Inspiração, novos caminhos, exemplos, tradição, histórias...
São nomes que podem parecer um tanto quanto “soltos” e perdidos, mas quando
falamos em vinhos brasileiros são conceitos que se fundem e que, ao longo do
tempo, vem, apesar dos entraves que a política pública impõe ao vinho, vêm, a
duras penas, se consolidando com força. Sem discursos ufanistas distantes da
realidade do povo brasileiro, o vinho nacional vem conquistando notoriedade e
respeito em todos os cantos do planeta e vem solidificando sua qualidade em
terras consagradas e milenares na produção vinícola, no Velho Mundo. Pena que
ainda não tivemos o reconhecimento, em todos os aspectos, em solo brasileiro,
sobretudo pelos nossos governantes que, com um discurso torto e conservador, a
considera apenas como um produto alcoólico e não como um alimento que é
cientificamente comprovado por especialistas como benéfico à saúde.
Mas não é sobre isso que gostaria de falar, pelo menos ainda, e sim da qualidade do vinho brasileiro e quanto eles crescem em tipicidade, enaltecendo, de forma sublime, os nossos mais ricos e proeminentes terroirs. E o que mais me deixa feliz, como um apreciador da bebida de Baco, é de que castas raras ou oriundas de outros países estão sendo produzidas, cultivadas em nossas terras, adquirindo um caráter todo especial, com a nossa “assinatura”, o nosso DNA sem, é claro, abrir mão, negligenciar as suas mais genuínas características.
E, por intermédio, dos vinhos brasileiros, as conheci, estou
conhecendo-as. As nossas terras entregam, com incrível brilhantismo, as castas
de outras terras. Somos abençoados pela natureza, pelos nossos recursos
naturais e diria culturais, dessas abnegadas pessoas que extraem, com amor e
competência, a matéria-prima que nos presenteia com os seus grandes rótulos.
E assim descobri uma casta chamada Teroldego. Teroldego? Um
nome esquisito, pouco usual diante dos nomes mais conhecidos como Malbec e
Merlot, mas que alguns dos mais renomados e até menos conhecidos produtores
desse país estão produzindo em suas vinícolas. E, depois de uma leitura mais
minuciosa sobre a casta, não hesitei em comprar um exemplar dessa casta ainda
pouco conhecida no Brasil.
E estava com um amigo em busca de escolha por um rótulo para compor o nosso mais novo encontro de confraria e sugeri a compra de um rótulo da casta Teroldego. E então resolvemos arriscar com um que veio de uma promissora região que fica no sudeste do Rio Grande do Sul, Encruzilhada do Sul. O Vinho que degustei e gostei, e como gostei, se chama Bertolini Riserva Famiglia Bigorna, da casta, é claro, Teroldego, da safra 2018. Já que falemos da Teroldego e de Encruzilhada do Sul, vamos traçar um histórico de todos!
Teroldego: A uva do Trentino
Teroldego (lê-se “terôldego”) é uma uva tinta da região do
extremo norte de Trentino, nordeste da Itália. A primeira vez que o vinho
utilizando essa uva foi mencionado (que se tem registro) foi em 1840 em Cognola
na Itália, em um contrato que dizia haver uma quantidade de “bons vinhos Teroldego”.
É provável que o berço da Teroldego seja a planície Rotaliano
e que tenha tomado o nome de um lugar chamado Alle Teroldege, onde vinhas foram
mencionadas antes do século XV. Outra hipótese é pelo sinônimo Tiroldigo, o
nome que deriva de Tiroler Gold, ouro do Tirol, este nome era, aparentemente,
usado em Viena para designar vinhos de Trentino. Alguns autores sugerem que a
uva foi introduzida a partir da planície vizinha de Verona, onde uma variedade
chamada Terodol’i foi mencionada no passado. Estudos feitos baseados no DNA,
revelou que a Teroldego é uma “irmã” da Dureza (uva extinta “mãe” da Syrah),
portanto, um “tio/tia” da Syrah.
Teroldego é uma uva roxa de cor escura e cascas firmes. Produz vinhos com uma acidez e um amargor característicos e tem potencial para produzir desde vinhos de corpo mais leve até os mais encorpados.
Trentino continua sendo a “casa” da Teroldego. Elisabetta
Foradori é a principal produtora dos vinhos Teroldego Rotaliano (D.O.C). Além
disso, tais exemplares podem ser consumidos dentro de três anos após o
engarrafamento ou, até mesmo, envelhecer por dez anos. Em blends, a uva
Teroldego é utilizada para adicionar cor aos exemplares e é cultivada em
Toscana e Veneto para esta utilidade. Outros países que produzem vinhos com
esta uva são: Estados Unidos, Austrália e Brasil.
Teroldego no Brasil
A Teroldego é uma uva com fortes taninos e casca grossa e,
dependendo da área onde estiver cultivada, dá origem a vinhos com diferentes
estilos. Em regiões mais frias, assim como a Serra Gaúcha, essa variedade é
responsável por elaborar vinhos menos potentes e aromáticos, bem como exemplares
com coloração mais clara. No entanto, se a uva Teroldego estiver cultivada em
regiões mais quentes e ensolaradas, como é o caso da Serra do Sudeste e
Campanha, os vinhos tintos serão mais encorpados, aromáticos e com fortes
taninos – suavizados com o uso de barris de carvalho. Mais informações sobre a
Teroldego no Brasil leia: “Uva Teroldego resgata identidade no sul do País”.
Encruzilhada do Sul
Encruzilhada do Sul é um município brasileiro do estado do
Rio Grande do Sul, localizado no Vale do Rio Pardo. O primeiro nome foi Santa
Bárbara de Encruzilhada. No decorrer dos anos de 1715 até 1766 os primeiros
habitantes instalaram-se no Capivari, região que hoje fica a alguns quilômetros
da cidade. Surgiram na campanha os primeiros estabelecimentos pastoris,
formados por uma vanguarda de missionários e índios, que lutaram juntamente com
guardas que protegiam a Província das invasões espanholas. Domingos Bitencourt
fez doação de uma parte de terras ao governo, onde fica a cidade de
Encruzilhada do Sul, para que fosse construída uma Freguesia. Começou, então, a
chegada dos primeiros povoadores de Rio Pardo, São Paulo, Açores e Laguna.
Curiosamente, a Serra do Sudeste abriga pouquíssimas
cantinas. O relevo suavemente ondulado serve de sede quase que exclusivamente
para vinhedos. A maior parte das uvas é transportada, geralmente à noite, até
outras regiões do Rio Grande do Sul, onde é vinificada. No entanto, com o
crescimento de sua importância no cenário enológico nacional e o surgimento de
empreendimentos locais voltados à produção de uva, essa situação deve sofrer
mudança em um futuro breve. Encruzilhada do Sul, é um amável município que fica
a menos de duas horas de carro a sudoeste de Porto Alegre. Está localizado na
Serra do Sudeste que possui altura média de 300 a 400 metros de altura, sendo
boa parte de seu solo de pedra, com invernos rigorosos e verões com excelente
insolação.
Mapa Encruzilhada do Sul
A Serra do Sudeste tem colinas suaves, que facilitam o
plantio e a mecanização, tornando-a um terroir mais simples de trabalhar.
Aliadas a isso, estão as condições climáticas, mais favoráveis do que no Vale
dos Vinhedos. Essa região tem o menor índice de chuvas do Estado do Rio Grande
do Sul, além de noites frias mesmo no verão, justamente a época da maturação
das uvas. Essas condições naturais, além de um solo mais pobre e de origem
granítica, nos ajudam a ter maior concentração de cor, estrutura e potencial de
envelhecimento dos vinhos. A expansão para a Serra do Sudeste é sinal claro da
busca por qualidade dos produtores brasileiros e da diversidade de que os
vinhos estão, finalmente, abraçando.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um vermelho rubi intenso, escuro, profundo
com lágrimas grossas e abundantes que marca as paredes da taça, um vinho caudaloso
que já denuncia a sua robustez.
No nariz traz um curioso aroma de fazenda, um toque terroso,
de terra molhada, algo de estrebaria, um quê de rusticidade e notas discretas
de frutas negras completa o coreto.
