Qual o seu conceito, a sua percepção dos vinhos baratos? O
que pesa na sua decisão ao comprar um vinho, quais as suas prioridades na
escolha? É claro que, em tempos bicudos, de incerteza econômica, degustar
vinhos baratos pode ser a alternativa para continuar degustando, mas o prazer
de explorar rótulos desconhecidos, de produtores pouco badalados, de custo
baixo, pode, para muitos, parecer um risco desnecessário, comparando valores
com qualidade, não nego essa possibilidade, mas não se enganem de que podem
trazer surpreendentes e gratas surpresas. Contudo, é deveras essencial você,
caso se interesse por esses rótulos, antes fazer uma pesquisa, acessar o site
do produtor e conhecer um pouco da história do vinho e da vinícola. Acredite
isso pode fortalecer, para mais ou para menos, na sua decisão de compra do
vinho, afinal, comprar no escuro é um risco que pode ser mitigado, mas se você
não tiver as informações que precisa e estiver interessado em comprar, siga seu
coração e não hesite na compra.
E um exemplo de retorno extremamente favorável, agradável,
satisfatório e todos os sinônimos enaltecedores possíveis, foi um tinto da
região portuguesa de Beira Interior, pouco conhecida por aqui no Brasil,
principalmente se levamos em consideração, em termos de popularidade como
Alentejo e Douro, por exemplo, de uma vinícola chamada Adega Cooperativa de
Pinhel, chamado D. João I tinto das castas Tinta Roriz, Touriga Francesa, Rufete
e Marufo. O mesmo não é safrado, é considerado, em Portugal, como um “vinho de
mesa”. Mas não se enganem o conceito de vinho de mesa em Portugal, a título de
informação, é diferente daqui do Brasil. Enquanto por aqui vinhos de mesa são
produzidos por uvas não vitiviníferas, em Portugal vinho de mesa é considerado
como um vinho básico, de cotidiano, que não tem uma classificação DOC ou “Regional”
e que são produzidos com castas locais, denotando, mesmo assim um vinho de
caráter regional, embora não ostente tais classificações, em minha opinião. Como
disse que a região é pouco conhecida, convém fazer um breve histórico da mesma,
antes de analisar o vinho.
Beira Interior
É na Beira Interior, identificada geograficamente como
prolongamento do sistema central ibérico e histórico e culturalmente pelas
matrizes testemunhadas nas suas aldeias mediavais e cidadelas fortificadas que,
a Denominação de Origem Beira Interior foi criada a 2 de novembro de 1999, resultado
da aglutinação das regiões de Castelo Rodrigo, Cova da Beira e Pinhel, que
passaram a sub-regiões desde então. Tem um passado histórico vitivinícola que
remonta à fundação da nacionalidade portuguesa, está localizada no interior
centro de Portugal, tem cerca de 16 000 hectares de vinhas e uma grande
variedade de castas. Situada no interior centro/norte de Portugal é a região
vitivinícola mais alta de Portugal, com vinhas plantadas entre os 300 e os 700
metros de altitude.
Os vinhos são muito influenciados pela montanha e a orologia
da região é dominada pelas serras da Estrela, Gardunha, Açor, Marofa e Malcata.
Os solos são de origem granítica (80%), na sua maioria, sendo os restantes
essencialmente de origem xistosa, existindo entre o granito e o xisto alguns
filões de quartzo. O clima da região é muito agreste, com temperaturas
negativas no Inverno e Verões muito quentes e secos. Os encepamentos mais
tradicionais são nas brancas a Síria, Fonte Cal, Malvasia, Arinto e Rabo de
Ovelha, e Malvasia e nas Tintas, a Rufete, Touriga Nacional, Touriga Franca e
Tinta Roriz, Trincadeira, Mourisco, Jaen e alfrocheiro.
O vinho:
No aspecto visual mostra um incrível vermelho rubi escuro,
profundo, quase que caudaloso ao depositá-lo na taça, com lágrimas finas e
abundantes.
No nariz traz muita fruta, frutas vermelhas maduras, um toque
de especiarias e de estrebaria.
Na boca é seco, muito frutado, com alguma estrutura e corpo,
mas fácil de degustar, com taninos presentes, mas comportados com acidez
razoável e percebi um discreto amadeirado, mas acredito ser oriundo do vinho e
não um estágio em barricas de carvalho. Tem um final de média intensidade.
Vinho honesto, bem feito, correto, com tipicidade e que
sintetiza o caráter regional e que, independente dos valores, entregam muito
mais do que valem. Com 13% de teor alcoólico. É claro que são diferentes dos
vinhos mais emblemáticos, mais caros, com passagem por madeira etc Mas seria
injusto comparar tais vinhos com a linha D. João I, pois, antes de qualquer
coisa, são vinhos com propostas totalmente distintas.
Sobre a Adega Cooperativa de Pinhel:
Desde tempos muito antigos que em Pinhel, e seu termo, se
praticava a cultura da vinha e se produziam vinhos de alta qualidade; já nos
princípios do ano 1500, o Rei D. Manuel I, o Venturoso, concedeu diversas
regalias e privilégios em favor dos vinhos de Pinhel. Em 1942 e 1943, houve
colheitas abundantes e não havia escoamento para a produção, foi então que a
Junta Nacional do Vinho, recentemente criada, como organismo de Coordenação
Económica, e que veio substituir a antiga Federação dos Vinicultores do Centro e Sul de Portugal,
instalou em Pinhel uma caldeira móvel de destilação, acionada por uma geradora locomóvel,
em que foram destilados milhões de litros de vinho e que veio resolver a crise
gravíssima, que afetava os lavradores da Região, que viviam exclusivamente do
rendimento do vinho. De todos os Organismos Corporativos, criados pelo Estado
Novo, a Junta Nacional do Vinho, era o mais querido, pelos beneficias que
trouxe a toda a região vitivinícola, por isso os vinicultores depositavam toda
a confiança esperançados que o organismo, quando necessário, lhe resolvesse os
problemas respeitantes ao vinho. Os vinhos desta área eram tão bons que as
aguardentes vínicas resultantes da destilação ficavam de finíssima qualidade.
Quando transportadas para os armazéns da Mealhada não eram misturadas com
outras provenientes de outras áreas ficando em depósitos separados. Em 1945, a
Junta Nacional do Vinho iniciou a instalação de duas caldeiras fixas de
destilação contínua, que trabalhavam de dia e de noite, só paravam cada 15 dias
para limpeza. Como era pena destilar vinhos de tão boa qualidade, a Junta
Nacional do Vinho, em colaboração com o Grémio da Lavoura de Pinhel, pensou na
criação da Adega Cooperativa, nas suas próprias instalações que tinham sido
compradas à Câmara Municipal de Pinhel e que tinham ficado devolutas pela saída
das Forças Militares, ali aquarteladas, e que se tinham revoltado contra o
Governo da Ditadura Militar.Em 1947, construíram-se 6 lagares em granito, no
parque utilizado pelas viaturas militares e os tonéis foram montados nas
cavalariças depois de devidamente adaptadas. A primeira laboração foi feita por
processos artesanais, pois em Pinhel não havia energia eléctrica com potência
suficiente e a mesma era desligada à meia-noite; às próprias bombas de
trasfega, eram movidas por motores de explosão. Foram 33 sócios, a entregar as
uvas nesse ano na Adega; embora com bastantes dificuldades, estava criada e
posta a funcionar a Adega Cooperativa. Dos primitivos 33 cooperantes,
atingiu-se os 2.300 atuais.
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Degustado em: 2018