No dia 20 de maio de 2017 eu participei de um dos melhores
festivais de degustação que privilegia os vinhos brasileiros que esse país viu
nesses últimos anos. É fato que, nesses últimos anos, o número de eventos de
degustações de vinho tem aumentado, diria, significativamente. A oferta era
baixa e hoje temos boas opções de eventos nos seus diversos formatos e opções
de adesão. Mas é preciso, em minha opinião, democratizar esses eventos, para
que os mesmos cheguem a todos os públicos, independentemente da classe social. Se
quisermos democratizar é preciso baratear os ingressos que estão muito altos. Situações
como essa só segmenta ainda mais um mercado que, por conta de problemas como
esse (sim, é uma problema!), só a classe média alta participa.
Mas confesso que, além de ter me animado na época, de
participar desse festival de degustação por ser direcionado aos rótulos
brasileiros, o seu valor estava bem acessível ao bolso, fazendo valer a pena o
investimento.
O Festival Vinho na Vila é projeto idealizado pela Larissa Fin em 2016 tendo a promoção de pequenas e médias vinícolas brasileiras e
patrocinada pela IBRAVIN (Instituto Brasileiro do Vinho), com apoio
institucional do “Vinhos do Brasil” e Governo do Estado do Rio Grande do Sul. É
acompanhado de música, palestra, comida e degustação, acontecendo em várias
cidades brasileiras. O evento tem como primordial objetivo oferecer ao público
a oportunidade de conhecer e degustar alguns dos melhores vinhos e espumantes
de produção nacional.
No ano de 2017 no Rio de Janeiro, foi realizado no Prédio
Touring, na Praça Mauá, nos dias 19, 20 e 21 de maio. Durante os três dias de
evento o Vinho na Vila contou com uma programação cultural especialmente
pensada para a ocasião, incluindo palestras com temas relacionados ao secreto
mundo dos vinhos, som ao vivo com apresentações de bandas de MPB, Jazz e Blues
e atrações para os pequenos. Por sorte no dia que escolhi 20 de maio, em um
sábado, chuvoso, mas que não me desestimulou nem um pouco, estava rolando um
jazz e blues que embalou as ótimas degustações.
Entre as vinícolas confirmadas até o momento estão a Bueno
Wines (Campanha - RS), Casa Perini (Vale dos Vinhedos - RS), Dal Pizzol (Vale
dos Vinhedos - RS), Torcello (Vale dos vinhedos - RS), Pericó (Serra
Catarinense - SC), Panizzon (Serra Gaúcha - RS), Aracuri (Serra Gaúcha - RS),
Garibaldi (Serra Gaúcha - RS), Pizzato (Serra Gaúcha - RS), Don Giovanni (Serra
Gaúcha - RS), Monte Paschoal (Serra Gaúcha - RS), Gallon Sucos, exclusiva de
sucos de uva (Serra Gaúcha - RS), Rio Sol (Pernambuco - PE), Maximo Boschi
(Bento Gonçalves - RS), Giaretta (Guaporé - RS), Vinhos Batalha (Campanha -
RS), Maria Maria (MG) e Velho Amâncio (Santa Maria - RS).
As degustações
Iniciei as minhas degustações no evento com a excelente
Vinícola Torcello, que já conhecia de outras ocasiões, de outros eventos e tive
o prazer de reencontrar seus rótulos no Vinho na Vila. A Vinícola Torcello foi
fundada no ano de 2000 por Rogério Carlos Valduga, quarta geração da Família
Valduga, e filho de Remy Valduga (viticultor, escritor e bisneto de Marco). A
Torcello surgiu do fascínio de Rogério pela vitivinicultura e pelo seu desejo
de resgatar a tradição da família, a qual elaborava vinho de maneira totalmente
artesanal no próprio porão de casa para consumo próprio.
O primeiro a ser degustado foi o Torcello Tannat, que já
havia degustado em um evento anterior, mas, claro, não poderia deixar de lado e
degustei de novo, o da safra 2014. Continua maravilhoso: Aromas de frutas
negras e vermelhas, toque agradável de especiarias, taninos firmes e presentes
e boa acidez. Um belo e estruturado Tannat.
Logo em seguida veio o Torcello Merlot da safra 2015. Esse
foi uma novidade para mim, muita fruta, um vinho fresco, com bom volume de
boca, jovem, aromas de frutas vermelhas em compota. Excelente Merlot brasileiro
com muita tipicidade!
Fechei, em grande estilo, com o Torcello Cabernet Sauvignon,
também da safra 2015. Arrebatador! Encorpado, frutas negras, um toque, muito
bem integrado da madeira, taninos gordos e presentes. Um vinhaço! Esse eu não
deixei passar, levei para casa uma garrafa!
E como não pode faltar a degustações de espumantes, avistei
ao longe o stand da vinícola Velho Amâncio e estava tão movimentada que decidi
conferir. A história da Velho Amâncio começa há mais de 100 anos, ainda no
século XIX, quando Amâncio Pires de Arruda, de origem portuguesa, chegou em
Santa Maria e por aqui resolveu se estabelecer, nas terras onde ainda hoje
encontram-se os vinhedos e a vinícola. Os anos passaram, a cidade cresceu,
Itaara tornou-se município e seu neto, Rubens Fogaça, no ano de 1986 iniciou a
produção de vinhos no vale onde Amâncio Pires de Arruda havia se estabelecido
com a família. Em 1999, a vinícola passa por uma modernização, os vinhedos
varietais foram implantados e a qualidade aumentou. Atualmente, a vinícola
produz vinhos finos e espumantes em pequena escala e possui vinhedos de uvas
finas, conduzidos em espaldeira.
Comecei com o Vivelam Rosé. Apesar de ser um demi-sec, que
não me agrada muito, me surpreendeu positivamente, não tendo aquele doce
enjoativo, sendo até muito agradável em boca, aromas de frutas, leve e
refrescante. Os espumantes dessa linha ão elaborados utilizando o método
tradicional de fermentação na garrafa (Champenoise).
Depois, com o atendimento muito simpático e atencioso, dos
herdeiros da vinícola, ele me indicou o brut, depois que falei que era fã dessa
proposta de espumantes. Esse também foi arrebatador e, como o Torcello Cabernet
Sauvignon, não pude deixar de levar. Ótima acidez, leve, fresco, com certa
untuosidade, cremoso. Delicioso espumante!
Depois segui para a Casa Perini. Lá estava mais “versátil”,
ou seja, tinha tintos e brancos de todas as propostas, espumantes, etc. A
história da Casa Perini começa em 1929 quando o filho de imigrantes italianos
João Perini começou a elaborar seus primeiros vinhos de forma artesanal no
porão de sua casa, quando os fornecia para cerimônias festivas da comunidade
local, no Vale Trentino, em Farroupilha.
Comecei com os tintos. Primeiro, por recomendação do
representante da vinícola, degustei o Arbo da casta Maselan. Ele havia dito que
o custo x benefício era ótimo e que estava tendo uma ótima saída no evento. Mas
confesso que me chamou a atenção por conta da casta que não havia degustado até
então. A linha “Arbo” é básica do produtor mas que não fica atrás e esse
Marselan era muito interessante. Seco, frutado, com alguma estrutura e bem
aromático me ganhou: O comprei! Depois degustei o Casa Perini Solidário, um
corte das castas Cabernet Sauvignon e Merlot de 2015. Encorpado, amadeirado,
frutas vermelhas em abundância, um vinhaço sem dúvida.
Depois fui para o primeiro Moscatel da noite. Um Moscatel
Rosé com um residual de açúcar bem equilibrado surpreendeu pela fruta, pelo equilíbrio,
leveza e uma simplicidade que faz do vinho muito bom. Não o levei, pois já
tinha o Vivelam Brut e eu queria diversificar ou pelo menos tentar, diante de
tantos rótulos magníficos.
Fui para um novo terroir para mim: Minas Gerais, representada
pelos rótulos da Dom de Minas, da Vinícola Luiz Porto. Quando o Luiz Porto
decidiu transformar sua paixão por vinhos em negócio, ele não tinha dúvidas que
seria um sucesso. No Sul de Minas ele encontrara todas as características para
que suas mudas importadas da França expressassem ao máximo sua qualidade. Mas
para que o sonho tornasse realidade, ele sabia que ia precisar ter uma conversa
muito franca com alguém que seria decisivo para o triunfo da vinícola: a Mãe
Terra.
Como disse tinha apenas dois ou três rótulos distintos,
infelizmente. Degustei o Merlot da safra 2014 e o Cabernet Franc da mesma
safra. O Merlot era bem leve, agradável, frutado, bem descompromissado e
fresco. Mas o que me surpreendeu foi o Cabernet Franc que inclusive fiz uma
resenha que segue neste link: Dom de Minas Cabernet Franc. Um vinho de personalidade, mas macio e fácil de
degustar. Não deu outra: levei!!
Fui para a vinícola Rio Sol! A Rio Sol está localizada no
Vale do São Francisco, na cidade de Lagoa Grande, em Pernambuco. A vinícola
produz vinhos e espumantes, cujos rótulos vêm, cada vez mais, conquistando prêmios
nacionais e internacionais. A empresa pertence a Global Wines, com sede na
região do Dão, em Portugal, produtora de vinhos reconhecida no mercado mundial
pelo dinamismo e inovação, com grande diversidade de rótulos premiados entre os
melhores da Europa. A vinícola levou muitos rótulos da linha, tanto dos produzidos
no Brasil quanto em Portugal.
