Já ouviu aquela série de discursos ou verdades absolutas
fincadas, obviamente, em preconceitos “condimentados” com posturas intolerantes
que vinho barato não presta, não entrega além de simplicidade e
inexpressividade? Não podemos negligenciar as opiniões diversificadas, mas
quando ela vem sem quaisquer fundamentos calcados na mais simples definição do
que consideramos como plausível, fica difícil aceitar certos comentários, por
mais diplomático e democrático que você seja. Eu sempre defenderei que todos os
vinhos têm a sua proposta, tem bem definido o que entrega: há vinhos complexos,
amadeirados, longevos, jovens, simples, caros, baratos etc. Há vinhos para
todos os bolsos, interesses, momentos. O vinho é democrático, senhores
leitores! Muito mais daqueles que o degusta, lamentavelmente.
Você pode seguir para uma proposta apenas, mas nunca em
detrimento da outra, penso. E quando há aquela promoção irresistível em
destaque avassalador com milhares de garrafas em destaque em um ponto do
supermercado? O “aristocrático do vinho” sente seus ossos tremerem de repulsa e
dizem que plena rejeição: “Esses vinhos não prestam, são horríveis, vejam o
preço baixo dele, tão baixo quanta a sua qualidade”! Pois é, eles podem parecer
irresistíveis, afinal, o preço baixo em um país como o nosso que o seu povo
passa fome, degustar um vinho barato é um momento singular primeiramente pelo preço.
Mas vos digo de coração e mente aberta que já tive o prazer,
a alegria e a surpresa de degustar muitos vinhos na faixa dos R$ 20 à R$ 30
que, diante da sua proposta, entregou maravilhosamente. Cabe a nós, enófilos,
ouvir e sentir o nosso coração, mesclando com a capacidade de discernimento
que, em tese, é inerente a raça humana e escolher bons vinhos com a famosa
relação custo X qualidade ou custo X benefício.
Estava, para variar, em minhas incursões nos supermercados da vida e avistei, ao longe, uma linha de rótulos muito conhecidas e vendidas em várias redes de mercado e lojas, tida como uma linha mais básica de rótulos, porém de um produtor renomado no Chile. Bem, meio desinteressado, confesso, fui até o vinho que estava em destaque no meio da loja. Aproximei-me, toquei o vinho em minhas mãos e vi o valor: R$ 17,90! Uau! Não acreditei que o valor estava tão baixo, mesmo se tratando de um vinho que, rotineiramente, está em promoção, mas não naquele valor tão baixo. Era um Pinot Noir chileno! Farei um adendo: Adoro os Pinots chilenos e argentinos, dentre os vinhos dessa casta no Novo Mundo. São vinhos vibrantes, um pouco mais potentes, embora expresse as características mais marcante da delicada e frutada Pinot Noir. A comprei! Mas queria logo abri-lo! E eis que surge a deliciosa satisfação em degusta-lo. A taça e os meus sentidos regozijavam de alegria! O vinho que degustei e gostei veio da famosa região do Vale do Aconcágua, no Chile, e é o 120 da casta Pinot Noir, safra 2018.
Não é a primeira vez que eu me surpreendo com essa linha de
rótulos mais básicos da Vinícola Santa Rita, tanto que já degustei o 120 Sauvignon Blanc e foi sensacional e isso pesou na minha escolha também. Então
antes de dissecar o vinho degustado falemos um pouco da importante região
vinícola do Chile: Vale Aconcágua.
Vale Aconcágua: acalentada pelo frio dos Andes
Aconcágua é uma das 5 principais regiões produtores de vinhos
no Chile. Sendo o Vale de Aconcágua, que fica a 65 km ao Norte de Santiago, uma
denominação de origem, DO, definida pelo sistema de apelação Chileno. Cercado
por montanhas, as capas de gelo dos Andes fornecem a água derretida, essencial
para os vinhedos do vale. O nome não tem nada a ver com a maior montanha das
Américas, o Aconcágua. Está relacionado com um pequeno rio que corre pelo vale
e serve de referência para o local. Fica a 60 minutos a noroeste de Santiago,
na direção da rodovia internacional que vai para Mendoza na Argentina. É uma
região de pequenas cidades, vilarejos, com estradas vicinais, com pouco tráfego
de veículos. Em todo o vale há vinícolas grandes, pequenas e familiares. A
produção de vinho nesta região representa cerca de 3% do total produzido no
Chile.
Pelo vale, além do rio, correm alguns riachos provenientes de
águas do desgelo. No verão, o rio Aconcágua é mais caudaloso, mesmo assim, a
região é muito seca. Chove muito pouco e a irrigação dos vinhedos é feita por
gotejamento. São mangueiras de plásticos, com pequenos furos, que vão gotejando
água diretamente no pé das cepas. O solo de todo o vale é de argila e pedras. A
amplitude térmica é grande, pode chegar a 28 graus de dia e cair para 5 graus à
noite. Como não há nuvens no céu para segurar o calor, à noite esfria bastante.
A colheita começa no fim do mês de Fevereiro e vai até o fim de Abril. Produzem
vinhos tintos monocasta e blends com várias uvas, mas as mais determinantes são
a Syrah, Pinot Noir, Cabernet Franc, Merlot e Cabernet Sauvignon. Os vinhos
brancos são produzidos principalmente com Chardonnay e Sauvignon Blanc. Aqui
também, como o terroir não é tão determinante, estão sempre plantando e fazendo
experiências de vinhos com várias castas.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um vermelho com tons violetas, típico da
casta, com um reluzente brilho e boa formação de lágrimas.
No Nariz se abrem aromas de frutas vermelhas como morango e
framboesa de uma forma delicada com notas de especiarias, diria ervas finas, um
toque herbáceo, além de um toque floral. Aromas frescos de frutas frescas,
muito atraentes e elegantes.
