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quarta-feira, 31 de março de 2021

120 Pinot Noir 2018

 

Já ouviu aquela série de discursos ou verdades absolutas fincadas, obviamente, em preconceitos “condimentados” com posturas intolerantes que vinho barato não presta, não entrega além de simplicidade e inexpressividade? Não podemos negligenciar as opiniões diversificadas, mas quando ela vem sem quaisquer fundamentos calcados na mais simples definição do que consideramos como plausível, fica difícil aceitar certos comentários, por mais diplomático e democrático que você seja. Eu sempre defenderei que todos os vinhos têm a sua proposta, tem bem definido o que entrega: há vinhos complexos, amadeirados, longevos, jovens, simples, caros, baratos etc. Há vinhos para todos os bolsos, interesses, momentos. O vinho é democrático, senhores leitores! Muito mais daqueles que o degusta, lamentavelmente.

Você pode seguir para uma proposta apenas, mas nunca em detrimento da outra, penso. E quando há aquela promoção irresistível em destaque avassalador com milhares de garrafas em destaque em um ponto do supermercado? O “aristocrático do vinho” sente seus ossos tremerem de repulsa e dizem que plena rejeição: “Esses vinhos não prestam, são horríveis, vejam o preço baixo dele, tão baixo quanta a sua qualidade”! Pois é, eles podem parecer irresistíveis, afinal, o preço baixo em um país como o nosso que o seu povo passa fome, degustar um vinho barato é um momento singular primeiramente pelo preço.

Mas vos digo de coração e mente aberta que já tive o prazer, a alegria e a surpresa de degustar muitos vinhos na faixa dos R$ 20 à R$ 30 que, diante da sua proposta, entregou maravilhosamente. Cabe a nós, enófilos, ouvir e sentir o nosso coração, mesclando com a capacidade de discernimento que, em tese, é inerente a raça humana e escolher bons vinhos com a famosa relação custo X qualidade ou custo X benefício.

Estava, para variar, em minhas incursões nos supermercados da vida e avistei, ao longe, uma linha de rótulos muito conhecidas e vendidas em várias redes de mercado e lojas, tida como uma linha mais básica de rótulos, porém de um produtor renomado no Chile. Bem, meio desinteressado, confesso, fui até o vinho que estava em destaque no meio da loja. Aproximei-me, toquei o vinho em minhas mãos e vi o valor: R$ 17,90! Uau! Não acreditei que o valor estava tão baixo, mesmo se tratando de um vinho que, rotineiramente, está em promoção, mas não naquele valor tão baixo. Era um Pinot Noir chileno! Farei um adendo: Adoro os Pinots chilenos e argentinos, dentre os vinhos dessa casta no Novo Mundo. São vinhos vibrantes, um pouco mais potentes, embora expresse as características mais marcante da delicada e frutada Pinot Noir. A comprei! Mas queria logo abri-lo! E eis que surge a deliciosa satisfação em degusta-lo. A taça e os meus sentidos regozijavam de alegria! O vinho que degustei e gostei veio da famosa região do Vale do Aconcágua, no Chile, e é o 120 da casta Pinot Noir, safra 2018.

Não é a primeira vez que eu me surpreendo com essa linha de rótulos mais básicos da Vinícola Santa Rita, tanto que já degustei o 120 Sauvignon Blanc e foi sensacional e isso pesou na minha escolha também. Então antes de dissecar o vinho degustado falemos um pouco da importante região vinícola do Chile: Vale Aconcágua. 

Vale Aconcágua: acalentada pelo frio dos Andes

Aconcágua é uma das 5 principais regiões produtores de vinhos no Chile. Sendo o Vale de Aconcágua, que fica a 65 km ao Norte de Santiago, uma denominação de origem, DO, definida pelo sistema de apelação Chileno. Cercado por montanhas, as capas de gelo dos Andes fornecem a água derretida, essencial para os vinhedos do vale. O nome não tem nada a ver com a maior montanha das Américas, o Aconcágua. Está relacionado com um pequeno rio que corre pelo vale e serve de referência para o local. Fica a 60 minutos a noroeste de Santiago, na direção da rodovia internacional que vai para Mendoza na Argentina. É uma região de pequenas cidades, vilarejos, com estradas vicinais, com pouco tráfego de veículos. Em todo o vale há vinícolas grandes, pequenas e familiares. A produção de vinho nesta região representa cerca de 3% do total produzido no Chile.

O Chile e o Vale Aconcágua

Pelo vale, além do rio, correm alguns riachos provenientes de águas do desgelo. No verão, o rio Aconcágua é mais caudaloso, mesmo assim, a região é muito seca. Chove muito pouco e a irrigação dos vinhedos é feita por gotejamento. São mangueiras de plásticos, com pequenos furos, que vão gotejando água diretamente no pé das cepas. O solo de todo o vale é de argila e pedras. A amplitude térmica é grande, pode chegar a 28 graus de dia e cair para 5 graus à noite. Como não há nuvens no céu para segurar o calor, à noite esfria bastante. A colheita começa no fim do mês de Fevereiro e vai até o fim de Abril. Produzem vinhos tintos monocasta e blends com várias uvas, mas as mais determinantes são a Syrah, Pinot Noir, Cabernet Franc, Merlot e Cabernet Sauvignon. Os vinhos brancos são produzidos principalmente com Chardonnay e Sauvignon Blanc. Aqui também, como o terroir não é tão determinante, estão sempre plantando e fazendo experiências de vinhos com várias castas.

E agora finalmente o vinho!

Na taça apresenta um vermelho com tons violetas, típico da casta, com um reluzente brilho e boa formação de lágrimas.

No Nariz se abrem aromas de frutas vermelhas como morango e framboesa de uma forma delicada com notas de especiarias, diria ervas finas, um toque herbáceo, além de um toque floral. Aromas frescos de frutas frescas, muito atraentes e elegantes.

Na boca é suave, picante, elegante e sedoso, mas com alguma estrutura reforçada pela sua suculência, ou seja, pelo volume de boca, com taninos finos e acidez instigante, revelando seu frescor e jovialidade, com a discreta, porém evidente presença da baunilha, graças a passagem do vinho, parte dele, por barricas de carvalho por 2 meses, com um final frutado e persistente.

A linha 120, como diz no site da vinícola, entrega, com maestria, a simplicidade, a nobreza de entregar o vinho na sua expressão mais genuína, sobretudo no tocante as características da cepa, um vinho leve, fresco, para ser degustado jovem, de forma despretensiosa, desfrutando com amigos e harmonizando com comidas leves como frituras, carnes brancas e massas leves, sem condimentos fortes. Um vinho surpreendente! Um Pinot Noir, apesar de ser básico e jovem, traz uma marcante personalidade, um vinho expressivo, mas que não rejeição as mais essenciais fiéis características da Pinot Noir, tais como a elegância e as agradáveis notas frutadas. Mas não há como não se render a versatilidade dos “Pinots” chilenos: estrutura com delicadeza. Que a democracia que emana dos rótulos dos vinhos, na sua diversidade de propostas, inspirem a todos nós, humildes enófilos para que entendamos de uma vez por todas que vinho é especial em todas as suas nuances e momentos. E esse 120 Pinot Noir sintetizou tudo isso de uma forma veemente. Tem 13,5% de teor alcoólico muito bem integrado ao conjunto do vinho.

A história do rótulo “120”:

Em 1814, um grupo de soldados do movimento de independência, após a Batalha de Rancágua, procurou abrigo e refúgio na Hacienda de Paine que era uma propriedade agrícola que remonta antes mesmo da efetiva fundação da Viña Santa Rita, em 1880. Paula Jaraquemada, proprietária e defensora do movimento e ciente da proximidade dos espanhóis, protegeu os 120 soldados no porão da sede da fazenda, salvando suas vidas. Não à toa, uma das principais linhas da Santa Rita é o rótulo 120, em alusão aos soldados. Na ilustração abaixo, do início do século XIX, mostra Paula Jaraquemada sendo interrogada por soldados da Coroa Espanhola, em busca dos 120 soldados pró-independência.

A independência do Chile foi obtida em 1818, e a “Hacienda” viveu dias tranquilos a partir de então. Os anos se passaram e, em paralelo, no ano de 1880, o empresário chileno Domingos Fernández Concha fundara a Viña Santa Rita.

Sobre a Viña Santa Rita:

A Vinícola Santa Rita foi fundada em 1880 por Domingo Fernández Concha, destacado empresário e homem público da época. Dom Domingo introduziu finas cepas francesas nos privilegiados solos do Vale do Maipo e incorporou maquinaria especializada, o que somado à contratação de enólogos da mesma nacionalidade lhe permitiu produzir vinhos com técnicas e resultados muito superiores aos tradicionalmente obtidos no Chile, mudando a forma de elaborar vinhos em nosso país. Desde o final do século XIX e até meados do decênio de 1970, a vinícola funcionou sob o controle da família García Huidobro, iniciando com Dom Vicente García Huidobro, genro de Dom Domingo Fernández Concha, quem continuou com o legado e ideais do fundador.  No ano de 1980 o Grupo Claro e a empresa Owens Illinois, principal produtora de embalagens de vidro do mundo, adquirem parte do patrimônio da Vinícola Santa Rita. A chegada do Grupo Claro significou um forte impulso para a empresa. Na área produtiva foram introduzidos significativos avanços tecnológicos e técnicas de elaboração de vinhos desconhecidos até então no Chile. Da mesma forma, foi fortemente impulsionada a criação de novas linhas de vinhos; no ano de 1982 inicia-se a linha 120 e em 1985 começa a exportação de vinhos chilenos para distintos mercados do mundo. O crescimento da Santa Rita ocorreu também a partir da aquisição de marcas de prestígio no mercado como Carmen, em 1987. Em 1988, o Grupo Claro assume a propriedade total da Vinícola Santa Rita. Inicia-se um período de grande expansão da vinícola, transformando-se em sociedade anônima aberta em 1990. Seu crescimento se baseou no forte impulso às exportações e na excelente reputação de seus vinhos, os quais obtiveram importantes prêmios. Na década de 90 se iniciou investimentos significativos em todos os processos. Em todos os processos, destacando-se a área enológica, na qual foram incorporados novos equipamentos, tanques de aço inoxidável e barris de carvalho francês e americano. Na área agrícola consolidou-se a aquisição e plantação de mais de 1000 hectares nos mais importantes vales da vitivinicultura chilena: Maipo, Colchagua e Casablanca. Os mais de 135 anos nos quais a Vinícola Santa Rita tem trabalhado na elaboração de vinhos lhe propiciaram acumular uma vasta experiência, que sem dúvida repercute na qualidade de seus produtos, qualidade esta mantida inalterável com o passar do tempo e que seguirá surpreendendo consumidores em cada canto do mundo.

Mais informações acesse:

https://www.santarita.com/pt/

Referências:

“Blog do Milton”: http://www.blogdomilton.com.br/posts/2018/04/vale-de-aconcagua-vale-de-casablanca-pablo-neruda-chile/

“Loco por Vino”: https://www.locoporvino.com/blog/aconcagua-valley-aos-pes-da-cordillera-dos-andes-uma-das-regioes-produtoras-de-vinhos-mais-bonitas-do-chile