Como um país tão pequeno, territorialmente falando, ter uma
tamanha representatividade no cultivo das vinhas e também, consequentemente, na
produção de vinhos? Definitivamente o Uruguai, apesar de aparentemente estar
esquecido em seu universo, vem, discretamente, sem alarde, produzindo grandes
rótulos!
E não se enganem que está apenas restrito na emblemática
casta Tannat que naquelas terras ganhou notoriedade e respeito. Atualmente
outras castas emblemáticas vem conquistando seu espaço e importância, revelando
suas tipicidades em terroirs tão especiais.
E não se enganem também que, no que se refere às suas
regiões, se resume a apenas a mais famosa, Canelones. Outras regiões têm
conquistado sua relevância e importância como Montevidéu, a capital do país,
que poderia parecer improvável, mas sim, há um bom punhado de vinícolas, das
pequenas até as gigantes que tem vinhas por lá.
E o vinho que degustei e gostei de hoje vem de uma improvável
região. Digo improvável não pela sua vocação na produção de vinhos, mas por ser
ainda pouco badalada entre nós brasileiros, afinal Canelones reina absoluta
quando se fala de vinhos uruguaios no mercado consumidor brasileiro.
O vinho se chama Mar de Piedras Selección de Maderas, um
corte interessantíssimo de Cabernet Sauvignon (50%) e Tannat (50%) da safra
2020. E quando falamos de terroir, de regiões e suas características esse
vinho, da tradicional Família Deicas, denuncia em seu nome uma das grandes facetas
da sua região, San Jose, “Mar de Piedras” (Mar de Pedras), uma das características
daquelas terras, com solos rochosos formados por pedras ígneas planas, que
conferem uma mineralidade marcante aos vinhos.
Mas apesar do destaque que o Uruguai vem edificando,
discretamente, goza de uma longa história vitivinícola. Então, para não perder
o costume, vamos de história, afinal o Uruguai merece ser explorado, tendo sua
trajetória vinícola sendo difundida.
Os vinhos do Uruguai
A região vinícola do Uruguai é o quarto maior produtor de
vinho da América do Sul. É um país pequeno com cerca de 3,3 milhões de
habitantes e apenas 177.000 km2. A população é formada por uma diversidade
baseada em origens europeias (espanhóis, italianos e franceses), com
comportamento pouco sul-americano e raízes mais ligadas ao espírito gaúcho.
O Uruguai adotou como sua uva emblemática a Tannat, trazida
pelo espanhol Pascoal Harriague do sudoeste da França. Graças aos bons
resultados na produção de vinhos dessa uva, hoje se intitula O país do Tannat. Curiosamente,
muitos produtores ainda se referem à Tannat como... Harriague!
A história da vinificação no Uruguai remonta a 1870, quando
imigrantes italianos e bascos trouxeram Tannat para cá. Mais tarde, em 1954, a Albarino
foi introduzido por imigrantes espanhóis. O território do Uruguai era
originalmente povoado pelos índios Charruas, o que começou a mudar com as
invasões portuguesas a partir de 1680.
Em sequência chegaram os espanhóis, desencadeando uma guerra
em 1825 que culminou com a Declaração de Independência e criação da República del Uruguay em 1828.
Só no final do século XX se identificou geneticamente como a Tannat. O uruguaio sempre foi um grande consumidor de vinho - e de carne, que harmoniza bem com a Tannat - com cerca de 30 l/habitante/ano (a média brasileira é em torno de 2,5 l).
Mas a qualidade não era o ponto alto. Até algumas décadas
atrás, as vinícolas uruguaias produziam vinho rústico em grande quantidade,
muitas vezes à base de uvas híbridas, não viníferas. Na época o setor era
administrado pelo governo central, sem muita inspiração.
Um passo importante foi dado em 1987, com a criação do
Instituto Nacional de Vitivinicultura (INAVI), controlado por empresários
respeitados, que promeveram, em 1992, um estudo de avaliação do potencial
vinícola das regiões do país. O setor deu um salto de qualidade, que colocou
seus vinhedos no mapa vinícola mundial.
Nos últimos anos, a qualidade do vinho produzido na região vinícola do Uruguai vem aumentando, assim como a popularidade dos vinhos em todo o mundo. Além de Tannat e Albarino, existem outras variedades de uvas comuns, como Merlot, Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Sauvignon Blanc e Cabernet Franc.
Principais Variedades de Uvas Tintas:
Tannat - 1707
ha
Merlot - 731
ha
Cabernet
Sauvignon - 468 ha
Cabernet Franc - 264 ha
Marselán - 130 há
Principais Variedades de Uvas Brancas:
Ugni Blanc -
674 ha
Sauvignon
Blanc - 141 ha
Chardonnay - 120 ha
Geografia, clima e regiões
O Uruguai está situado entre os paralelos 30º e 35º sul, ficando na zona temperada, com grande potencial vitivinícola, similar à Argentina, Chile, África do Sul e Nova Zelândia. Os vinhedos cobrem cerca de 8.000 hectares e se espalham de leste a oeste de norte a sul em diferentes regiões vinícolas uruguaias. As regiões vinícolas uruguaias são divididas em zonas ribeirinhas sul, leste, sudoeste, central e oeste.
Zona Sul - Os maiores vinhedos da região vinícola do Uruguai
Canelones, localizado na zona sul, é uma das maiores regiões
vinícolas uruguaias. A região possui paisagens espetaculares de colinas, praias
e fazendas. Canelones está localizada ao norte de Montevidéu, onde o clima
quente e os solos calcários ricos em argila favorecem a produção de vinhos com
teor alcoólico e acidez equilibrados.
Outra importante região vinícola localizada na Zona Sul é
Montevidéu, a capital do país. A região abriga um dos vinhedos mais antigos da
região vinícola do Uruguai. A expansão da cidade empurrou os vinhedos dos
limites da cidade para Canelones. É por isso que a maior parte da produção de
vinho da região vinícola do Uruguai ocorre em Canelones.
A quarta maior região vinícola da região vinícola do Uruguai,
San José, também está localizada na Zona Sul do país. As condições climáticas e
os solos são muito semelhantes aos da região vinícola de Canelones. Os enólogos
de San José produzem vinhos brancos de castas internacionais como Pinot Blanc,
Sauvignon Blanc e Chardonnay. Tannat, sozinho ou em mistura com Tempranillo,
Cabernet Franc, Syrah e Merlot, também é bem difundido em San José.
San José é uma região muito pequena e fica entre Colônia e Montevidéu. Suas colinas onduladas e suaves e seu clima e solo são muito semelhantes aos de Canelones, com a influência adicional do estuário de água presente no subsolo.
Zona Central - Canto Ensolarado com Solos de Terra Vermelha
Durazno é uma das famosas regiões vinícolas uruguaias
localizadas na Zona Central. Esta zona é caracterizada por um clima mais
quente. Assim, em Duranzo, eles normalmente colhem duas semanas antes em
Canelones. Durango é famosa pela produção de vinhos Cabernet Sauvignon e
Cabernet Franc bem amadurecidos.
Zona Leste - Vinhas em Altitude Mais Alta e Terroirs
Interessantes
A região vinícola do Mandolado representa a Zona Leste do
país, que se caracteriza por interessantes solos de rochas cristalinas e
incrustações de quartzo. Solos particulares da região conferem mineralidade
específica aos vinhos aqui produzidos. Mandolado é o lar de um dos resorts costeiros
mais populares do Uruguai, o que coloca esta região no hotspot de viajantes
internacionais.
Os últimos investimentos e melhorias na vinificação trazem promessas de que Mandolado está se tornando um novo centro de vinificação uruguaia depois de Canelones.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um intenso, quase escuro, vermelho rubi,
com entornos violáceos bem brilhantes, com lágrimas finas e lentas e em média
quantidade, que desenham as bordas do copo.
No nariz os aromas, inicialmente, se mostraram um pouco
tímidos, mas que logo se revelou as notas frutadas, de frutas vermelhas e
pretas maduras, com destaque para amoras, ameixas pretas, framboesas e morangos,
um leve herbáceo. A madeira está discretamente revelada, muito bem integrada ao
vinho, aportando baunilha, algo de tosta e até mesmo dulçor, bem inusitado, inclusive.
Na boca tem corpo presente, um bom volume, quente, mas, por
outro lado é deveras macio e elegante, mostrando-se bem equilibrado. As notas
frutadas protagonizam como no aspecto olfativo e em plena sinergia com a
madeira, um pouco mais evidente no paladar. Parte do vinho estagiou doze meses
em barricas de carvalho e a outra parte em tanques com aduelas de carvalho pelo
mesmo período, dando complexidade, mas priorizando as características do vinho.
O carvalho entrega café torrado, baunilha, couro e caramelo. Tem taninos
presentes, mas dóceis, boa acidez e um final médio.
Mar de Piedras Selección de Maderas traz um blend mais estruturado e potente reunindo o melhor da Cabernet Sauvignon e da emblemática Tannat, que ganha complexidade e taninos macios com a passagem de 12 meses por carvalho e aduelas de carvalho também. Uma viagem para conhecer a máxima expressão do terroir uruguaio, uma viagem mais do que garantida ao terroir de San José. Tem 13% de teor alcoólico.
alcoólico.
Sobre a Establecimiento Juanicó e a Família Deicas:
No Paralelo 34, na exótica América do Sul, no Uruguai, na
pequena cidade de Juanicó, a Família Deicas fundou sua vinícola. O
estabelecimento Juanicó ocupa principalmente o registro 12.132, que integrou em
uma área maior a Estancia Chacra San José anexa a Nuestra Señora de los
Desamparados, mais conhecida como Estancia La Calera.
Os jesuítas incorporaram essa propriedade ao seu domínio antes de 1740, para as propriedades de consumo da população de religiosos, índios catequizados e suas famílias. Pouco se sabe de suas obras e para que fins foram dados.
É muito visível a exploração leiteira com os seus acessos
laterais, que também servia para tosquia, pois há notícias da existência de
numerosas ovelhas e de um curso de água vizinho conhecido desde então por Arroyo
de la Lana.
A principal obra de construção é a atual “Cava de Prelude”
que nos tempos da Companhia de Jesus poderia ter sido usada como posto ou
refúgio. Ao mesmo tempo em que expulsava a Companhia de Jesus em 1767, a Coroa
espanhola aplicou a Junta de Temporalidades para administrar e transferir as
propriedades dos Jesuítas.
O Título de Propriedade do Estabelecimento Juanicó inclui os mesmos proprietários que sucederam à Junta de Temporalidades, confirmando assim a passagem dos Jesuítas por estas terras. Em 1830, a propriedade passou para as mãos de Don Francisco Juanicó, um imigrante Minorcan de Mahón, associado a Don André Cavaillon.
Nos tempos de Dom Francisco e seus descendentes, entre os
quais se destaca o Cándido Juanicó, já se registram consideráveissafras de
videira. Famílias pioneiras da República Oriental do Uruguai sucederam aos
Juanicó no início do século XX. Destacam-se os sobrenomes Seré e principalmente
Methol, protagonistas do desenvolvimento do laticínio no País.
Em 1945-1946, a Ancap adquiriu o registro de 12.132 para aí
implantar as cepas de Cognac que o governo francês cedeu ao Estado uruguaio
para a produção do famoso Conhaque Juanicó. A partir de 1979, a propriedade
voltou a mãos privadas e a Família Deicas reorientou a viticultura do
Estabelecimento para a produção de vinhos finos para exportação.
Mais informações acesse:
Referências:
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=UY
“Smart Buy
Wines”: https://www.smartbuywines.com.br/blogs/news/uruguai-uma-terra-de-vinhos
“Tudo sobre Vinho”: https://tudosobrevinho.com.br/uruguai-um-pequeno-gigante-na-producao-de-vinho/
“Folha Pe”: https://www.folhape.com.br/colunistas/baco-e-cia/geografia-enologica-o-mapa-do-vinho-no-uruguai/33612/
“Center Gourmet: https://centergourmet.com.br/vinedo-mar-de-piedras-gran-bodegon-cabernet-sauvignon-2020/
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/montevideu-canelones-e-san-jose_12655.html