Eu não sei quanto aos demais enófilos, mas quando a gente
conhece uma vinícola ou ainda uma região e se surpreende positivamente, você
quer sempre mais, buscar ainda mais rótulos, conhecer um pouco da história dos
vinhos do referido produtor e daquela terra de onde veio. É como se fora um
vício, talvez a palavra soe um tanto quanto dramática, mas é algo salutar e,
para aqueles que curtem mesclar as degustações com história, cultura, é um
prato cheio! Lembro-me como se fosse hoje, quando conheci os vinhos da Adega
Cooperativa de Pinhel, oriunda da região lusitana do Beira Interior. Pouco
conhecida, é bem verdade, em comparação às emblemáticas e populares regiões
portuguesas do Douro, Alentejo, Tejo, por exemplo, foi outro estímulo para
conhecer e degustar ainda mais os vinhos dessa região. Li algumas publicações
de especialistas do universo do vinho que um vinho chamado D. João I branco foi
muito bem posicionado em um ranking de degustação às cegas realizado por
especialistas e jornalistas do vinho. E quando falaram que o vinho era muito
barato me chamou a atenção, é claro. Em minhas incursões aos supermercados,
lembrei-me de ter visto esse rótulo nas gôndolas e não hesitei em voltar lá e
compra-lo, o que confesso, não ter feito antes por receio de não ser um bom
vinho. Comprei e realmente, ele foi arrebatador e os meus comentários seguem
neste link, o D. João I branco. E não satisfeito decidi degustar a versão tinta do D. João I
e outra gratíssima surpresa! E claro, não poderia negligenciar as minhas
impressões sobre ele e textualizá-las, conforme segue no link também: D. João I tinto. Então,
a sorte e o garimpo sorriram para mim de novo e mais um rótulo da Adega
Cooperativa de Pinhel apareceu diante dos meus olhos. Não hesitei, precisava
fazer a aquisição deste novo vinho e me proporcionar uma nova experiência.
Então o vinho que degustei e gostei, o olha que eu gostei
também, veio da minha mais nova queridinha região lusitana, Beira Interior,
mais precisamente do Concelho de Pinhel, e se chama Pinhel Colheita, das
autóctones castas Rufete e Marufo, da safra 2017. E olha que, com as gratas
novidades, vem junto o prazer das descobertas que o vinho proporciona pelo
menos para mim! Então, para não perder tempo, falemos um pouco do Concelho de
Pinhel, que dá nome ao vinho e as castas que o compõe: Rufete e Marufo.
O Concelho de Pinhel
Pinhel é uma cidade portuguesa pertencente ao distrito da
Guarda, na província da Beira Alta, região do Centro (Região das Beiras) e
sub-região das Beiras e Serra da Estrela, com aproximadamente 3 500 habitantes.
A origem da cidade de Pinhel é atribuída, sem grande certeza,
aos Túrdulos, por volta do ano 500 a.C. O concelho de Pinhel recebeu foral de
D. Sancho I em 1209, detendo funções de organização militar e jurisdição.
Deve-se a D. Dinis a reedificação do Castelo de Pinhel, constituído por duas
torres, e a construção da histórica muralha que rodeava a vila da época (atual
zona histórica), constituída por seis portas: Vila, Santiago, S. João,
Marrocos, Alvacar e Marialva. Tornou-se sede de diocese e cidade em 1770,
durante o reinado de D. José I, por desanexação da Diocese de Lamego, mas em
1881 a Diocese de Pinhel foi extinta pela Bula Papal de Leão XIII e incorporada
na Diocese da Guarda. Constitui uma zona de vinhos de altitude, média de 650m. O
seu clima é extremamente frio no inverno e quente e seco no período do estio ou
verão. O solo é arenoso de origem granítica e de baixa fertilidade. A
sub-região de vinhos de Pinhel é ideal para vinhos brancos acídulos. No caso de
vinhos tintos, se forem para envelhecimento podemos encontrar grandes
surpresas. Dado que as maturações são lentas, é extremamente indicada para
produção de espumantes. Os concelhos de Pinhel são: Celorico da Beira, Guarda,
Meda, Pinhel e Trancoso. As castas tintas predominantes são: Bastardo, Marufo,
Rufete e Touriga Nacional, no conjunto ou em separado, com um mínimo de 80%,
Baga, Tinta Carvalha, Pilongo e Trincadeira (Tinta Amarela). Já as brancas são:
Bical, Arinto (Pedernã), Fonte Cal, Malvasia Fina, Malvasia Rei, Rabo de Ovelha,
Síria (Roupeiro) e Tamarez, no conjunto ou em separado, com um mínimo de 80%.
Os tintos costumam ser vinosos, vivos e brilhantes enquanto jovens, intensos e
equilibrados, com raro bouquet quando estagiados e envelhecidos. E os brancos
são vinhos aromáticos, cheios e persistentes no sabor.
Marufo
A casta Marufo tem origem no nordeste de Portugal e sua
denominação não tem tradução. As regiões de maior expansão são, claro, Beira
Interior, Trás-os-Montes e a emblemática e tradicional Douro.
Tida como uma das cepas mais antigas de Portugal há
referências sobre ela que datam do ano de 1512! E é conhecida como: Abrunhal
(Pinhel), Falso Mourisco, Mourisco Tinto (Douro), Marufa, Marujo, Mourico
(Beira interior) Uva-rei (Trás-os-Montes), Barrete-de-Padre na região demarcada
do Dão e Tinta Grossa no Alentejo.
