Estava eu em uma das minhas inúmeras incursões aos
supermercados para garimpar algum vinho interessante cujo preço não impacte
tanto no bolso já combalido. Na realidade estava querendo alguma novidade
também em termos de proposta de vinho. Algo novo e diferente em meu simples e
humilde currículo de enófilo, talvez uma casta pouco conhecida, uma região
pouco comentada, um vinho que me entregasse algo pouco usual tão comum nos
supermercados. E, olhando um pouco mais de detalhe achei, jogado na parte mais
baixa da gôndola, entregue a própria sorte, um vinho empoeirado, com um preço
até atrativo, em torno dos seus R$ 19,00 e, nesse quesito já me chamou a
atenção. Tomei o mesmo em minha mãos e olhando um pouco mais percebi que era de
uma vinícola tradicional da Espanha, de uma região que nunca havia degustado um
vinho sequer e duas castas que nunca tinha ouvido falar. Pronto! Era tudo o que
eu precisava! Atendia as minhas necessidades de momento! Levei!
Não demorei muito para abri-lo e quando o desarrolhei fiquei
preocupado, receoso, afinal, a safra era um tanto quanto “antiga” para um
vinho, 2014, talvez se justificasse o preço por esse motivo, mas quando o servi
na taça e levei à boca me surpreendi de uma forma que jamais esperaria!
Fantástico vinho, incrível rótulo! O vinho que degustei e gostei veio, como
disse da Espanha, da região da Catalunha, e se chama Viña Brava um corte das
castas Parellada e Garnacha Blanca. Mas antes de falar entusiasticamente do
vinho, falarei um pouco dessas castas “novas” para mim, bem como da região da
Catalunha.
Parellada
A uva Parellada, nativa da Catalunha, é cultivada
exclusivamente em sua região de origem e participa da composição do prestigiado
vinho espumante Cava. Conhecida também como Montonec ou Montonega, essa
variedade de uva é cultivada nas montanhas do Alto Penedès, a 600 metros acima
do nível do mar. A Parellada atinge o ápice qualitativo quando cultivada em
grandes altitudes, onde as baixas temperaturas favorecem sua acidez natural e
necessita de um período maior de tempo para desenvolver todos os seus compostos
aromáticos. Essa variedade é utilizada, principalmente, na fabricação de alguns
dos melhores espumantes espanhóis, o Cava, ao lado das uvas Xarel-lo e Macabeo.
A Parellada, considerada a uva mais elegante e refinada entre as três
variedades, é responsável por adicionar acidez e frescor aos exemplares. Os
vinhos elaborados a partir da uva Parellada apresentam aromas florais e
cítricos, além de serem exemplares extremamente delicados, ricos em acidez,
aromáticos, com coloração brilhante e contam com a presença de um baixo teor
alcoólico.
Garnacha Blanca
Nativa do norte da Espanha, a Grenache Blanc é mais conhecida
por fazer parte da composição de excelentes vinhos brancos franceses, em
especial, o tradicional vinho Chateauneuf-du-Pape. Conhecida como Garnacha
Branca na Espanha, ela é uma variante branca da casta Grenache Noir e já foi
uma das castas mais importantes da França, até perder o posto de quarta uva
mais plantada no país para a Sauvignon Blanc (atrás da Ugni Blanc, Chardonnay e
Sémillon). Essa variedade dá origem a vinhos com coloração dourada e está sendo
cada vez mais utilizada na elaboração de excelentes varietais, no entanto,
encontramos a Grenache Blanc com maior facilidade em blends, por ser uma uva
extremamente aromática, exibindo aromas frutados de maçã verde e melão e
adicionando características típicas do ambiente em que foi cultivada ao
resultado final de qualquer vinho.
Catalunha
A região da Catalunha, no norte da Espanha, é a área vinícola
com maior número de DOs (Denominação de Origem) do país. Entre as mais
importantes encontram-se Costers del Segre, Montsant e Penedès, além da
reputada DOC Priorato, a segunda mais reconhecida na Espanha. Lar do famoso
espumante espanhol Cava, a região da Catalunha possui solos chamados de
'licorella' e apresenta um baixo índice pluviométrico, fazendo com que as
videiras apresentem baixa produtividade e as uvas tornem-se muito concentradas.
Consequentemente, os vinhos elaborados na região possuem coloração tinta
profunda, excelente textura e taninos finos.
Catalunha
É em Penedès Central, na região espanhola de Sant Saurndí
d’Anoia, que ocorre a elaboração do famoso Cava, vinho espumante produzido pelo
método tradicional com, no mínimo, nove meses de contato com as leveduras.
Diferentes uvas podem integrar a composição do vinho Cava, classificando os
exemplares entre os estilos branco ou rosado, que também variam em nível de
doçura. Apesar de utilizarem-se métodos de produção similares, o sabor encontrado
no Cava é diferente do Champagne, principalmente pela distinção das uvas
utilizadas: enquanto um é produzido a partir das uvas Pinot Meunier, Chardonnay
e Pinot Noir, o Cava é elaborado com as castas Parellada, Macabeo e Xarel-lo. Já
a região do Priorato é conhecida por ter recebido o título máximo de
denominação espanhola, elaborando vinhos com castas autóctones cultivadas na
Catalunha. Outra região vinícola importante é Montsant, lar de alguns dos
melhores e mais renomados produtores da Espanha e a denominação de origem mais
nova da Catalunha, regulamentada somente em 2001.
E finalmente o vinho!
Na taça apresenta um amarelo com reflexos dourados, vivo e
brilhante com pouca incidência de lágrimas.
No nariz, apesar da safra “antiga” para um vinho branco com
essa proposta, ainda estava pleno e vivo, apresentando frescor e muito frutado,
com notas de abacaxi, maça verde e pera.
Na boca é muito fresco, com notas joviais e muita elegância,
se mostrando redondo e equilibrado, reproduzindo a fruta com evidência para
maçã verde e abacaxi, com acidez correta e um final longo e persistente.
Um vinhaço muito bem produzido e mostrando a relevância
tradicional da Família Torres na Espanha. Harmoniza muito bem com carne branca,
peixes e frituras ou simplesmente sozinho. Um vinho descontraído, informal e
ainda muito jovem. Acho que o degustei no tempo certo. Tem 11,5% de teor
alcoólico.
Sobre a Familia Torres:
Falar da vinícola Torres é falar de um império que impõe
respeito no mundo dos vinhos. Com mais de 1.300 hectares de território
plantado, a Torres é hoje a maior vinícola da Espanha. Sua reputação lhe
conferiu inúmeras premiações, como a de melhor vinícola européia do ano,
promovida pela revista “Wine Enthusiast” em 2006. A Família Torres administra
também a Miguel Torres no Chile e a Marimar Estate nos Estados Unidos. Fundada em
1870, em Penedés, a nordeste da Espanha, a vinícola Torres nasceu de uma
parceria entre dois irmãos de uma família que desde o século XVII cultivava
vinhas, mas sem apelo comercial. Jaime Torres era o irmão que dominava o
comércio com as Américas, enquanto Miguel Torres dominava a produção de vinhos.
Juntos começaram o negócio familiar focados no mercado externo, vendendo seus
vinhos em barris, sem imaginar a dimensão que a Torres tomaria. A vinícola logo
começou a ganhar visibilidade e recebeu ilustres visitas em sua sede, como a do
rei Afonso XIII em 1904. Poucos anos depois, já na segunda geração da família,
nasceu a primeira marca da Família Torres: a Coronas, marca que deu fama
mundial à vinícola e que é reconhecida até os dias de hoje. Essa mesma geração
foi também responsável pelo início da produção de brandies, o vinho fortificado
da Torres. Tamanha fora sua aceitação e sucesso no mercado externo que tornou a
Torres a maior exportadora de brandy do país. Os negócios iam bem, até que veio
a guerra civil espanhola e em 1939 a vinícola foi parcialmente destruída por um
bombardeio. Ao fim da guerra, iniciou-se a reconstrução da vinícola e os vinhos
passaram a ser vendidos pela primeira vez em garrafas. Nos anos seguintes,
nasceram marcas como Sangre de Toro, produto de entrada da Torres produzido a
partir de Garnacha e Cariñena, e Viña Sol, feito a partir das castas Parellada
e Garnacha Blanca com uma proposta de frescor. Próximo ao centenário, a
vinícola aderiu à vitivinicultura moderna, começou a cultivar variedades
estrangeiras, como a Cabernet Sauvignon e a Chardonnay e a utilizar tanques de
inox para a fermentação. Em 1979, a Torres expandiu seus negócios para outros
territórios. Nasceu a Miguel Torres no Chile e alguns anos depois, a Marimar
Estates em Sonoma, nos Estados Unidos. Seus vinhos traduzem a tradição e o
conhecimento da família aliados à riqueza do terroir dessas regiões. Na
Espanha, a Torres ampliou seu negócio para outras terras e está hoje em regiões
como Ribera Del Duero, Rioja, Jumilla, Toro, Rueda, Priorato e Penedés,
produzindo uma variedade de castas autóctones, como Tempranillo, Monastrell,
Garnacha e Cariñena e castas internacionais, como Syrah, Merlot, Sauvignon
Blanc e Riesling. Sua produção chega a atingir mais de 40 milhões de litros por
ano e seus vinhos estão presentes em mais de 140 países. Reputação deste
império que é a vinícola Torres a tornou um ponto turístico muito procurado por
amantes do vinho de diversos países, chegando a receber mais de 130.000
visitantes por ano somente na sede de Penedés. Se você estiver na Espanha e
tiver a oportunidade de visitar, vale gastar algumas horas desfrutando de seus
vinhos, ampliando seu conhecimento sobre esta marca histórica e apreciando a
natureza incrível no entorno de suas sedes. São três os locais que permitem
visitação: a sede de Penedés (Parcs Del Penedés), principal local de visitação,
a vinícola de El Lloar no Priorato e o Castelo de Milmanda, em Conca de
Barberà.
Mais informações acesse:
Fontes pesquisadas sobre as castas e a região:
Mistral, em:
Degustado em: 2019