Recebi uma notificação, pelas redes sociais, de uma loja
especializada de vendas de vinhos, de uma prova de rótulos argentinos. Embora seja
uma simples prova e não uma farta degustação resolvi ir, afinal, são pequenas
oportunidades como essa que podem nos brindar, com o perdão da analogia, com
gratas surpresas. Fui com essa perspectiva! No local da prova chegando havia
poucos rótulos disponíveis, cerca de 6 rótulos argentinos, mesclados entre
tintos, rosés e brancos com as principais castas daquele país, sendo
predominante a região emblemática de Mendoza. Isso não seria um problema se os
vinhos selecionados para a prova fossem, é claro, muito bons. Comecei a prova e
um me chamou a atenção, um da casta Bonarda. A Bonarda atualmente é uma uva
muito conhecida e consumida entre os enófilos e entregam grandes vinhos nas
suas mais diversas propostas. Inclusive a minha primeira degustação da casta
foi de um vinho amadeirado, potente e muito saboroso, o Don Nicanor, da Nieto
Senetiner. Mas não se enganem, nunca foi assim, de vinhos excelentes da casta
Bonarda. No passado os vinhos produzidos com essa casta eram do tipo a granel e
de baixíssima qualidade, mas nisso falemos logo. Falemos do excelente Bonarda
que estava entre os rótulos da prova de vinhos ministrada pela loja
especializada. E que vinho!!
O vinho que degustei e gostei veio de Luján de Cuyo, Mendoza,
Argentina, e se chama Colonia Las Liebres Clasico, um 100% Bonarda, da safra
2014, feito com uvas orgânicas. Quando o degustei, o levei a boca, foi como se
fora uma revelação arrebatadora, um vinho fantástico que, na altura de sua
simplicidade nobre, entregou tudo que eu precisava e esperava de um vinho
mendocino. Mas, antes de falar deste belo vinho, vamos falar um pouco sobre a
história da Bonarda.
Bonarda
Para alguns produtores, a Bonarda plantada na Argentina é a
mesma do Norte da Itália, prima das uvas da Lombardia e da Emilia-Romagna.
Outros acham que ela é aparentada da Corbeau ou Douce Noire de Savóia, na
França. Essa região está separada da Itália pelos Alpes e, portanto, a Bonarda
deve ser também prima da Dolcetto ou da Barbera. Sabe-se que a Bonarda chegou à
Argentina com os primeiros imigrantes europeus, no final do século XIX.
Lentamente, adaptou-se às condições locais, por meio de uma seleção natural de
clones no campo, ajudada pelo fato de não ser particularmente sensível a nenhuma
enfermidade. Depois da Malbec, com 19 mil hectares de vinhas vêm a Bonarda, com
16 mil hectares, dos quais 9 mil são plantados nas planícies quentes do Leste
de Mendoza, nos arredores de San Martin, Junin, Rivadavia e Santa Rosa, longe
dos ventos frios da Cordilheira dos Andes. A uva Bonarda tem um ciclo longo de
amadurecimento, necessitando de bastante calor para conseguir amadurecer.
Quando as uvas não amadurecem o suficiente, seus vinhos têm pouca cor e corpo
e, no palato, um leve toque de ervas. Apesar disso, é muito produtiva. Os
vinhos ralos com uvas provenientes de vinhedos de grande produção não ajudaram
a boa reputação da Bonarda. Além de produzir vinhos medíocres, ela é usada em
cortes de uvas Malbec e até com variedades como Criolla, nos 'vinos gruessos',
vinhos baratos dos supermercados argentinos. São vinhos marcados por frescor,
acidez vibrante, fruta fresca e taninos suaves. Por um preço bastante
acessível, constituem uma excelente relação entre qualidade e preço e, na
Argentina, diz-se que são um revigorante para a alma, combatendo tristezas e
saudade.
E agora vamos ao vinho!
Na taça apresenta um vermelho rubi intenso e profundo, com
alguns reflexos arroxeados, com lágrimas finas e em profusão, que desenha as
paredes do copo, pois demoram a se dissipar.
No nariz traz aromas de frutas vermelhas, frutas em compota,
como cerejas e framboesas, muito floral, além de notas de especiarias, como
canela, pimentão ou algo do tipo.
Na boca é seco, tem médio corpo, mas muito redondo, elegante
e fresco, um vinho, embora da safra de 2014, revelou-se jovem e pleno, com
taninos finos e sedosos, com uma acidez agradável e equilibrada com um
retrogosto frutado e persistente.
Um senhor vinho com excelente custo X benefício, de muita
tipicidade e por não ter passagem por madeira revela a pura expressão das
características da casta. Um vinho que harmoniza bem com massas em geral,
carnes grelhadas ou podendo ser degustado sozinho. Tem 13,2% de teor alcoólico
muito bem integrado.
Sobre o “Colonia Las Liebres”:
Durante a maior parte de sua existência na Argentina, Bonarda
foi cultivada e cultivada como vinho de mistura, uma vez que poderia proporcionar
grandes rendimentos que mantinham a cor e o sabor frutado. Os enólogos
costumavam misturar este vinho com vinho a granel de baixa qualidade e, na
maioria das vezes, ignoravam Bonarda como um sério vinho varietal único. No
entanto, em 2000, Alberto Antonini e Attilio Pagli, os vinicultores da Bodega
Altos Las Hormigas, especialista em Malbec, descobriram por sorte o potencial
do cultivo de Bonarda varietal em Mendoza. Uma tempestade de granizo havia se
movido rápida e violentamente pela região, podando naturalmente o dossel das
folhas de um vinhedo de Bonarda nas proximidades. A vinha evitou grandes danos,
mas a colheita produziu apenas metade da colheita usual. Ao avaliar os danos,
os enólogos descobriram que as uvas restantes tinham uma concentração e
estrutura surpreendentes. O vinho resultante era bonito, com textura suave e
sabores persistentes. Como lembra Alberto, ele sabia naquele momento que estava
preso em Bonarda. A equipe Altos Las Hormigas acreditou no potencial e na
personalidade única de Bonarda desde o início e, em 2003, começou a explorar
suas variações nos solos e climas de Mendoza. A Colonia Las Liebres foi
estabelecida como uma marca irmã para se concentrar apenas no cultivo da uva
Bonarda. Colonia las Liebres, que significa Colônia de Hares, retrata uma lebre
selvagem. Essa imagem faz alusão à personalidade do vinho, que brota de seu
lugar de origem, como a da lebre selvagem que percorre nossas videiras,
trazendo sem esforço um senso de lugar. A primeira Colonia Las Liebres Bonarda
lançada no mercado foi a safra de 2003. Em 2005, vinte acres de videiras Estate
foram plantadas em Lujan de Cuyo. Após 10 anos produzindo e experimentando
Bonarda como um único vinho varietal, a equipe continua sendo apoiadores
dedicados e fervorosos defensores do futuro da Bonarda no mercado global.
Sobre a vinícola Altos Las Hormigas:
Em 1995, Alberto Antonini, um conhecido enólogo da Toscana, e
Antonio Morescalchi, um jovem empresário, fizeram uma viagem para visitar as
florescentes áreas vinícolas da América do Sul. Foi preciso apenas uma parada
para encontrar o que eles estavam procurando. Eles ficaram imediatamente
impressionados com as vinhas que prosperavam na alta altitude e no clima seco
de Mendoza, e foram cativados pelas tradições sussurradas e pela mistura de
culturas. Eles retornaram à Toscana impressionantemente impressionados não
apenas pela região, mas também pelo potencial inexplorado de Malbec, uma uva
que tinha uma forte tradição local, mas foi amplamente ignorada e mal
compreendida. Enquanto o resto do mundo do vinho viu Mendoza lutando para
derramar sua imagem de vinho em massa, os dois jovens italianos viam Mendoza
como um lugar onde os valores vitivinícolas tradicionais e as terras imaculadas
podiam ser revigorados com uma abordagem moderna de vinificação e experiência internacional.
Em vez de plantar Cabernet Sauvignon e Merlot, como muitos outros fizeram nos
anos 90, a equipe decidiu investir sua confiança no Malbec. Hoje, Malbec é a
varietal pela qual a Argentina é mais conhecida. Contra todas as
probabilidades, eles consolidaram sua visão de se tornarem especialistas em
Terroir. Logo depois, dois amigos e parceiros de negócios, também entusiasmados
com a idéia, se juntaram ao empreendimento: Attilio Pagli, um renomado enólogo
da Toscana com dois vinhos com pontuação de 100 pontos em seu recorde pessoal e
Carlos Vazquez, um engenheiro agrônomo argentino, que trabalha há 20 anos com o
grupo Catena, plantando novas variedades, desenvolvendo vinhedos desconhecidos
e contribuindo muito para a mudança qualitativa da viticultura argentina desde
o início.
Mais informações acessem:
Fonte de pesquisa sobre a história da Bonarda:
Revista Adega, em: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/uva-bonarda_6000.html
Degustado em: 2018
História da Bonarda na Argentina