Derrubando o mito que
todo vinho só melhora com o tempo, desvendamos aqui os segredos da guarda.
Reza a lenda que um importante político brasileiro tem uma
adega de fazer inveja aos maiores especialistas. Para ter uma ideia, o produtor
francês Aubert de Villaine, do icônico Romanée-Conti, quando esteve no Brasil e
visitou a residência, disse que nunca viu tanto vinho seu em um só lugar, nem
mesmo na própria adega!
O político fazia questão de ostentar a coleção e, quando
decidiu abrir uma de suas joias a um jornalista durante uma entrevista, ele
sorveu o líquido como se fosse a coisa mais mágica da enologia. Mas, como
garantiu o humilde profissional das letras, o vinho estava intragável.
Aqui não é para discutir qual paladar estava correto, mas sim
para mostrar que a guarda de um vinho não é uma ciência exata e, muito menos,
uma unanimidade. “Para qualquer pergunta relacionada a vinho de guarda, a
resposta sempre será: depende”, afirma a sommelière e consultora Gabriele
Frizon.
O fato de ser um grande rótulo não garante uma vida longeva,
mas a probabilidade é maior se comparada com a maioria dos vinhos – estima-se
que menos de 5% das garrafas produzidas no mundo passam dos dez anos com
louvor.
Entre as características de um vinho que está apto a
envelhecer bem estão o corpo, a estrutura dos taninos e a boa acidez. “Mas não
significa que todos esses fatores sejam obrigatórios para a guarda. Enquanto os
vinhos de Bordeaux, no início da vida, possuem tanino, cor, corpo, álcool,
potência e estrutura altos, os de Bourgogne têm taninos médios, pouca cor,
acidez alta e, mesmo assim, são excelentes para o envelhecimento. Assim como os
grandes Barolos, de tanino e acidez altos, mas com pouca cor”, explica
Gabriele.
Se fosse depender dos taninos para uma boa guarda, os brancos
nunca poderiam amadurecer com qualidade, o que não é verdade. Há muitos
exemplares para comprovar, como os excepcionais rótulos da espanhola Viña
Tondonia, em Rioja.
Feitos com as cepas viura e malvasia, seus brancos chegam ao
mercado com mais de uma década de vida (agora estão sendo vendidas as safras de
2006 do reserva e de 1996 do gran reserva). Vale registrar que os champanhes
safrados também podem passar bons anos na adega sem perder a vivacidade.
Entre as inúmeras variáveis que contribuem para a guarda, a
acidez alta é imprescindível. “Ela é o sopro de vida do vinho. Se não tem, não
é mais vinho”, afirma a sommelière.
E a natureza das cepas também faz diferença. Uvas como
cabernet sauvignon, merlot, pinot noir, tannat, nebbiolo, sangiovese e
tempranillo são fortes candidatas ao envelhecimento de tintos. Riesling,
sémillon, chardonnay, muscadelle e chenin blanc representam bem os brancos
longevos. Entretanto, é bom lembrar que nada disso vale se a qualidade do
terroir não for excepcional.
O QUE GANHAMOS AO GUARDAR O VINHO?
A resposta está na evolução. “O envelhecimento favorece o
surgimento de novos aromas. Essas mudanças aprimoram a bebida”, relata Manuel
Luz, consultor e presidente da Associação Brasileira dos Amigos do Vinho
(SBAV-SP).
Por mais que a garrafa esteja vedada, “o oxigênio dissolvido
no vinho continua a provocar lentas reações, que acarretam o desenvolvimento de
bactérias e leveduras, assim como de outros componentes químicos”, como é ex-
plicado no livro Larousse do Vinho.
A mudança de cor é facilmente notada: brancos começam
amarelo-esverdeados e vão até âmbar e notas de marrom; os rosados ganham tons
de casca de cebola; e tintos que antes eram vermelho-púrpura chegam a virar
quase castanhos.
A textura também é alterada. Os brancos secos e envelhecidos
podem ficar viscosos, e os tintos, mais suaves, já que taninos e outros
compostos caem como sedimentos no fundo da garrafa (a famosa borra).
A acidez é abrandada e os aromas primários, como os frutados
intensos de tintos e brancos, dão espaço para os aromas terciários, vindos da
evolução, como de frutas secas, ervas, cogumelos e terrosos.
TODOS DESEJAM ESSAS CARACTERÍSTICAS TÃO EXCEPCIONAIS?
“Existem dois perfis de degustadores: os pedófilos, que
gostam dos vinhos jovens, cheios de frutas potentes; e os necrófilos, que
preferem os vinhos velhos, a caminho da morte”, diverte-se Gabriele.
Os primeiros são representados hoje, em grande parte, por
americanos e chineses, que têm grande peso no mercado.
E, para conquistar essa parcela significativa de
apreciadores, muitos produtores tradicionais, principalmente da região de
Bordeaux, têm mudado o perfil de vinificação. “Ou seja, dos anos 2000 para cá,
muitos rótulos considerados de guarda já estão chegando ao mercado prontos para
beber, mas ainda com grande potencial de envelhecimento”, explica a sommelière.
Agora, se esses vinhos terão o mesmo potencial de guarda do
que os outros produzidos antes dos anos 2000, só saberemos daqui a 30 anos ou
mais. Então é hora de fazer as apostas e abastecer suas adegas.
TABELA DE GUARDA
Para beber com qualidade, preste atenção ao tempo certo para
cada tipo de vinho:
Fonte: Sociedade da Mesa Clube de Vinhos, em: http://revista.sociedadedamesa.com.br/2020/01/saiba-quando-vale-a-pena-deixar-um-vinho-na-adega-por-longos-anos/