Malbec é um nome forte,
sua sonoridade chama a atenção de todos, mas de que mesmo se trata? Este nome
foi dado a quem primeiro identificou esta uva, um viticultor húngaro chamado
Malbek, que ajudou a espalhar a cepa pela Europa.
Comemorado pela primeira vez em 17 de abril de 2011, o Dia
Mundial do Malbec, conhecido como “Malbec World Wine” é uma iniciativa global
criada pela Wines of Argentina que busca posicionar o Malbec argentino como um
dos mais importantes do mundo e comemorar o sucesso da indústria vinícola
nacional. Esse evento histórico e cultural que promove, globalmente, contou, na
sua primeira edição, com a participação de mais de 72 eventos, em 45 cidades de
36 países diferentes.
Cahors: a pátria mãe
Embora a Malbec tenha conquistado a Argentina foi na França
que nasceu. Abrangendo uma região que se estende de Bergerac aos Pirineus
(cordilheira que separa a França da Espanha), essa porção de terra, conhecida
também como Gasconha, possui a maior diversidade de castas vitivinícolas de
todo o território francês. Além da Malbec - mais conhecida por Auxerrois e Côt
Noir - encontram-se por lá a Tannat, a Fer Servadou, a Negrette, a Duras, a
Petit Manseng, a Gros Manseng, a Mauzac e várias outras. Isso se citarmos
apenas as uvas tintas, que representam 80% da produção regional. Os vinhedos se
espalham pelas subregiões de Madiran (Tannat principalmente), Tursan, Bergerac,
Côtes de Bergerac, Côtes du Marmandais, Monbazillac, Gaillac, Fronton, Cahors e
outras menos importantes. Por elas, correm os rios Lot, Cahors, Bergerac, Gaillac,
Fronton, Puzat e Marmandais, a maioria deles tributários do estuário do rio
Gironda.
Seus vinhedos acompanham o caminho desses rios. Parte do
sudoeste francês e bem próxima à Bordeaux, Cahors sofreu forte influência de
seu poderoso vizinho em sua dramática história. O vinhedo foi criado pelos
romanos e, durante a Idade Média, seu prestígio teve expressivo crescimento. O
casamento de Eleanor de Aquitânia com Henrique II, rei da Inglaterra, abriu as
portas do grande mercado consumidor inglês, antes dominado pelos vinhos de
Bordeaux. No entanto, os poderosos produtores e comerciantes bordaleses,
sentindo-se ameaçados, mobilizaram-se para pressionar Londres e conseguiu
arrancar do rei da Inglaterra alguns privilégios exorbitantes, o que resultou
num duro golpe para os produtores gascões. Além de sofrerem pesada taxação, os
vinhos do sudoeste só podiam chegar à capital inglesa depois que toda a
produção bordalesa estivesse vendida. Tal regra durou cinco séculos (foi
interrompida apenas em três curtos períodos) e o vinho da região sentiu o
golpe. Esta conduta só foi abolida em 1776, pelo liberal ministro de finanças
de Luís XVI, Jacques Turgot, quando se iniciou um novo ciclo dourado dos
fermentados de Cahors. Apesar da Revolução Francesa e das guerras do Império já
no século XIX, 75% do vinho da região era exportado e um terço das terras
agricultáveis era dedicado à vinha, que cobria a impressionante área de 40 mil
hectares. A região enfrentou bem a praga do oídio (de 1852 a 1860) e a
superfície plantada subiu ainda mais, chegando a 58 mil ha. Para se ter uma
ideia da queda que viria mais tarde, a área do vinhedo de Cahors hoje é de
apenas 4.200 ha. Mas o território teve pior sorte ao enfrentar a filoxera no
final do século XIX. Como se sabe, todos os vinhedos atacados no mundo tiveram
de ser replantados, desta vez, de forma enxertada. Então, as vinhas de Malbec
reagiram muito mal a esta nova situação, dando origem a fermentados medíocres,
com qualidade muito abaixo da que tinha anteriormente. Apenas no final dos anos
1940, depois de muita pesquisa, chegou-se ao clone 587 da Malbec, que teve
muito boa adaptação. Assim se retomou, então, sua marcha ascendente até
chegarmos a 1971, quando Cahors é declarada região AOC (Appellation d'Origine
Contrôlée, denominação de origem controlada). A região está renascendo.
A chegada da Malbec na Argentina
Mas por que o dia 17 de abril foi escolhido para celebrar a
Malbec pelo mundo?
Assim como no Brasil, os primeiros exemplares de vitis
vinifera, a uva própria para produção de vinho, chegaram na Argentina no início
do século XVI junto com os seus colonizadores. No entanto, foi só em 1551 que o
cultivo da uva se espalhou por toda a região. As condições climáticas e o solo
dos arredores dos Andes favoreceram muito a agricultura dos vinhedos e,
impulsionada pelos monastérios que precisam produzir vinho para a celebração
das missas.
Junto com a cultura espanhola desembarcou na Argentina uma
forte tradição católica, e a vitivinicultura se beneficiou enormemente de
ambas. No século XIX
chegou à região uma nova onda de imigrantes europeus que trouxeram em suas
bagagens novas cepas estrangeiras e muita tradição na produção de vinhos, como
os italianos. Os europeus recém-chegados encontraram em Los Andes e no Vale de
Rio Colorado os locais ideais para começar o seu próspero cultivo, e ali se
estabeleceram. Entre 1850 e 1880 a produção de vinhos argentinos começou a
mudar de forma. Com a integração do país à economia mundial, a chegada da
industrialização e a abertura de múltiplas ferrovias cortando a região, o que
antes era uma agricultura voltada para a produção de vinhos tomou forma de uma
indústria do vinho.