Na boca é suave, picante, elegante e sedoso, mas com alguma
estrutura reforçada pela sua suculência, ou seja, pelo volume de boca, com
taninos finos e acidez instigante, revelando seu frescor e jovialidade, com a
discreta, porém evidente presença da baunilha, graças a passagem do vinho,
parte dele, por barricas de carvalho por 2 meses, com um final frutado e
persistente.
A linha 120, como diz no site da vinícola, entrega, com
maestria, a simplicidade, a nobreza de entregar o vinho na sua expressão mais
genuína, sobretudo no tocante as características da cepa, um vinho leve,
fresco, para ser degustado jovem, de forma despretensiosa, desfrutando com
amigos e harmonizando com comidas leves como frituras, carnes brancas e massas
leves, sem condimentos fortes. Um vinho surpreendente! Um Pinot Noir, apesar de
ser básico e jovem, traz uma marcante personalidade, um vinho expressivo, mas
que não rejeição as mais essenciais fiéis características da Pinot Noir, tais
como a elegância e as agradáveis notas frutadas. Mas não há como não se render
a versatilidade dos “Pinots” chilenos: estrutura com delicadeza. Que a
democracia que emana dos rótulos dos vinhos, na sua diversidade de propostas,
inspirem a todos nós, humildes enófilos para que entendamos de uma vez por
todas que vinho é especial em todas as suas nuances e momentos. E esse 120
Pinot Noir sintetizou tudo isso de uma forma veemente. Tem 13,5% de teor
alcoólico muito bem integrado ao conjunto do vinho.
A história do rótulo “120”:
Em 1814, um grupo de soldados do movimento de independência,
após a Batalha de Rancágua, procurou abrigo e refúgio na Hacienda de Paine que
era uma propriedade agrícola que remonta antes mesmo da efetiva fundação da
Viña Santa Rita, em 1880. Paula Jaraquemada, proprietária e defensora do
movimento e ciente da proximidade dos espanhóis, protegeu os 120 soldados no
porão da sede da fazenda, salvando suas vidas. Não à toa, uma das principais
linhas da Santa Rita é o rótulo 120, em alusão aos soldados. Na ilustração
abaixo, do início do século XIX, mostra Paula Jaraquemada sendo interrogada por
soldados da Coroa Espanhola, em busca dos 120 soldados pró-independência.
A independência do Chile foi obtida em 1818, e a “Hacienda”
viveu dias tranquilos a partir de então. Os anos se passaram e, em paralelo, no
ano de 1880, o empresário chileno Domingos Fernández Concha fundara a Viña
Santa Rita.
Sobre a Viña Santa Rita:
A Vinícola Santa Rita foi fundada em 1880 por Domingo Fernández
Concha, destacado empresário e homem público da época. Dom Domingo introduziu
finas cepas francesas nos privilegiados solos do Vale do Maipo e incorporou
maquinaria especializada, o que somado à contratação de enólogos da mesma
nacionalidade lhe permitiu produzir vinhos com técnicas e resultados muito
superiores aos tradicionalmente obtidos no Chile, mudando a forma de elaborar
vinhos em nosso país. Desde o final do século XIX e até meados do decênio de
1970, a vinícola funcionou sob o controle da família García Huidobro, iniciando
com Dom Vicente García Huidobro, genro de Dom Domingo Fernández Concha, quem
continuou com o legado e ideais do fundador.
No ano de 1980 o Grupo Claro e a empresa Owens Illinois, principal
produtora de embalagens de vidro do mundo, adquirem parte do patrimônio da
Vinícola Santa Rita. A chegada do Grupo Claro significou um forte impulso para
a empresa. Na área produtiva foram introduzidos significativos avanços
tecnológicos e técnicas de elaboração de vinhos desconhecidos até então no
Chile. Da mesma forma, foi fortemente impulsionada a criação de novas linhas de
vinhos; no ano de 1982 inicia-se a linha 120 e em 1985 começa a exportação de
vinhos chilenos para distintos mercados do mundo. O crescimento da Santa Rita
ocorreu também a partir da aquisição de marcas de prestígio no mercado como
Carmen, em 1987. Em 1988, o Grupo Claro assume a propriedade total da Vinícola
Santa Rita. Inicia-se um período de grande expansão da vinícola,
transformando-se em sociedade anônima aberta em 1990. Seu crescimento se baseou
no forte impulso às exportações e na excelente reputação de seus vinhos, os
quais obtiveram importantes prêmios. Na década de 90 se iniciou investimentos
significativos em todos os processos. Em todos os processos, destacando-se a
área enológica, na qual foram incorporados novos equipamentos, tanques de aço
inoxidável e barris de carvalho francês e americano. Na área agrícola
consolidou-se a aquisição e plantação de mais de 1000 hectares nos mais
importantes vales da vitivinicultura chilena: Maipo, Colchagua e Casablanca. Os
mais de 135 anos nos quais a Vinícola Santa Rita tem trabalhado na elaboração
de vinhos lhe propiciaram acumular uma vasta experiência, que sem dúvida
repercute na qualidade de seus produtos, qualidade esta mantida inalterável com
o passar do tempo e que seguirá surpreendendo consumidores em cada canto do
mundo.
Mais informações acesse:
Referências:
“Blog do Milton”: http://www.blogdomilton.com.br/posts/2018/04/vale-de-aconcagua-vale-de-casablanca-pablo-neruda-chile/
“Loco por Vino”: https://www.locoporvino.com/blog/aconcagua-valley-aos-pes-da-cordillera-dos-andes-uma-das-regioes-produtoras-de-vinhos-mais-bonitas-do-chile