Rufete
A casta Rufete é a mais plantada nos encepamentos tradicionais da Beira Interior, sendo popular nas regiões do Douro e Dão. É uma casta caprichosa e exigente, reivindicando condições muito particulares para poder dar o melhor de si.
Sensível ao míldio e oídio, é uma casta produtiva, com cachos
e bagos de tamanho médio. Por ser uma variedade de maturação tardia, tem dificuldade
em madurar na plenitude, antes das chuvas do equinócio. Porém, quando amadurece
bem, compõe vinhos aromáticos, encorpados, frutados e delicados, com um bom
potencial de envelhecimento em garrafa. É uma casta utilizada maioritariamente
como lote juntamente com a Touriga Nacional e a Tinta Roriz.
E agora o vinho!
Na taça conta com um vermelho escuro, intenso, mas com
reflexos violáceos, muito brilhante e com lágrimas grossas e abundantes que
teimam em permanecer nas paredes do copo, desenhando-o.
No nariz apresenta agradáveis notas frutadas, frutas
vermelhas, como morango e framboesa, com muito frescor e discretos toques de
especiarias
Na boca se confirmam as frutas vermelhas, um vinho de leve para corpo médio, muito macio, delicado e redondo, com taninos macios e sedosos, com acidez baixa, quase imperceptível e sútil. Tem um retrogosto de média persistência, lembrando as frutas vermelhas.
Um senhor vinho! Um surpreendente vinho! E mostra a força regionalista de uma região extremamente tradicional, embora pouco conhecida em terras brasileiras, mas que merece toda e qualquer reverência, afinal, não há nada mais expressivo e forte do que o terroir, a tipicidade de um vinho. Um vinho de personalidade marcante, de médio corpo, mas que se revela fresco, jovial, frutado, de um perfeito equilíbrio, harmônico e elegância. Como tem sido aprazível degustar os vinhos da região de Beiras. Um vinho versátil que harmoniza com comidas mais simples, refeições, mas que, ao mesmo tempo com pratos mais gordurosos, como pizza e massas, por exemplo. Um excelente custo X benefício que entregou muito mais do que valeu. Grata experiência! Tem 13% de teor alcoólico.
Sobre a Adega Cooperativa de Pinhel:
Desde tempos muito antigos que em Pinhel, e seu termo, se
praticava a cultura da vinha e se produziam vinhos de alta qualidade; já nos
princípios do ano 1500, o Rei D. Manuel I, o Venturoso, concedeu diversas
regalias e privilégios em favor dos vinhos de Pinhel. Em 1942 e 1943, houve
colheitas abundantes e não havia escoamento para a produção, foi então que a
Junta Nacional do Vinho, recentemente criada, como organismo de Coordenação
Económica, e que veio substituir a antiga Federação dos Vinicultores do Centro e Sul de Portugal,
instalou em Pinhel uma caldeira móvel de destilação, acionada por uma geradora
locomóvel, em que foram destilados milhões de litros de vinho e que veio
resolver a crise gravíssima, que afetava os lavradores da Região, que viviam
exclusivamente do rendimento do vinho. De todos os Organismos Corporativos,
criados pelo Estado Novo, a Junta Nacional do Vinho, era o mais querido, pelos
beneficias que trouxe a toda a região vitivinícola, por isso os vinicultores
depositavam toda a confiança esperançados que o organismo, quando necessário,
lhe resolvesse os problemas respeitantes ao vinho. Os vinhos desta área eram tão
bons que as aguardentes vínicas resultantes da destilação ficavam de finíssima
qualidade. Quando transportadas para os armazéns da Mealhada não eram
misturadas com outras provenientes de outras áreas ficando em depósitos
separados. Em 1945, a Junta Nacional do Vinho iniciou a instalação de duas
caldeiras fixas de destilação contínua, que trabalhavam de dia e de noite, só
paravam cada 15 dias para limpeza. Como era pena destilar vinhos de tão boa
qualidade, a Junta Nacional do Vinho, em colaboração com o Grémio da Lavoura de
Pinhel, pensou na criação da Adega Cooperativa, nas suas próprias instalações
que tinham sido compradas à Câmara Municipal de Pinhel e que tinham ficado
devolutas pela saída das Forças Militares, ali aquarteladas, e que se tinham
revoltado contra o Governo da Ditadura Militar.Em 1947, construíram-se 6
lagares em granito, no parque utilizado pelas viaturas militares e os tonéis
foram montados nas cavalariças depois de devidamente adaptadas. A primeira
laboração foi feita por processos artesanais, pois em Pinhel não havia energia
eléctrica com potência suficiente e a mesma era desligada à meia-noite; às
próprias bombas de trasfega, eram movidas por motores de explosão. Foram 33
sócios, a entregar as uvas nesse ano na Adega; embora com bastantes
dificuldades, estava criada e posta a funcionar a Adega Cooperativa. Dos
primitivos 33 cooperantes, atingiu-se os 2.300 atuais.
Maiores informações acesse:
http://www.acpinhel.com/index.html
Fontes de pesquisa:
Portal “Infovini”: http://www.infovini.com/classic/pagina.php?codPagina=45&codCasta=76
Portal “Wine
to Wine Circle”: https://www.vinetowinecircle.com/castas_post/marufo/
Portal “Comissão Vitivinícola Regional da Beira Interior: http://www.cvrbi.pt/index.php/castas-cvrbi?showall=&start=1