Em 1853 foi criada a Quinta Normal de Agricultura de Mendoza,
a primeira escola de agricultura do país, por meio da qual novas técnicas de
cultivo de vinhedos foram implementados na região, como o uso de máquinas e
modernas metodologias científicas. O seu fundador foi, claro, um francês,
chamado Michel Aimé Pouget, conhecido também por Miguel Amado Pouget.
Michel Pouget: o homem por trás da Malbec argentina
Michel Aimé Pouget ou Miguel Amado Pouget nasceu na França em
1821. O engenheiro agrônomo emigrou primeiro para o Chile e depois para Mendoza, na Argentina.
No Chile trabalhou em Villuco, na propriedade de José
Patricio Larraín Gandarillas, que apresentou todas as notícias europeias e americanas
em questões agrícolas em sua terra natal. Sua fazenda chamada Peñaflor era um
verdadeiro livro de amostra aplicado ao trabalho da terra. Já em 1844, ele teve
a glória de trazer de Milão (Itália), vinte e cinco colmeias, das quais apenas
duas chegaram com abelhas. Este estabelecimento escasso foi a base da
apicultura chilena e depois da Mendocina. Gandarillas contratou os serviços do
especialista apicultor D. Carlos Bianchi para restaurar seu apiário punido e
colocar o sábio agricultor Miguel Amado Pouget à frente de suas plantações. Pouget
realizou milagres nas propriedades de Larraín Gandarillas, Santiago do Chile e
Villuco. Ele fez extensas plantações de acordo com os mais recentes avanços da
ciência francesa e introduziu inúmeras variedades em horticultura, jardinagem e
arboricultura.
Em 1852, o presidente da Argentina à época, Domingo Faustino Sarmiento
se estabeleceu em Mendoza e propôs ao governador Pedro Pascual Segura a
contratação do engenheiro agrônomo francês Michel Aimé Pouget. Ele próprio
aceitou a proposta e se estabeleceu em Mendoza, em 1853. Modelada na França, a
iniciativa propunha a adição de novas variedades de uvas como um meio de
melhorar a indústria vinícola nacional. Em 17 de abril de 1853, com o apoio do
governador de Mendoza, foi apresentado um projeto ao
Legislativo Provincial, com o objetivo de estabelecer uma Escola Agrícola e Quinta
Normal. Este projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 6 de setembro do
mesmo ano. Portanto, Pouget plantou em Mendoza com Justo Castro inúmeras
variedades de uvas originárias de seu país de origem: entre elas estava o
Malbec, uma variedade que os antigos viticultores gostaram muito pelo seu alto
rendimento, sua saúde, e a boa cor de seus vinhos e o Cabernet Sauvignon, Merlot,
Semillon, Sauvignon Blanc, Chardonnay, Riesling e outros.
No final do século XIX, com a ajuda de imigrantes italianos e
franceses, a indústria do vinho cresceu exponencialmente e, com ela, a Malbec,
que rapidamente se adaptou aos vários terroirs e se desenvolveu com resultados
ainda melhores do que em sua região de origem. Assim, com o tempo e com muito
trabalho, surgiu como a principal uva da Argentina.
A consolidação da Malbec e da indústria vitivinícola da
Argentina
Para se ter uma ideia do crescimento da produção de vinho
argentino nessa época, em 1873 o país contava com apenas 2.000 hectares de
vinhedos, enquanto em 1990 a área cultivada chegou a 210.371 hectares. O
sucesso exponencial da cepa aconteceu também após o início da década de 1990,
sendo que em um período de 20 anos, até 2009, suas áreas de cultivo cresceram
173%, passando de 10 mil hectares para 28 mil hectares (hoje já são 33 mil). Do
total, 26 mil hectares marcam presença em Mendoza, principal região
vitivinícola do país, seguido por San Juan (1,9 mil hectares), Salta (702
hectares), Neuquén (587 hectares), La Rioja (523 hectares) e outras. Presente
em praticamente todo o país, a uva emblemática da Argentina produz vinhos de
diferentes estilos e com características que variam a cada terroir. Via de
regra, pode esperar aromas de ameixas maduras e o frescor de folhas de menta de
um típico exemplar. A Malbec também é famosa por seus vinhos encorpados,
repletos de taninos potentes (usualmente amaciados pelo estágio em carvalho).
A região de Luján de Cuyo foi a primeira a ter uma
denominação de origem controlada (DOC) nas Américas para a casta Malbec. Embora
vigore há décadas a denominação de origem foi reconhecida oficialmente em 2005. Os vinhos produzidos sob esse rótulo são elaborados com Malbec, e
procedentes da zona de Luján de Cuyo, na província de Mendoza. De cor muito
intensa e escura, vermelho cereja, o Malbec Luján de Cuyo pode chegar a parecer
quase preto, e tem aromas de frutas negras e de especiarias doces, com forte
expressão mineral. Como o conceito de denominação de origem não é tão forte na
produção de vinhos do Novo Mundo, onde o que costuma dominar é o conceito de
classificação de vinhos conforme a composição, e não conforme o terroir, ainda
são poucas as vinícolas que produzem vinhos rotulados como Malbec Luján de
Cuyo.
O dia 17 de abril é, para Vinhos da Argentina, não apenas um
símbolo da transformação da indústria vinícola argentina, mas também o ponto de
partida para o desenvolvimento desta uva, um emblema para o nosso país em todo
o mundo.
Fontes:
Site Wines of
Argentina, em:
Site El Malbec, em:
Site Vinos y Vides, em:
Sites Mulheres Empreendedoras, em:
Site Tintos & Tantos, em:
Site Grand
Cru, em:
Site Revista Adega, em: