Ainda sigo o meu caminho, o meu garimpo pelas castas e
regiões pouco conhecidas, pouco populares em terras brasileiras, afinal
precisamos nos proporcionar novas experiências sensoriais e sair um pouco do
óbvio, da temida e anestesiante zona de conforto daquelas castas muito famosas
e conhecidas. E a minha degustação de hoje, apesar de nunca ter degustado essa
casta na sua versão varietal, ela é extremamente popular e conhecida em seu
país. Talvez seja uma confirmação de que ainda estou engatinhando em minha
caminhada no universo do vinho ou porque esse universo é tão vasto e
inexplorado ou talvez um seja consequência do outro.
O fato é que criar uma expectativa acerca de uma nova degustação, de uma cepa pouco corriqueira para mim é motivo de muita alegria e de uma uva extremamente popular e aceita em seu país de origem: Falo da emblemática Itália. Degusto vinhos da “Velha Bota” desde que me conheço por enófilo e sempre ouvi falar da casta Barbera, mas nunca a degustei em uma versão varietal. Infelizmente o mercado brasileiro ainda é incipiente em algumas ofertas de rótulos por aqui e é inconcebível, pelo menos para mim, não ter opções da Barbera em nossos pontos de venda e os poucos que tem, são oferecidos a altíssimos valores pelo fato, além do custo Brasil e impostos altos, da escassez de opções.
Mas o estímulo ao garimpo dessas castas pouco usuais em
terras “brasilis” confesso ser grande e as nossas sensações, mais do que
evidentes, sensoriais, claro, é que agradecem”. Lembro-me ter feito a aquisição
de meu rótulo em uma despretensiosa ida ao supermercado. A avistei, com um
olhar clínico e interessado, jogado em uma gôndola praticamente no chão sem
nenhum destaque, mas achei, por se tratar de um rótulo cuja casta não é popular
por aqui, o valor bem atrativo, em torno de R$ 40,00!
Então sem mais delongas apresento o vinho que degustei e gostei da tradicional e excepcional região italiana no Piemonte, da comuna de Asti, o Cantine Castelvecchio da casta Barbera da safra 2016, um DOCG (Denominação de Origem Controlada e Garantida). E, diante desse dia especial de degustação, celebremos também com um pouco de história da região do Piemonte, sua comuna conhecida, Asti, que carrega seu nome nos rótulos dos vinhos produzidos com a casta Barbera e um pouco da história da história desta casta tão importante para a cultura vinícola da Itália.
Piemonte, a filha pródiga dos vinhos italianos
Piemonte disputa com Toscana a primazia de produzir os
melhores vinhos de seu país. Situado na porção mais ocidental da Itália, fazendo
fronteira com a França, também foram os gregos que deram início à produção de
vinhos. Absorvido mais tarde pelo Império Romano, a zona teve um grande
desenvolvimento nas atividades vitivinícolas, que só foram prejudicadas mais
tarde, já na Era Cristã, durante a invasão de povos bárbaros oriundos do norte
da Europa. A nobreza medieval se encarregou de retomar o plantio das uvas e a
elaboração do vinho, já nessa época surgem menções a uva emblemática da região,
a Nebbiolo. Devido a forte influência francesa (a região foi, por séculos,
dominada pela Casa de Savóia), por muito tempo seu vinho se assemelhou ao
clarete, que era a moda na Europa de então. Foi somente a partir do século
XVIII, quando ocorreu um grande processo de renovação vinícola, que surgiu o Barolo,
vinho de grande caráter e símbolo da região, para fazer sua fama. O Piemonte
produz atualmente cerca de 300 milhões de litros de vinho por ano em sua área
de 58 000 ha. plantada de vinhedos.
Como o próprio nome indica, a região está situada ao pé da
montanha - no caso, os Alpes - sendo, portanto, uma região muito acidentada. A
maior parte de Piemonte está constituída por colinas e montanhas, mas sobram
cerca de 26% de terras planas. Além dos Alpes, outra cordilheira, o Apenino Ligúrio,
invade também seu território. Os rios Pó e Tanaro cruzam suas terras, onde se
encontram as cidades de Torino (capital), Alba, Alessandria, Asti e Novara,
dentre outras. Seu solo é muito variado, com faixas de calcário e areia, outras
de giz e manchas de granito e argila. Ao longo dos rios há presença de solos
aluviais. O clima é Continental, com estações bem marcadas, invernos rigorosos
e verões quentes. O índice de chuvas é de cerca de 1.000 mm/ano. As uvas tintas
representam dois terços da produção da zona. Além da Nebbiolo, vamos também
encontrar as Barbera (a variedade mais plantada em toda a Itália), Brachetto,
Dolcetto, Grignolino, Freisa e, em menor escala, algumas cepas francesas, como
a Cabernet Sauvignon. As principais castas brancas são a Arneis, Cortese,
Moscato Bianco, Malvasia, Erbaluce a Chardonnay. O Piemonte produz cinco vinhos
DOCG (Vinhos de Denominazione di Origine Controllata e Garantita), a elite dos
vinhos italianos, são eles: Barolo, Barbaresco, Gattinara, Asti, Brachetto D'
Acqui. Além desses, também saem da região 42 vinhos DOC (Denominazione di
Origine Controllata) e vários Vini da Tavola de boa qualidade.
Barbera, o “vinho do povo”.
Uma das maiores uvas italianas, ficando atrás apenas da
Sangiovese, a uva Barbera, conhecida anteriormente por produzir vinhos de menor
qualidade, hoje é responsável por vinhos nobres e notáveis. Esta casta passou,
pelos últimos anos, uma verdadeira história de superação. Trata-se da uva que é
responsável pelo vinho que os piemonteses consomem no dia a dia, daí o nome que
foi concedido pelas pessoas da região: “o vinho do povo”.
Acredita-se que a uva Barbera tem origem nas montanhas de
Monferrato, na região central de Piemonte, na Itália. Alguns documentos,
datados entre 1246 e 1277, encontrados na Catedral da Casale Monferrato,
detalham acordos relacionados a vinhedos plantados com “de bonis vitibus
barbexinis”, a uva Barbera. Contudo, um ampelógrafo chamado Pierre Viala
especula que ela se originou em Oltrepò Pavese, na região da Lombardia. Nos séculos
19 e 20, ondas de imigrantes italianos trouxeram esta cepa para a Califórnia,
Argentina e outros lugares nas Américas. Em 1985, um evento trágico relacionado
à uva Barbera envolveu produtores adicionando ilegalmente metanol aos vinhos.
Esta ação causou declínio no plantio e vendas da uva. Isto levou a
Montepulciano tomar o posto da uva Barbera no meio da década de 90. Anteriormente
considerada uva de vinhos inferiores, até o escândalo de Relações Públicas nas
décadas de 80 e 90, a uva Barbera tomou um rumo de superação muito
interessante.
Frutado, ele tem gosto de cerejas, morangos e framboesas.
Quando jovem, o vinho Barbera pode ter aroma de mirtilos também. Com pouco
tanino e alta acidez natural, a uva Barbera é uma boa pedida para harmonizar
vinhos com alimentos ricos e reconfortantes, como queijos, carnes e cogumelos. Além
de Piemonte, a uva Barbera é cultivada em outras regiões da Itália, como
Campania, Emilia-Romagna, Puglia, Sardenha e Sicília, somando 52.600 acres de
plantação. O vinho Pomorosso 2008, do produtor Coppo, é famoso por transformar
a Barbera em uma casta nobre - elegante, também é reconhecido como um dos
melhores tintos italianos. Fora do país, a Argentina, a Austrália, os Estados
Unidos e até mesmo o Brasil são outros produtores conhecidos de vinhos de
qualidade com a Barbera. Em regiões quentes, como a Califórnia, nos EUA,
destacam-se toques de ameixa, além do sabor frutado de cereja.
E agora finalmente falemos do vinho!
Na taça entrega um vermelho rubi intenso, porém com brilhosos
e reluzentes entornos violáceos, diria em tons granadas. Lágrimas finas,
abundantes e que desenham lindamente as paredes do copo.
No nariz explode em complexidade aromática, as frutas em
evidência, frutas vermelhas maduras, trazendo cereja e groselha na lembrança,
com sutis notas de baunilha.
Na boca é seco, estruturado, forte, mas harmônico e
equilibrado, certamente pelo tempo de safra, com taninos pronunciados, mas
domados com uma vibrante acidez que remete algum frescor, com discreto
amadeirado, graças aos 6 meses de passagem por barricas de carvalho. Final persistente
e de retrogosto frutado.
Um vinho que expressa definitivamente e com dignidade as essências do Piemonte, enaltecendo o que há de melhor naquelas terras, da
cultura do seu povo e do saber fazer no que tange aos seus rótulos, dos mais
simples aos mais complexos. O Cantine Caltelvecchio traz à tona todas essas
características, com muita tipicidade revelando, em todas as suas nuances, o
que há de melhor do Piemonte, da Itália. Um vinho encorpado, de personalidade
marcante e complexidade aromática é mesclado às características do aporte pela
passagem pela barrica de carvalho, deixando-o também mais macio, mais
equilibrado, portanto também um vinho versátil e fácil de degustar, tendo uma
vocação gastronômica muito grande, como todo vinho italiano. Um prazer grande
degustar, pela primeira vez, um varietal da casta mais popular da Itália, a
Barbera. Teor alcoólico de 13%.
Sobre a Cantine Manfredi:
O vinho é uma paixão para a família Manfredi há mais de cem
anos. Tudo começou Nicolao Manfredi no início do século XX. Porém, foi
como filho Giuseppe, conhecido como Pin, que, no final da década de
30 do século passado, a tradição familiar dos enólogos se transforma em
atividade, quando o amor pela terra do Langhe o convence de que esta no caminho
certo. Nos anos 60, ainda muito jovem, o filho de Giuseppe, Aldo, começou a
trabalhar com o pai, lado a lado, ajudando-o no trabalho da adega e a cuidar
dos partos, criando relações de trabalho e de amizade que perduram até hoje. Na
década de oitenta novas colaborações se estabeleceram e os vinhos também
conquistaram o mercado externo, dos Estados Unidos ao Japão, do Canadá à China
e muitos países da Europa. Hoje Aldo, a esposa Gianfranca e as suas filhas
Luisa e Paola, apoiadas por uma equipe muito unida, continuam nesta atividade
com paixão, com vista a uma atenção comum à qualidade do produto e à proteção
do território para continuar a história de uma família que começou há muitos
anos.
Mais informações acesse:
https://www.manfredicantine.it/it/homepage
Referências de pesquisa:
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/piemonte-grandiosa-regiao-italiana_8360.html
“Vem da Uva”: https://www.vemdauva.com.br/vinho-barbera-conheca-suas-caracteristicas/
“Enologuia”: https://enologuia.com.br/uvas/256-uva-barbera-conheca-o-vinho-do-povo
“Blog Art des
Caves”: https://blog.artdescaves.com.br/uva-barbera-mais-plantadas-na-italia