Comecei com o Rio Sol Reserva tinto da safra 2014 das castas Cabernet
Sauvignon, Syrah e Alicante Bouschet, traz um aroma delicado, com boa acidez,
com taninos elegantes e macios.
Depois “viajei” para Portugal, começando com o Cabriz
Colheita Selecionada, da emblemática região do Dão, da safra 2016. Das castas Alfrocheiro,
Tinta-Roriz e Touriga Nacional traz um aroma exuberante de frutas negras, toque
defumado, com belo volume de boca com taninos macios e presentes.
Fechando com o Grilos tinto Reserva. Esse já é um velho
conhecido. Já havia degustado em outras ocasiões. Com um blend das castas Touriga
Nacional, Tinta Roriz e Jaen entrega a tipicidade do Dão, com toque de frutas
vermelhas, um vinho equilibrado, harmonioso e saboroso.
Fui para a Vinícola Batalha que nunca tinha ouvido falar. Eles
unem o idealismo com as características que conferem uma vocação natural de uma
região promissora para uma nova vitivinicultura mundial. São um grupo de jovens
idealistas e de espírito empreendedor. O resultado econômico é uma
consequência. A pretensão é produzir algo em escala limitada que possa surpreender
os consumidores, buscando a valorização da pequena propriedade, onde não
prioriza o volume, mas sim, a qualidade.
Degustei o Ideologia. Com um corte das castas Cabernet
Sauvignon, Tannat e Merlot traz um equilíbrio interessante que confere ao vinho
levez, harmonia e uma marcante personalidade. Frutado, taninos presentes mas
sedosos, surpreendeu, mas o que desagradou foi o preço que não considerei como
justo para a proposta do vinho.
Depois parti para o Batalha Cabernet Sauvignon da safra 2011.
Esse tinha outra proposta. Um vinho mais encorpado, estruturado, mas, ao mesmo
tempo macio e fácil de degustar. Um vinho redondo graças a passagem por barrica
de carvalho.
Não posso deixar de destacar outro vinho que degustei e
gostei e também levei que era da Vinícola Giaretta. A Vinícola Giaretta surgiu no
ano de 2006, em uma reunião familiar e na evolução natural do próprio cultivo
da uva que era realizado pelo Sr. Moacir. À época, a família estava com
dificuldades na comercialização da sua produção de uvas, fato que motivou a
abertura da vinícola.
Estava muito movimentado e consegui degustar apenas o
Ancellota, mas não me arrependi. O vinho possui cor viva, vermelha rubi. Seus
aromas lembram frutas maduras, como ameixa, sendo amplo e penetrante. Na boca é
generoso e persistente, com taninos macios, se apresentando com estrutura e
corpo marcante.
Como qualquer evento teve alguns problemas. Destaco aqui pelo
menos dois: o primeiro foi o famigerado livrinho que constava a relação de
todos os rótulos disponíveis para degustação. Era um controle dos organizadores
do evento para garantir que todos os participantes degustasse todos os vinhos.
Então a cada degustação os representantes dos produtores carimbava no seu
livrinho o vinho que você degustou. Confesso que tive dificuldades de ficar, ao
mesmo tempo, com o livrinho na mão e a taça e quando, por erro desses
representantes que carimbava o rótulo errado e eu solicitava o vinho que fora
carimbado para degustar e o representante via, dizia: “Esse o senhor já bebeu!”
E quando eu dizia que não degustei ficava a minha palavra contra a do
representante, mas no final das contas liberava a degustação. Era melhor
definir uma quantidade de vinhos para a quantidade de participantes, embora
trabalhoso, pois exige cálculos, é melhor. O outro problema foi o espaço onde
fora realizado o evento. Achei pequeno e, por algum momento, ficou complicado e
tenso para se locomover no local. Acredito que os organizadores não esperavam
tanta gente! O sucesso do evento fora grande, mas nada que impedisse de se
divertir e aproveitar os grandes rótulos expostos para degustação.
Foi uma noite maravilhosa e apoteótica que celebrou o vinho
brasileiro. O vinho brasileiro que é tão inacessível aos brasileiros, o custo
Brasil alto, os tributos que incidem igualmente alto, mas que naquele dia,
todos os nossos sonhos foram vividos, mesmo que por algumas horas. Mas levei
comigo, além de alguns rótulos, a expectativa de que é possível sim
democratizar o vinho brasileiro e que, com isso o mesmo chegue à mesa do
enófilo. Como sempre digo: Só falta o brasileiro conhecer o vinho brasileiro.
Minhas aquisições:
A taça do evento: