É unânime que o Chile produz os melhores vinhos entre os
países que compõe o Novo Mundo. Cepas oriundas de outros países tradicionais,
como a França, por exemplo, encontraram no solo chileno a sua nova concepção, a
sua nova identidade, ganhando relevância e fama, tais como a Cabernet
Sauvignon, a rainha das uvas tintas, o Merlot, a Sauvignon Blanc, Chardonnay e
a mais emblemática que abraçou o Chile como a sua nova pátria: a Carmènére.
Vinhos reconhecidos, premiados e consumidos mundo afora. Se uma vinícola
chilena não produzir vinhos com as referidas castas, não é uma vinícola do
Chile! Mas há também aquelas castas esquecidas, quase que obscuras para muitos
enófilos e que, ao longo do tempo, relegadas a uma condição de pouca reputação,
caiu no ostracismo após anos e anos de sucesso e representatividade cultural.
Uma
dessas castas é a País, a casta emblemática do Chile dos primórdios, antes das
famosas de hoje. Eu confesso que nunca degustei um chileno com essa casta. Ouvi
falar, muito remotamente, de forma muito tímida, por alguns enólogos,
produtores e críticos do vinho, talvez por se tratar de um tabu ou, como disse,
falta de reputação, mas sempre tive aquela típica curiosidade e o ávido
interesse em buscar novas experiências e prometi um dia que, caso surgisse a
oportunidade de adquirir um rótulo dessa casta, eu compraria. E eis que surgiu
o momento!
Mas como pouco conhecia não me deixei levar pela euforia e
preferi, antes de sacramentar a minha aquisição, pesquisar um pouco sobre a
casta e a história que a envolve no Chile o que foi um trampolim para a compra.
Ao desarrolhar o vinho, fui arrebatado de uma forma tão surpreendente, um vinho
de excelente custo x benefício.
O vinho que degustei e gostei se chama Lote
1936, da já mencionada casta País (100%), da famosa e emblemática Região do
Maule, da safra 2018. Contudo, como eu havia dito que, antes de comprar fizera
uma pesquisa sobre a história da casta, preciso reproduzi-la textualmente,
afinal, não é sempre que nós, brasileiros, podemos degustar rótulo com essa
antiga cepa.
País
Em meados do século XVI uma uva chamada Listán Prieto vivia
na Espanha e é levada ao México por missionários franciscanos que tinham como
objetivo cultivá-la para produzir o vinho da missa. Lá, ficou conhecida como Misión.
Depois de um tempo, viajou aos Estados Unidos, depois à Argentina, onde ficou
conhecida como Criolla Chica, até que os jesuítas a levaram para o Chile. A princípio, também produzia o
vinho da missa, até que ultrapassou as barreiras religiosas e foi desbravar o
terroir chileno.
Somente no século XIX que a Criolla Chica ganhou o nome de
País. Não se sabe ao certo o motivo, mas ela viveu tempos de rainha no Chile
até que a Cabernet Sauvignon e a Carménère chegaram para pedir a coroa. E
levaram. Ficou esquecida a um nível onde já nem se falava mais de sua
existência. Algum boato, alguma memória aqui ou ali, nos terrenos mais remotos
do Chile, mas nada que ainda a permitisse aparecer.
Mas eis que surgiu um
francês, nascido na Borgonha, instigado pela América do Sul. Louis-Antoine Luyt planejou uma
viagem de férias que virou estadia permanente, mas para isso, precisava de um
trabalho. À época, Louis estava no Chile e virou lavador de pratos em um
restaurante local, onde começou a aprender sobre vinhos e conheceu ninguém
menos que Hector Vergara: o sommelier mais renomado do país e o único Master of
Wine da América do Sul naquele tempo.
Hector estava abrindo a Escola de
Sommelier do Chile e Louis já estava entre os seus primeiros alunos. Sabe
aquela história de que o conhecimento abre portas? Pois é. Abriu. Ainda bem. Inconformado
com a hegemonia da Cabernet Sauvignon e da Carménère nos vinhos chilenos, o
francês decidiu que iria explorar as castas e áreas de cultivo do país. Foi
então que descobriu que algumas parcelas de outras uvas ainda existiam, mas
estavam sendo vendidas ou utilizadas por camponeses para produzir vinho para
consumo próprio.
Decisão tomada. Louis-Antoine Luyt ia aprender a fazer vinho.
Voltou para a França estudou viticultura e enologia em Beaune e, durante os
estudos, fez amizade com Mathieu Lapierre, proprietário da renomada vinícola
Villié-Morgon, onde teve a oportunidade de participar de cinco colheitas e ser
introduzido ao vinho natural. Munido de conhecimento, sonho e coragem, Louis
abriu uma vinícola no Chile e começou a explorar diferentes terroirs e cepas
locais para produzir vinhos que seriam exportados, principalmente, à França.
Mas em 2010, o desastroso terremoto resultou na perda de 90% do seu cultivo.
Ele não desistiu. Comprou mais oito hectares de vinhas, entre elas, a País.
Desde então, a cepa foi voltando aos palcos, retomando os holofotes e mostrando
(novamente) toda a sua capacidade para produzir grandes vinhos. De muita
textura e ótima acidez, a País origina vinhos rústicos, bastante gastronômicos
e corpo médio.
Com o tempo, os taninos ficam tão elegantes e macios que parecem
veludo. Em geral, a uva do país não recebe muito envelhecimento em madeira,
pois os aromas dessa variedade são muito delicados e muita madeira pode
interferir demais na tipicidade do vinho. Continuou sendo cultivada,
principalmente por pequenas famílias agrícolas, até que, nas últimas décadas,
alguns produtores começaram a apostar na sua volta ao mundo dos vinhos.
A Região
do Maule é considerada a maior produtora, por hectare, da País atualmente e
muitas de suas vinhas, como em todo o Chile, que traz essa cepa, são antigas,
com média de 70 a 100 anos de idade! Afinal, foram esquecidas por tanto tempo!
E finalmente o vinho!
Na taça apresenta um vermelho rubi com reflexos violáceos
brilhantes com lágrimas finas e em pouca intensidade, se dissipando, sumindo
brevemente das paredes do copo.
No nariz traz um exuberante aroma de frutas vermelhas como
morango, por exemplo, remetendo a um vinho fresco e jovem.
Na boca se reproduz as impressões olfativas, sendo leve e
delicado com taninos finos, sedosos e uma boa acidez com final frutado e de
longa persistência.
Um vinho honesto e muito bem feito, redondo, que preenche
muito bem a boca, de leve, lembrando, inclusive, um Pinot Noir. Tem uma vocação
gastronômica, podendo harmonizar com queijos curados e massas mais leves, sem
tanto condimentos ou ser degustado sozinho de forma informal e despretensiosa. Tem
12,5% de teor alcoólico.
Uma curiosidade do nome do rótulo, Lote 1936: corresponde ao
ano em que os primeiros membros da família Guerra chegara as Terras do Maule,
no Chile e as suas vinhas são bem antigas: com 70 anos, colhidas a mão e uma
carga máxima de 4.000 quilos por hectare, o que é muito pouco, levando em
consideração a quantidade de produção de nível industrial, sobretudo das
grandes potências vinícolas instaladas no Chile.
Sobre a Chilean Wines Company (CWC):
A Chilean Wines Company é uma empresa de propriedade e
operação familiar, localizada no coração do vale de Maule, no centro do Chile.
A família Guerra plantou e desenvolveu 750 hectares de vinhedos em todo o vale
do Maule. Nosso foco tem sido explorar e experimentar diferentes variedades
baseadas nos vários microclimas do Vale, alcançando uma expressão autêntica de
cada terroir. As origens do vinho do Chile começaram na região vinícola
original de Maule Valley e hoje a região produz mais vinhos em todo o país. A
herança vinícola do Chile começou aqui quando os primeiros colonos europeus
chegaram ao país. Esses colonos escolheram a Maule por suas condições
climáticas superiores e solo ideal para o cultivo de uvas para vinho, as mesmas
condições que fornecem a base para a produção de uvas excepcionais e vinhos de
classe mundial atualmente. Quando a família Guerra migrou para o Chile do norte
da Itália em 1920, os seus ancestrais escolheram o Vale Maule com o objetivo de
continuar nossas próprias tradições familiares de vinhos. Usando raízes de
vinho cuidadosamente transportadas ao longo da longa jornada oceânica, a
família plantou novas vinhas para continuar a herança de vinhos da família
nesta nova terra. A longa experiência da família Guerra em trabalhar com os vários
microclimas e terrenos em Maule Valley forneceu uma capacidade única de
fornecer a expressão máxima das variedades com as quais a CWC trabalha. Atualmente,
as marcas da Chilean Wines Company são exportadas para mais de 30 países ao
redor do mundo.
Mais informações acesse:
Fonte sobre a casta País: