Quando falamos ou sequer lembramos de Malbec, não há como
negligenciar regiões como Mendoza, na Argentina e Cahors, na França, como a
“pátria-mãe” da cepa tão famosa hoje mundialmente falando.
Mas não se enganem o Brasil está cultivando a variedade e vem
se destacando na tipicidade de seus rótulos. Eu descobri os primeiros vinhos
tupiniquins de Malbec lá pelos idos de 2017, quando estive em uma das primeiras
edições do Festival “Vinho na Vila”, que privilegia os produtores nacionais.
Para quem conhecia apenas Mendoza e Cahors, Chile também,
apesar de poucos rótulos ofertados em nosso mercado consumidor, como
produtores, ver alguns vinhos brasileiros da casta foi motivo de alegria e
ansiedade para ter um “exemplar” em minha adega.
Mas demorou um pouco, embora tenha degustado alguns poucos
rótulos em eventos que participei desde o “Vinho na Vila”, em 2017. Alguns
valores estavam demasiados altos para mim e fui, contudo, adiando o momento de
ter em minha taça um Malbec brasileiro.
Até que um belo dia, visitando alguns sites de vinhos
descobri um rótulo a um preço excelente, praticamente imperdível a compra e é
de um produtor que havia conhecido no evento “Vinho na Vila” anos antes, porém
no dia no estande não tinha o Malbec.
O dono era que “regia” as apresentações de seus rótulos. Era
muito simpático e atria a todos pelo seu carisma e sorriso. O nome dele era
Jorge Fin e era da Vinícola Fin, de uma região gaúcha, até então, desconhecida
para mim: Entre-Ijuís.
Eu me aproximei do estande e ele logo me apresentou os seus
rótulos e de imediato me apresentou o seu Tannat, o Fin Tannat Reserva 2015.
Como eu estava, e ainda estou, na época de garimpos de Tannats brasileiros o
comprei, sem pestanejar.
Degustei outros rótulos e estavam maravilhosos, o Sr. Jorge
Fin, muito simpático, me motivou a tirar uma foto com ele e também não hesitei
e prometi a ele que buscaria novos rótulos.
E foi assim que o Malbec chegou às minhas mãos! Com várias
buscas, tentativas e procuras. É difícil encontrar os rótulos do Seu Jorge Fin,
mas com um pouco de esmero e dedicação até consegue.
E o momento da degustação chegou! Algumas novidades cercam
esse rótulo, além de ser o meu primeiro rótulo de Malbec nacional. A região:
Entre-Ijuís, o portal da Missões. Nem precisa dizer que estou tomado por uma
animação mesclada a ansiedade.
Então sem mais delongas, vamos às apresentações do vinho! O
vinho que degustei e gostei veio do sul do Brasil, de Entre-Ijuís e se chama Fin
Reserva do Produtor, um 100% Malbec, da safra 2017. Tentarei tecer um pouco da
história da região, embora pouco conhecida entre os enófilos, mas que goza de
uma forte representatividade histórica: Segundo Jorge Fin as primeiras uvas que
chegaram ao sul do Brasil, isso no século XVII, não foi na Serra Gaúcha, como
dizem, mas em Entre-Ijuís.
Entre-Ijuís: Portal das Missões
Embora não seja muito conhecida entre os viajantes, o local
tem grande potencial turístico. Para quem vai de Santo Ângelo a São Miguel das
Missões, vale a pena dar uma paradinha em Entre-Ijuís, que fica no caminho
entre as duas cidades.
A simpática cidade tem pontos turísticos históricos e cheios
de vida, todos muito bem organizados e com belas paisagens. Entre eles
destacam-se o Sítio Arqueológico de São João Batista, o Parque das Fontes e a
Vinícola Fin.
Com a economia baseada principalmente na agricultura,
Entre-Ijuís se destaca pelo seu belo interior, cercado principalmente pelas
plantações de trigo e aveia. Viajamos em uma época linda (no final de
setembro), então os campos de trigo já estavam dourados.
E uma curiosidade: antes chamada de Passo do Ijuí, a cidade
foi renomeada após separar-se de Santo Ângelo, e recebeu o nome que faz
referência ao fato de estar localizado entre os rios Ijuí e Ijuizinho.
História
A primeira organização urbana ao estilo europeu que ocorreu
nas terras entre-ijuienses foi a Missão Jesuítica-Guarani de São João Batista,
fundada em 14 de setembro de 1697, com 2.832 nativos oriundos da Redução de São
Miguel Arcanjo, liderados pelo jesuíta Antônio Sepp. Foi a 6ª Redução de um
conjunto conhecido como Sete Povos das Missões.
Por um longo tempo os Sete Povos das Missões foram
administrados por Corregedores nomeados pelos governadores de Buenos Aires,
subordinados a Coroa Espanhola. Além dos Corregedores, existiam os Cabildos
(semelhante à Câmara Municipal de hoje) que tinham poderes para efetuar a
concessão de terras. Aí tiveram origem os latifúndios.
Com a extinção das reduções, já sem jesuítas, índios
desgarrados, surgem os Tropeiros e Carreteiros para utilizarem e batizarem o
“Passo do IJUÍ”, lugar preferido para “fazerem o meio-dia” ou, o pernoite e
depois seguir para o “povo” de Santo Ângelo onde faziam seu comércio.
Em 1824, o governo provincial mandou para São João Batista diversas famílias de imigrantes alemães que haviam chegado à Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Era o início da Colônia São João das Missões, criada pelo Presidente da Província José Feliciano Fernandes Pinheiro.
Entretanto, os imigrantes não se adaptaram e poucos permaneceram no local, onde
ficaram residindo apenas as famílias de Ernesto Kruel, Carlos Holsbach, Tristão
Schmidt. Mais tarde vieram imigrantes italianos e poloneses.
Para não deixar as terras abandonadas, o governo distribuiu
grandes lotes através dos Atos de Concessões de Terras, sendo que as terras que
fazem parte de Entre-Ijuís foram concedidas a João de Lara Leite Bueno, que em
1858, doou parte de suas terras para a construção de uma Capela dedicada a São
João Batista, a capela não foi construída, mas as terras passaram a ter
responsabilidade da Mitra Diocesana de Uruguaiana.
Em 22 de março de 1873, Santo Ângelo se desmembrava de Cruz
Alta, e o Passo do Ijuí começava a ter os primeiros moradores. Eram colonos que
receberam terras quando da colonização da margem esquerda do rio Ijuí, época da
fundação oficial da colônia do Ijuí Grande. Quando o governo Republicano
delegou poderes à Delegacia de Terras e Colonização, em maio de 1890, era
decidido colonizar a Bacia do Uruguai, começando pelas matas do Rio Ijuí, sob a
chefia do Engenheiro José Manoel da Siqueira Couto.
Em 1918, a construção de uma modesta ponte de madeira, vem
dar condições às carretas, carroças, charretes, jardineiras de passar de um lado
ao outro do rio. No início os carroceiros, tropeiros de mulas, carreteiros e
viajantes paravam aqui para abastecerem-se, alimentarem-se e descansarem antes
de seguir para Santo Ângelo. À medida que aumentava o movimento local foram se
estabelecendo comerciantes de produtos alimentícios.
O que fazer em Entre-Ijuís?
Em uma visita rápida, é possível conhecer e se encantar pelos
principais pontos turísticos de Entre-Ijuís, que vão desde o Sítio Arqueológico
até a Vinícola Fin, que conta com um belíssimo espaço externo, ideal para
contemplação.
Sítio Arqueológico São João Batista
É conhecido como o principal ponto turístico do município.
Fundado em 1697, o local fica a 19km do centro de Entre-Ijuís, na localidade de
São João Velho. O caminho é de estrada de chão com uma paisagem belíssima e
muito bem conservada. A redução de São João Batista se destacou,
principalmente, por ter sido a primeira Fundição de ferro da América do Sul e
pelas culturas das atividades artísticas musicais.
Amplo, o sítio é repleto de árvores. Logo na entrada, estão expostas pedras que foram doadas pela comunidade, e compõem um cenário belíssimo e cheio de história. Uma das principais obras é a escultura em homenagem ao padre Antônio Sepp, um dos principais religiosos da região das Missões.
Balneário Parque das Fontes
O Balneário fica na comunidade de Esquina Rondinha. O lugar é mais frequentado durante o verão, já que funciona como parque aquático, com piscinas, áreas de lazer e churrasqueiras. O Parque das Águas recebe turistas e grupos mediante agendamento, além de ser parada dos peregrinos que realizam o Caminho das Missões.
Vinícola Fin
Em plena Rodovia BR 285, no Km 509, a Vinícola Fin é um dos
pontos altos dos pontos turísticos. Logo na entrada tem uma vista incrível e
muito bem conservada, com características que lembram uma fazenda. Do lado
externo da vinícola há um grande lago cercado por árvores, que formam um belo
cenário para fotografias e também para quem deseja descansar na sombra.
Há 23 anos na cidade, a vinícola preserva uma tradição
familiar que iniciou em 1876. O lugar vende vinhos de mesa e finos e também
espumantes. A degustação e visitação guiada custam R$ 50, e é possível provar
cinco tipos de vinho.
Um dos sucessos da vinícola é o vinho Porto das Missões, que homenageia a região e o padre jesuíta Roque Gonzáles. Ele plantou as primeiras castas europeias em solo missioneiro no município de São Nicolau. O ambiente da vinícola é bem rústico, mas a paisagem é encantadora.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta uma coloração rubi intensa. Quase escura
com algum brilho e halos granada. Tem lágrimas finas, lentas, que desenham as
bordas do copo, e em média intensidade.
No nariz é perfumado, aromático, com discreto floral, mas as
notas frutadas é que ganha protagonismo, como todo bom Malbec, frutas vermelhas
maduras, com toques evidentes de especiarias, com destaque para ervas, algo
verdadeiramente herbáceo reina no nariz, pimenta, cravo, além de couro, tabaco
e baunilha. A madeira é discreta.
Na boca é de textura sedosa, macia, mas com personalidade, mostrando-se um vinho razoavelmente cheio. As notas frutadas ganha destaque como no aspecto olfativo, com a madeira um pouco mais proeminente, devido aos doze meses em barricas de carvalho, trazendo um toque de baunilha, terra, algo de café torrado. Taninos presentes, mas domados, com acidez equilibrada e final de média persistência.
Que bom seria que pudéssemos ter no Brasil produtores de
vinhos tão próximos, tão simpáticos e receptivos que, de forma tão educada e
calorosa, apresentasse seus vinhos, sem aquele muro que segmenta um mercado que
precisa, de forma urgente, de união, de convergência de forças de todos os seus
grupos de interesse. Um Malbec especial, de tipicidade, que traz algumas
rusticidades, mas que não copia o famoso “Malbecão” argentino. Sabores e aromas
raros que fez desse rótulo algo particularmente especial. Parabenizo ao Sr.
Jorge Fin, não apenas pela simpatia, mas por conceber um belíssimo Malbec
brasileiro com tipicidade. Tem 12,7% de teor alcoólico.
Sobre a Vinícola Fin:
A Vinícola Fin é uma empresa familiar com produção própria de
uvas e vinhos. Tudo começou em 1876 com a vinda do patriarca da família Luigi
Fin, que nasceu em Arzignano, na província de Vêneto, na Itália indo direto
para Campo dos Bugres (hoje Caxias do Sul)
A continuidade se deu com Patrício Fin. Jorge Fin, 3ª geração dos Fin no Brasil, mantém vivas as raízes e a tradição familiar na elaboração de vinhos e cultivo de videiras, fazendo valer um passado de bravura, trabalho, amor e paixão de um povo com mais de um século de história.
Mais informações acesse:
Referências:
“AM Missões”: https://ammissoes.com.br/?pg=noticias&rel=67f75ade6d3040f3cb77245d0731fb41
“Prefeitura Municipal de Entre-Ijuís”: https://www.entreijuis.rs.gov.br/cidade
“Wikipedia”: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Entre-Iju%C3%ADs
“Portal das Missões”: https://portaldasmissoes.com.br/site/view/id/78/vinicola-fin.html