Quando falamos em referência, excelência em espumantes, não
há como negligenciar a qualidade dos espumantes brasileiros. Isso parece ser um
senso comum entre os enófilos e talvez não convém aprofundar no assunto que já
não cabe, inclusive discussões, a não ser de cunho histórico e outras análises
mais contemporâneas como panorama mercadológico etc. No fim das contas a
discussão sempre vem à tona, independentemente do prisma que ela assumiria.
Mas eu gostaria de falar, primordialmente, na qualidade de
nossos espumantes que atualmente está em plenas condições de rivalizar com os
rótulos emblemáticos borbulhantes que estão espalhados pelo planeta, vide:
Prosecco, na Itália, Cavas, da Espanha, e ele: o Champanhe, na França.
Não quero aqui criar essas polêmicas que visa mais o embate intolerante
do que afirmações de qualidade de cada espumante, de cada região, de cada
proposta, mas enaltecer, de certa forma, o panorama favorável de tipicidade, de
valorização da cultura do terroir de cada região em que os espumantes são
concebidos.
E os nossos rótulos, em todas as camadas de propostas, estão
dando um verdadeiro show e entregam perfeitamente o que se espera de um
espumante, de cada região de forma plena e sincera.
Embora os preços, altos, ainda sejam um triste entrave para um acesso democrático dos espumantes aos brasileiros, aos brasileiros de todas as camadas sociais. O custo Brasil, a carga tributária e da ganância de alguns comerciantes dão conta desse cenário.
Costumo, diante disso, dizer que só faltam os brasileiros
conhecerem os vinhos brasileiros, mas os brasileiros de todas as camadas
sociais, indistintamente e não apenas a classe aristocrática que usa vinho para
status social e que, formadores de opinião que são, demagogicamente difunde a
democracia do vinho, da cultura do vinho entre os brasileiros. Revoltante!
Eu até gostaria de fazer uma espécie de mea-culpa e admitir
que não degusto, como deveria, mais espumantes. Mas tenho algum histórico de
bons espumantes e, aos poucos, venho criando um, como costumam dizer,
“minutagem” de espumantes nacionais, em especial.
Porém, claro e evidente, percebo que há um longo caminho a
ser percorrido, sobretudo que as propostas são infinitas! O universo do vinho,
como sempre digo e não me cansarei de dizer, é vasto e infinito.
E o espumante de hoje é de uma vinícola que conheci há pouco tempo e, pela proposta do rótulo, um “Nature”, produzido pelo método tradicional e que, pelo preço bem atraente, valeu a aquisição. Falo da Don Giovanni. Uma vinícola que conheci um programa de televisão, que passa no antigo Canal Globosat que hoje se chama “Mais na Tela”, chamado “Vinhos BR” que, claro, fala de alguns dos principais produtores de vinho do Brasil. Naveguei em seu site e encontrei esse espumante que não demorei muito em degustar.
O vinho que degustei e gostei vem da emblemática região de
Pinto Bandeira, no velho Rio Grande do Sul, e se chama Don Giovanni Nature
composto pelo blend Chardonnay (75%) e Pinot Noir (25%) e não é safrado. E com
esse rótulo, diga-se de passagem, excelente, vem algumas novidades, pelo menos para
mim: “Nature”. Vamos tecer a história e conceito de cada um e falar, claro, um
pouco também da história de Pinto Bandeira.
O método natural do espumante ou champenoise
O método tradicional consiste principalmente em uma dupla
fermentação do mosto, a primeira em grandes recipientes, e a segunda em
garrafas, dentro das caves ou adegas, fazendo o processo de remuage (rotação das garrafas)
regularmente.
A primeira fermentação, chamada fermentação alcoólica, é idêntica à que ocorre com os vinhos comuns, ou seja, os “não efervescentes”, ditos tranquilos. O vinho básico costuma ser vinificado em tanques de concreto, aço inoxidável ou madeira, mas alguns produtores preferem fazer a vinificação em barricas de carvalho (com muitos anos de uso).
No momento de engarrafar, a esse vinho básico, é acrescentado
um composto denominado liqueur de tirage,
uma solução de vinho adoçado com açúcar (de cana ou beterraba) ou suco de uva
concentrado (aproximada 24 g/l de açúcar) e leveduras selecionadas, para
iniciar a segunda fermentação.
Esse composto, dentro garrafa, provoca o início da segunda
fermentação. É ela que gera as bolhas de dióxido de carbono, fruto da
transformação química dos açúcares em álcool mais gás carbônico.
A garrafa então é tapada com uma cápsula metálica parecida
com as de cerveja. Contudo, nessa segunda fermentação, ocorre o surgimento de
borras que deverão ser retiradas do vinho. Assim, o próximo passo é conduzir o
vinho para o período de descanso em garrafa, que pode ser de pouco mais de um
ano chegando até 10 anos, ou mais. Normalmente os Champagne safrados, ou
millésimes, permanecem mais tempo em garrafa antes de serem lançados ao
mercado.
Para retirar as borras, faz-se a remuage. O processo consiste
em dispor as garrafas em cavaletes especiais, ditos pupitres, com o gargalo
para baixo. A cada dia, as garrafas são giradas em um quarto de volta. Isso tem
como objetivo descolar as borras (resíduos) da parede da garrafa e fazê-las
descer para o gargalo. Em muitos lugares, essa prática é feita ainda
manualmente, enquanto os grandes produtores já o fazem com equipamentos
automatizados, como os giropalets.
Finalmente, para retirar o depósito de borra, é realizada a degola (dégorgement, em francês). Para tal, congela-se o gargalo em um preparado de salmoura a 25ºC negativos. Nesse momento, a cápsula é retirada e a borra é expulsa pelo gás sob pressão. A pequena perda de volume de vinho é substituída por uma mistura de vinho e açúcar, chamado licor ou vinho de dosagem, também conhecido, principalmente na França, como liqueur d’expédition.
Normalmente, esse licor é um composto de vinho (de reserva),
açúcar e SO2, como antioxidante e antimicrobiano. Sua função, além de recompor
o volume da garrafa, é definir o estilo do espumante conforme a concentração de
açúcar. Essa quantidade de açúcar presente no licor vai determinar se o
espumante de método champenoise será Brut Nature (menos de 3 g/l), Extra-Brut
(até 6 g/l), Brut (menos de 12 g/l), Extra-Sec (entre 12 e 17 g/l), Sec (entre
17 e 32 g/l), Demi Sec (entre 32 e 50 g/l) ou Doux (mais de 50 g/l). E há
também alguns produtores que não utilizam o licor de expedição.
Nos últimos anos, muitas vinícolas passaram a produzir espumantes do tipo Nature. Essa bebida nobre extrai o sabor mais puro das uvas e do processo de fermentação, criando um resultado surpreendente.
Nature
O Nature passa pelo
método tradicional de produção, conhecido como champenoise. Contudo, a
diferença é que a categoria não passa pela etapa de correção de sabor – momento
em que um licor de expedição, feito a partir do próprio vinho e do açúcar, é
adicionado na bebida.
O interessante desse espumante é que ele geralmente vai ter
uma qualidade maior de ingredientes. Como não passa pela correção de sabor, é
importante que seja feito com perfeição.
Para ganhar o título de Nature, a bebida precisa conter até 3 gramas de açúcar por litro, enquanto o Brut pode conter entre 6 e 15 gramas por litro. Por isso, o sabor do espumante é mais seco. O tempo de maturação do vinho também é maior, o que resulta em um volume de boca considerável. Ou seja: é mais cremoso do que os outros estilos. Normalmente as variedades utilizadas para esse tipo de espumante é a Chardonnay e a Pinot Noir.
Pinto Bandeira
Primórdios
O fenômeno migratório europeu ao território americano que
caracteriza no final do século XIX e o início do século XX está ligado a
transformações sociais, políticas e econômicas da época em ambos os
continentes. No que diz respeito à imigração italiana ao sul o Brasil pode-se
afirmar que, na Itália, a população experimentava as consequências da revolução
industrial, caracterizada pelos altos impostos e pelo desemprego e, no Brasil,
mais especificamente no Rio Grande do Sul, onde a maior parte do território era
desabitada e a mão-de-obra era basicamente escrava, a imigração representava a
real possibilidade de superação de tais problemas.
O porto de Gênova, ao norte da Itália, era o local da partida. A travessia, que durava pouco mais de um mês, era feita em navios sobrecarregados. Chegavam ao Rio de Janeiro e, após a quarentena na Casa dos Imigrantes, os viajantes eram transportados a vapores até Porto Alegre, numa viagem de mais ou menos dez dias. Ao chegarem eram alojados em construções precárias ou dormiam nas ruas e praças próximas ao porto. Da capital gaúcha seguiam em pequenas embarcações para Montenegro, São Sebastião do Caí e Rio Pardo. A viagem até a serra era feita em dois ou três dias, a pé, no lombo de cavalos ou em carretas, por intermédio de estreitos caminhos abertos, por eles mesmos, na densa mata.
No ano de 1876 instala-se em Pinto Bandeira o primeiro grupo
de italianos. De posse de seus lotes e instrumentos de trabalho, separados das
famílias vizinhas pela densa mata, era necessário enfrentar as adversidades:
iniciar o desmatamento, construir a provisória casa e realizar os primeiros
plantios. Até o ano de 1880, vários grupos chegaram ocupando terras localizadas
na Linha Jansen, na Linha Jacinto e na Linha Silva Pinto, hoje Linha Anunciata.
E com os italianos, vieram também a cultura do cultivo.
Em 1º de maio de 1902, Antônio Joaquim Marques de Carvalho
Júnior, Intendente do município de Bento Gonçalves, em conformidade com o
artigo 14 da Lei Orgânica Municipal, decretou a mudança do nome da localidade.
A partir desta data, de Silva Pinto passa a chamar-se Nova Pompeia.
O nome Nova Pompeia foi alterado para Pinto Bandeira pelo
Decreto nº 7.842, de 30 de junho de 1938, quando às vésperas da deflagração da Segunda
Guerra Mundial, foi proibida a língua italiana no país e, consequentemente,
todos os nomes de origem italiana foram abolidos. Assim, em homenagem ao
militar rio-grandense Rafael Pinto Bandeira, o distrito passa a denominar-se
Pinto Bandeira.
Pinto Bandeira foi emancipado de Bento Gonçalves em 16 de abril de 1996 pela Lei Estadual nº 10.749/1996. As primeiras eleições ocorreram em 1° de outubro de 2000, elegendo como prefeito Severino João Pavan. A instalação do Município deu-se em 1º de janeiro de 2001. Em 2003, uma liminar do STF, determinou a que Pinto Bandeira retornasse à condição de distrito de Bento Gonçalves.
Em 30 de junho de 2010, por decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF), a localidade recuperou novamente sua autonomia política. As
eleições municipais aconteceram em 07 de outubro de 2012. João Feliciano
Menezes Pizzio foi eleito prefeito. Em 1º de janeiro de 2013, o Município foi
reinstalado.
Outro fato histórico ocorreu em Pinto Bandeira: a Indicação de Procedência (IP) de vinhos tranquilos e espumantes, reconhecida em 2010. O município tem ganhado projeção nacional e internacional pela produção de excelentes espumantes. A Indicação de Procedência garante que no mínimo 85% das uvas devem ser produzidas na área delimitada - que compreende os municípios de Pinto Bandeira, Farroupilha e Bento Gonçalves. Junto com a experiência e habilidade dos produtores da região, Pinto Bandeira se destaca, no Brasil e fora dele, pela sua produção de vinhos e espumantes.
A altitude de Pinto Bandeira, cerca de 800 metros, é
praticamente o dobro do Vale dos Vinhedos. Os terroirs também são muito
semelhantes. Há mais morros e menos regiões planas. Com isto, o sol beneficia
mais as encostas nas faces norte. Algumas vinícolas têm seus vinhedos nas faces
norte, mantêm as matas nas faces sul, tornando a região um pouco mais úmida.
As castas de uvas plantadas são as mesmas utilizadas no Vale
dos Vinhedos e toda a região. Para os tintos, as francesas Cabernet Sauvignon,
Merlot, Malbec, Tannat, Carménère e algumas italianas, Sangiovese e
Montepulciano. Para os espumantes Chardonnay e Pinot Noir. O terroir é propício
às experimentações, e alguns viticultores cultivam várias e diferentes castas.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um amarelo palha intenso e brilhante que
parece tender para o ouro, límpido com perlages finos e intensos.
No nariz tem intensos aromas de frutas brancas e cítricas,
além de aromas provenientes da maturação, com 24 meses em contato com as
leveduras antes da degola (Dégorgement) que remetem ao pão tostado, pão com
manteiga, panificação mesmo, com notas delicadas de flores, que traz uma
agradável sensação de frescor e leveza.
Na boca é seco, não faz nenhuma concessão ao dulçor, o que me agrada, com certa austeridade e complexidade, mas que, ao mesmo tempo entrega frescura, refrescância, com cremosidade, untuosidade que enche a boca, conferindo-lhe textura firme, com uma acidez instigante e que saliva a boca, com as notas frutadas e um final incrivelmente prolongado que lembra limão, laranja e fermento.
Práticas naturais, sustentáveis, quase rústicas reverberam a necessidade de originalidade, de expressão máxima de terroir, trazendo novidades calcadas em preceitos antigos, ancestrais. O nosso espumante definitivamente se firmou como uma bebida nossa, com tipicidade e mesmo que tragam métodos de vinificação da França, berço da vitivinicultura mundial, o Brasil, no que tange aos seus borbulhantes, vem se destacando como um dos melhores produtores deste vinho no planeta. E a Don Giovanni, com a sua veia tradicional, o seu know how e respeito ao terroir de Pinto Bandeira, revela, sintetiza essa grata realidade que, um dia, espero, que se mostre a todos os brasileiros, indistintamente, difundindo a cultura do nosso mais emblemático vinho. Tem 12,6% de teor alcoólico.
Sobre a Vinícola Don Giovanni:
Em 1827 chegou ao Brasil o imigrante italiano Karl Dreher. Um
de seus filhos, Carlos Dreher Filho, em 1910 iniciou no porão de sua casa, em
Bento Gonçalves, a produção de vinhos tintos. Depois de uma viagem à Europa,
com conhecimentos adquiridos, iniciou e tornou-se um dos pioneiros na produção
do vinho branco na região.
Em 1950 surgiu o famoso Conhaque Dreher, produzido a partir
da destilação do vinho. Foi um grande sucesso e logo passou a ser consumido em
todo Brasil. Em 1970 a transmissão pela TV da Copa do Mundo do México, em que o
Brasil se sagrou Tricampeão do Mundo, teve o patrocínio do Conhaque Dreher –
“De pai para filho, desde 1910! ”
Em 1973, já com a proibição de utilização da denominação de
origem controlada Cognac, a empresa foi vendida para a americana Heublin, que
comprou também na mesma época a Drury’s e a Old Eight. O local onde hoje está
instalada a Don Giovanni era um centro de experimentação e desenvolvimento de
uvas viníferas e vinificação.
Em 1980 Beatriz Dreher Giovannini e seu marido Ayrton Giovannini recompraram a propriedade e transformaram em um lugar de veraneio. Estavam ali lembranças de sua infância.
Algum tempo depois decidiram voltar a produzir vinhos.
Reformaram toda a propriedade e transformaram a casa principal em uma pousada. No
entorno da casa estão ainda os vinhedos de 60 anos, de uvas americanas,
utilizadas na produção do Conhaque Dreher.
Beatriz recuperou a receita antiga de família, e voltou a
produzir com as mesmas uvas, um brandy
excepcional, que pode ser degustado na visita à vinícola. Com mais de 50
hectares, sendo 14 de vinhedos, na sua maioria Pinot Noir e Chardonnay.
A elaboração de espumantes representa 80% da produção da
vinícola. Os espumantes são elaborados pelos métodos tradicional (champenoise)
e Asti. O foco da vinícola está nos espumantes produzidos pelo método
tradicional, que maturam por diferentes tempos. A produção anual gira em torno
de 100.000 garrafas.
A cave foi transformada em enoteca, onde são guardados vinhos
desde a safra de 1990. Atualmente, a Vinícola Don Giovanni conta com 5
degustações, algumas realizadas dentro da cave, um local cheio de história.
Além das experiências de degustação a vinícola conta com experiências
gastronômicas no Restaurante Nature Vinho e Gastronomia.
Mais informações acesse:
https://www.dongiovanni.com.br/
Referências:
Blog do Milton: http://www.blogdomilton.com.br/post/br/2017-12-viagens-vinhos-historia-pinto-bandeira-rio-grande-do-sul
Revista Adega: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/champenoise-tradicional-ou-classico-os-metodos-de-fazer-champagne_11987.html
Site da Prefeitura Municipal de Pinto Bandeira: https://www.pintobandeira.rs.gov.br/secao.php?id=2
Site Vinho Brasileiro: https://vinhobrasileiro.org/enoturismo/ip-regiao-de-pinto-bandeira
Portal bom Vivant: https://www.portalbonvivant.com.br/post/2018/12/12/espumante-nature-apresentamos-quatro-sugest%C3%B5es-que-vale-a-pena-voc%C3%AA-provar