que será ilustrada com espumantes complexos,
de estrutura e marcante personalidade.
E ainda tem mais: Será meu primeiro espumante de uma região,
não só nova para mim, como para muitos enófilos brasileiros. Uma região que vem
ganhando alguma visibilidade e ganhando também credibilidade, falo da Serra do
Sudeste, no Rio Grande do Sul.
Acredito fielmente que não poderia haver melhor momento para degusta-lo! Porém eu o conheci, bem como o seu produtor, em um evento que seus rótulos foram homenageados, falo da Vinícola Hermann.
O vinho que degustei e gostei veio como disse, da Serra do
Sudeste e se chama Lírica Crua, um Nature composto por Chardonnay (80%), Pinot Noir
(10%) e Gouveio (10%), que também é conhecida como Verdelho e Godello, sem
safra informada. E antes de entrar na história da região e falar do vinho, que
é simplesmente espetacular, há uma curiosidade que rodeia o Lírica Crua. Ele
foi o primeiro espumante brasileiro a ser vendido sem o processo de dégorgement.
Mas o que é dégorgement? Depois do processo completo de
remuage, que consiste num trabalho cuidadoso em girar a garrafa no pupitre para
que as leveduras se direcionem ao gargalo da garrafa, é feito o dégorgement,
para limpar a bebida. O gargalo da garrafa é congelado para solidificar os
sedimentos que ficam após a segunda fermentação nos espumantes feitos pelo
método Tradicional. A garrafa, então, é aberta e a pressão expele o “gelo”.
Depois ela volta a ser arrolhada.
No caso do Lírica Crua isso não acontece e as leveduras ficam
na garrafa, patrocinando ao vinho uma incrível complexidade e cremosidade,
dando-lhe personalidade e uma incrível capacidade de longevidade. Mas espere
também frescor, leveza, como todo bom espumante brasileiro.
O método natural do espumante ou champenoise
O método tradicional consiste principalmente em uma dupla
fermentação do mosto, a primeira em grandes recipientes, e a segunda em
garrafas, dentro das caves ou adegas, fazendo o processo de remuage (rotação
das garrafas) regularmente.
A primeira fermentação, chamada fermentação alcoólica, é idêntica à que ocorre com os vinhos comuns, ou seja, os “não efervescentes”, ditos tranquilos. O vinho básico costuma ser vinificado em tanques de concreto, aço inoxidável ou madeira, mas alguns produtores preferem fazer a vinificação em barricas de carvalho (com muitos anos de uso).
No momento de engarrafar, a esse vinho básico, é acrescentado
um composto denominado liqueur de tirage, uma solução de vinho adoçado com
açúcar (de cana ou beterraba) ou suco de uva concentrado (aproximada 24 g/l de
açúcar) e leveduras selecionadas, para iniciar a segunda fermentação.
Esse composto, dentro garrafa, provoca o início da segunda
fermentação. É ela que gera as bolhas de dióxido de carbono, fruto da
transformação química dos açúcares em álcool mais gás carbônico.
A garrafa então é tapada com uma cápsula metálica parecida
com as de cerveja. Contudo, nessa segunda fermentação, ocorre o surgimento de
borras que deverão ser retiradas do vinho. Assim, o próximo passo é conduzir o
vinho para o período de descanso em garrafa, que pode ser de pouco mais de um
ano chegando até 10 anos, ou mais. Normalmente os Champagne safrados, ou millésimes,
permanecem mais tempo em garrafa antes de serem lançados ao mercado.
Para retirar as borras, faz-se a remuage. O processo consiste
em dispor as garrafas em cavaletes especiais, ditos pupitres, com o gargalo
para baixo. A cada dia, as garrafas são giradas em um quarto de volta. Isso tem
como objetivo descolar as borras (resíduos) da parede da garrafa e fazê-las
descer para o gargalo. Em muitos lugares, essa prática é feita ainda
manualmente, enquanto os grandes produtores já o fazem com equipamentos automatizados,
como os giropalets.
Finalmente, para retirar o depósito de borra, é realizada a
degola (dégorgement, em francês). Para tal, congela-se o gargalo em um
preparado de salmoura a 25ºC negativos. Nesse momento, a cápsula é retirada e a
borra é expulsa pelo gás sob pressão. A pequena perda de volume de vinho é
substituída por uma mistura de vinho e açúcar, chamado licor ou vinho de
dosagem, também conhecido, principalmente na França, como liqueur d’expédition.
Normalmente, esse licor é um composto de vinho (de reserva),
açúcar e SO2, como antioxidante e antimicrobiano. Sua função, além de recompor
o volume da garrafa, é definir o estilo do espumante conforme a concentração de
açúcar. Essa quantidade de açúcar presente no licor vai determinar se o
espumante de método champenoise será Brut Nature (menos de 3 g/l), Extra-Brut
(até 6 g/l), Brut (menos de 12 g/l), Extra-Sec (entre 12 e 17 g/l), Sec (entre
17 e 32 g/l), Demi Sec (entre 32 e 50 g/l) ou Doux (mais de 50 g/l). E há
também alguns produtores que não utilizam o licor de expedição.
Nos últimos anos, muitas vinícolas passaram a produzir
espumantes do tipo Nature. Essa bebida nobre extrai o sabor mais puro das uvas
e do processo de fermentação, criando um resultado surpreendente.
Nature
O Nature passa pelo
método tradicional de produção, conhecido como champenoise. Contudo, a
diferença é que a categoria não passa pela etapa de correção de sabor – momento
em que um licor de expedição, feito a partir do próprio vinho e do açúcar, é
adicionado na bebida.
O interessante desse espumante é que ele geralmente vai ter
uma qualidade maior de ingredientes. Como não passa pela correção de sabor, é
importante que seja feito com perfeição.
Para ganhar o título de Nature, a bebida precisa conter até 3
gramas de açúcar por litro, enquanto o Brut pode conter entre 6 e 15 gramas por
litro. Por isso, o sabor do espumante é mais seco. O tempo de maturação do
vinho também é maior, o que resulta em um volume de boca considerável. Ou seja:
é mais cremoso do que os outros estilos. Normalmente as variedades utilizadas
para esse tipo de espumante é a Chardonnay e a Pinot Noir.
Serra do Sudeste
Nossa mais famosa região vinícola é, sem dúvida alguma, a
Serra Gaúcha, da qual faz parte a primeira área de Indicação de Procedência
brasileira, o Vale dos Vinhedos. De dentro para fora, sabemos que o Vale está
chegando ao seu limite de plantio. Como área de procedência certificada, as
regras que controlam sua existência são rígidas e hoje sobram poucas terras de
qualidade às vinícolas para que plantem suas uvas. Ele não deixa de ser, no
entanto, o polo para onde convergem as atrações turísticas e as grandes
instalações produtoras das vinícolas, incluindo suas adegas.
Os outros municípios que compõem a região da Serra Gaúcha vêm
se desenvolvendo com constância como Garibaldi, Flores da Cunha e Farroupilha.
Mas algumas novidades interessantes estão aparecendo em cidades a noroeste de
Bento Gonçalves, como Guaporé, na linha Pinheiro Machado e Casca, na direção de
Passo Fundo.
Mas tem uma região que, apesar de ter sido descoberta na
década de 1970, pode-se considerar que se trata de uma região nova, pois somente
a partir dos anos 2000, com investimentos feitos pelas vinícolas da Serra
Gaúcha, que o potencial dela foi, de fato, explorado. Essa região é a Serra do
Sudeste.
Ela forma uma espécie de ferradura virada para o mar, ligando
os municípios de Encruzilhada do Sul e Pinheiro Machado, separados ao meio pelo
rio Camaquã, que deságua na Lagoa dos Patos. Essa região faz divisa com outra
importante área vinícola brasileira, a Campanha Gaúcha, dividida entre Campanha
Meridional (que começa na cidade de Candiota) e Campanha Oriental, que segue a
linha da fronteira com o Uruguai.
A Serra do Sudeste tem colinas suaves, que facilitam o
plantio e a mecanização, tornando-a um terroir mais simples de trabalhar.
Aliadas a isso, estão as condições climáticas, mais favoráveis do que no Vale
dos Vinhedos. Essa região tem o menor índice de chuvas do Estado do Rio Grande
do Sul, além de noites frias mesmo no verão, justamente a época da maturação
das uvas. Essas condições naturais, além de um solo mais pobre e de origem
granítica, ajudam a ter maior concentração de cor, estrutura e potencial de
envelhecimento dos vinhos.
O Instituto de Pesquisa Agrícola do Rio Grande do Sul mapeou
pela primeira vez esta área nos anos 1970, mas é no começo da década de 2000
que as primeiras vinícolas de certa importância começam a plantar vinhedos por
aqui, entre os municípios de Encruzilhada do Sul, o principal, Pinheiro Machado
e Candiota (mesmo próxima de Bagé Candiota é considerada pelo IBGE como
pertencente à Serra do Sudeste e não à Campanha, embora haja controvérsias).
Em grande parte se trata de uma região vitícola, geralmente
as uvas aqui colhidas são conduzidas nas instalações das vinícolas na Serra
Gaúcha e lá transformadas em vinho, esta região ainda não possui, e nem
pleiteia em curto prazo, o reconhecimento a Denominação de Origem Controlada,
quando, e se, isso ocorrer o vinho deverá ser produzido por aqui, já que este é
um fator crucial na lei das denominações de origem.
As castas internacionais dominam a viticultura na Serra do
Sudeste, tintas e brancas que na Serra Gaúcha podem representar um desafio pelo
clima úmido, aqui prosperam com mais facilidade, o índice pluviométrico é
alinhado com o estado do Rio Grande do Sul, chove um pouco menos que no Vale
dos Vinhedos, mas o que mais importa é que as chuvas são mais bem distribuídas
ao longo do ano, raramente coincidindo com o período da colheita das variedades
tardias.
A característica dos vinhos daqui é o bom nível de aromas, a
sapidez pronunciada por conta da presença do calcário e o perfil gastronômico,
boa acidez, taninos enxutos nos tintos e presença mineral nos brancos. Uvas
mais cultivadas na região são: Malbec, Cabernet Franc, Merlot, Gewurztraminer,
Sauvignon Blanc e Malvasia.
Se for verdade que a Serra do Sudeste não possui o panorama
encantador da Serra Gaúcha, é também verdade que seus vinhos representam um
patrimônio da vitivinicultura brasileira que merece ser descoberto, e sem
demora.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um amarelo palha intenso e com algum brilho e
reflexos esverdeados, apesar de uma discreta turbidez, devido as leveduras, com
perlages finos e intensos, persistentes.
No nariz traz aromas que, evidentemente, nos remete as
leveduras, com toques de panificação, de pão tostado em tom delicado, com um
ataque, em seguida, de frutas cítricas, como laranja, limão, tangerina, abacaxi
e logo depois frutas de polpa branca, como pera e algo floral, de flores
brancas que entrega frescor e leveza.
Na boca é vivaz, altivo, intenso, complexo e de textura
deliciosa, saborosa, cheio, untuoso, cremoso, com notas de pão, de fermento,
pão com manteiga, mas, ao mesmo tempo é elegante, fresco, como todo bom
espumante. As borras, as leveduras lhe conferem a suavidade e que equilibra a
acidez, que é excelente, que faz salivar, com um final frutado e prolongado.
Sim, os nossos espumantes estão entre os melhores do mundo!
Sim, expressam o que há de melhor de nossos terroirs! Sim, temos de vinhos
básicos aos mais complexos e longevos! Não, isso não é discurso ufanista! É um
discurso, carregado de orgulho que pode parecer passional, mas que vem repleto
de argumentos fortes e contundentes. Estamos presenciando, diante dos nossos
olhos, a revolução dos espumantes brasileiros, de bebidas que não estão
imitando os chilenos, os argentinos, mas revelando a sua tipicidade, mostrando
o nosso DNA! E como não há dia melhor para celebrar com a sua família em um dia
de natal, façamos com reverências, respeito e, sobretudo muito prazer e
privilégio por degustar um vinho como esse! Tem 11,8% de teor alcoólico.
Sobre a Vinícola Hermann:
A família Hermann trouxe todo o seu know-how de profundos
conhecedores de diversas regiões vinícolas do mundo para a esfera da produção
de vinhos, apostando no potencial dos melhores terroirs da região sul do
Brasil.
Proprietários de uma das maiores importadoras de vinhos de
alta qualidade do país, a Decanter, compraram em 2009 um vinhedo de grande
vocação em Pinheiro Machado, na Serra do Sudeste no Rio Grande do Sul, plantado
com mudas de alta qualidade por um dos viveiros líderes de Portugal.
A assessoria enológica de um dos mais brilhantes enólogos de
Portugal, o renomado “rei do Alvarinho” Anselmo Mendes - “Enólogo do Ano” pela
Revista de Vinhos de Portugal em 1997 - ao lado do talentoso enólogo Átila
Zavarizze, garante a excelência na transformação das uvas promissoras em
grandes vinhos brasileiros, com caráter e tipicidade.
Mais informações acesse:
http://www.vinicolahermann.com.br/
Referências:
“Marco Ferrari Sommelier”: https://www.marcoferrarisommelier.com.br/blog.php?BlogId=33
“Cave BR”: https://www.cavebr.com.br/serra-do-sudeste-1
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/a-nova-fronteira-sul_8619.html
“intelivino”: https://intelivino.com.br/serra-do-sudeste
Revista Adega: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/champenoise-tradicional-ou-classico-os-metodos-de-fazer-champagne_11987.html
“Garibaldi Blog”: https://www.garibaldiblog.com.br/post/degorgementperlageremuage