Na boca é estruturado, carnudo, aquele vinho que se degusta
com “garfo e faca”, complexo, as frutas negras aparecem, toque de ameixas, por
exemplo, as especiarias mostram a que vieram um fundo de ervas, com taninos
poderosos e marcados, com uma acidez instigante. Tem um final longo,
prolongado.
O apelo regionalista, a cultura arraigada e que personifica
na tipicidade do vinho. A história, viva e latente, sendo, a cada dia escrita,
a tradição se faz atual e contemporânea. As inspirações se confundem com a
tipicidade, tudo isso em prol do nosso deleite, para a felicidade de quem
degustará cada gota dessa bebida que é uma verdadeira poesia líquida. Um vinho
de pegada, corpulento, voluptuoso, de personalidade. Assim podemos descrever o Bertolini
Bigorna Teroldego. Ainda jovem, mostrou rebeldia e certa impetuosidade, mas, ao
longo da degustação, foi afinando, amansando, se equilibrando, tornando-se
fácil de degustar, harmônico, mas ainda assim expressivo e de marcante
personalidade. Que a Teroldego encontre em nossas terras as condições
necessárias para se perpetuar com cada vez mais rótulos e que nos brinde com
vinhos cada vez melhores. Tem 13,7% de teor alcoólico.
Sobre a Bertolini Riserva Famiglia:
A Família Bertolini resgata sua trajetória, marcada pelo
empreendedorismo, união e tradição italiana, e a transporta para a série
especial “Vinhos Bertolini”, que homenageia os antepassados e os valores
transmitidos pelos patriarcas. Cada garrafa expressa o talento para transformar
matérias-primas em produtos de excelência. Hoje, parte da família, é
reconhecida pela fundação e condução do Grupo Bertolini, referência pelo
trabalho desenvolvido nos mercados moveleiro, de armazenagem e logístico, em
todo o país.
Valorizando as raízes, os vinhos têm, em sua apresentação
visual, o resgate dessa paixão através da representação das ferramentas de
trabalho do ferreiro, ofício que o pai, Francisco, fez com maestria e deixou
como legado para seus descendentes. Além de simbolizar os valores que forjaram
o caráter da família Bertolini ao longo de sua história, elas expressam as
características de cada vinho.
Os vinhos Bertolini têm como filosofia a naturalidade no
processo de elaboração, ou seja, com o mínimo de intervenção mecânica e a
preferência por métodos naturais durante a fermentação e afinamento. O mesmo
vale para as correções de acidez, açúcar, feitas sem aporte de produtos
químicos.
Assim, inspirados na tradição europeia, mas com um gosto
contemporâneo, expressam o terroir de uma nova geração produtora no Brasil, que
vem se destacando com excelentes resultados: a Encruzilhada do Sul.
O trabalho da Bertolini começou no ano de 2012. É um negócio
pequeno que foi fundado por 5 irmãos em homenagem à geração anterior da
família, de Domenico Bertolini, que era composta por metalúrgicos
especializados em cozinhas de aço.
Dessa homenagem, vêm os nomes dos vinhos: “Cadinho”,
“Bigorna” e “Tenaz”, referências às ferramentas utilizadas para a construção
desses espaços. O foco é produzir líquidos que mostram ao máximo a tipicidade
de Encruzilhada do Sul, região de clima ameno, em um vinho branco e vinhos
tintos elaborados com uvas Chardonnay, Teroldego e uma mistura entre Merlot,
Nebbiolo e Touriga Nacional: mistura europeia em vinhos brasileiros.
Referências:
“Vinho Básico”: https://www.vinhobasico.com/2015/06/26/teroldego-a-uva-do-trentino/
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/teroldego
“Site Encruzilhada do Sul”: https://www.encruzilhadadosul.rs.gov.br/prefeitura/historia/
“Agência Preview”: https://www.agenciapreview.com/vindima-em-encruzilhada-do-sul/#:~:text=Descoberto%20na%20d%C3%A9cada%20de%201970,elaborados%20com%20uvas%20dessa%20%C3%A1rea.
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/a-nova-fronteira-sul_8619.html
“Difusora 890”: https://difusora890.com.br/bertolini-apresenta-serie-especial-de-vinhos-que-contam-historia-da-familia/