Eu comecei a me interessar mais ferozmente, de forma mais
veemente, pelos vinhos de pequenos produtores recentemente e o meu olhar para
eles, para os seus rótulos, se deu graças aos vinhos brasileiros! Sim! Os
vinhos brasileiros!
E não apenas pelo aspecto romântico da coisa, ou seja, por
serem produtores familiares, de poucos recursos, de produções limitadas, mas
para desmistificar o conceito de que vinho idôneo é aquele produzido por
grandes, gigantes vinícolas com características de indústria.
Acredito, depois dos meus primeiros contatos com esses
vinhos, de que sim, é possível degustarmos grandes e surpreendentes vinhos de
produtores pequenos e artesanais, de vinhos de qualidade, que possa te trazer
positivas surpresas, agradáveis e inesquecíveis.
E em um passado não muito distante tive o privilégio, a
alegria de degustar um vinho artesanal, que jamais esperava ter degustado em
minha vida de enófilo, de uma região que não é tida como um polo de produção
vitivinícola do Brasil, chamada Serra Negra, que ficou no interior de São
Paulo.
Então sem mais delongas vamos às apresentações desse rótulo
que, já de imediato, digo que é especial: O Silotto da casta Cabernet Sauvignon
da safra 2019, da região de Serra Negra, São Paulo. O vinho pertence a uma
pequena adega pertencente a Família Silotto, considerada sim, como tradicional
em Serra Negra.
Eu vou contar, brevemente, a história de como cheguei a esse
produtor, cuja experiência eu já tive com a variedade Merlot, o Silotto Merlot
2019. Eu estava navegando pelas redes sociais e, como sempre, por acaso,
visualizei uma publicação de uma pessoa que havia degustado o Silotto Merlot 2019 e tecendo ótimos comentários a respeito do mesmo. Nesta publicação vi a
informação de que o vinho era artesanal. Isso me chamou a atenção.
Li também o site que o sortudo degustador obteve o Silotto
Merlot: A Pemarcano Vinhos. Claro o acessei para conferir detalhes do vinho.
Tive a grata surpresa de que o vinho estava com um valor muito atraente para o
meu bolso, na faixa dos R$ 40,00! O comprei com outros rótulos e o degustei e
gostei e muito!
O dono do site, o amigo Luciano, leu em minhas redes sociais
a descrição do Silotto Merlot e, carinhosamente decidiu me presentear com o
Cabernet Sauvignon na versão “seco” e, mais uma vez, me surpreendi
positivamente com o rótulo da Família Silotto! Espero que o amigo Luciano
continue me presenteando com os rótulos da Silotto (risos)!
Antes de falar do Silotto Cabernet Sauvignon 2019, falemos um
pouco da região inusitada para a produção de vinhos, Serra Negra, bem como da
breve história do Brasil vitivinícola e do conceito de vinho artesanal.
Serra Negra, o circuito das águas.
Encravada na Serra da Mantiqueira a 150 quilômetros da
capital, em uma região de 927 metros de altitude com picos de até 1.300metros
está localizada a Estância Turística Hidromineral de Serra Negra.
A cidade é cercada por montanhas da Serra da Mantiqueira, a
vegetação é exuberante, compondo um cenário de extraordinária beleza natural.
Em meio ao Circuito das Águas Paulista, Serra Negra possui um ambiente seguro e
agradável. Aqui a tranquilidade e qualidade de vida estão presentes por meio da
boa estrutura turística.
A cidade possui uma das maiores redes hoteleiras da região do
Circuito das Águas Paulista e por isso pode abrigar milhares de pessoas que
fazem a população de visitantes aumentar durante as férias e feriados oferecendo
total comodidade e conforto.
Além da exuberante riqueza natural, a cidade possui
diversidade e amplos tesouros culturais, como a produção rural e a produção artesanal
de queijos e bebidas.
Quem procura uma experiência única a Rota do Café, do Queijo
e do Vinho excelente e rica opção de passeio. São 8 km de extensão, a estrada
leva os visitantes para conhecer as delícias tradicionais e artesanais
produzidas na cidade. Cada sítio é especializado em um produto, seja ele café,
queijos ou vinhos.
Breve história do Brasil vitivinícola e o conceito de vinho
artesanal
O Brasil foi descoberto pelos Portugueses em 1500, e em 1532
Martim Afonso de Souza chegou com as primeiras mudas de videiras vitis
viníferas que foram plantadas na Capitania de São Vicente, porém sem sucesso em
função do clima e do solo. Mas Brás Cubas membro da expedição de Martim Afonso
de Souza transfere as plantações do litoral para o Planalto Atlântico e em 1551
consegue elaborar o primeiro vinho brasileiro, mas sem muito sucesso, sua
iniciativa não teve sequência devido as condições de solo e clima não serem
adequados ao cultivo das videiras.
Em 1626 os Jesuítas chegaram à região das Missões e
impulsionam a vitivinicultura no Sul do Brasil. O Padre Roque Gonzales de Santa
Cruz recebeu os créditos pela introdução das videiras no Rio Grande do Sul, com
ajuda dos Índios foi elaborado vinho utilizado nas celebrações religiosas.
Em 1640 foi promovida a primeira degustação no Brasil. A
intenção foi de melhorar os vinhos comercializados no país. Em 1732, os
Portugueses da Região do Açores, povoaram o litoral do Rio Grande do Sul e
formaram-se colônias em Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande, plantaram mudas de
videira provenientes do Açores e da Ilha da Madeira, mas as plantações não se
desenvolveram adequadamente.
Em 1789 a corte portuguesa percebeu o grande interesse do
Brasil pela vinicultura e proibiu o cultivo de uva no país, como forma de
proteger a sua produção em Portugal. A medida inibiu a comercialização da
bebida nas colônias e restringiu a atividade ao âmbito familiar.
Em 1808, quando da transferência da coroa portuguesa para o
Brasil é derrubada à proibição ao cultivo da uva e são estimulados os hábitos
no entorno do vinho, inclusive degusta-lo junto às refeições, encontros sociais
e festas nas comunidades religiosas.
Em 1817, os gaúchos são considerados pioneiros na vinicultura
e esse pioneirismo se materializa no lendário Manoel Macedo, produtor da cidade
de Rio Pardo, até o ano de 1835 todo o vinho que produzia era documentado, em
um dos anos ficou registrado a elaboração de 45 pipas, o que lhe rendeu a
primeira carta patente para a produção da bebida no país.
Em 1824 tem início a colonização alemã e os mesmos tinham
muito interesse em vinhos. Na mesma época o italiano João Batista Orsi se
estabelece na Serra Gaúcha e recebe de Dom Pedro I a concessão para o cultivo
de uvas europeias, torna-se um dos precursores do ramo na região.
Em 1840 pelas mãos do inglês Thomas Messiter, são
introduzidas no Rio Grande do Sul as uvas Vitis Lambrusca e vitis Bourquina, de
origem americana que são mais resistentes a doenças. Inicialmente foram
plantadas na Ilha dos Marinheiros, na lagoa dos Patos e logo se espalharam pelo
Estado.
Em 1860 a uva Isabel, uma das variedades americanas
introduzidas no Rio Grande do Sul, ganha rapidamente a simpatia dos
agricultores. Há registros de que, por volta de 1860 a uva Isabel formava
vinhedos nas cidades de Pelotas, Viamão, Gravataí, Montenegro e municípios do
Vale dos Sinos.
Em 1875 ocorre o grande salto na produção nacional de vinhos
em função da chegada em massa dos imigrantes italianos, pois, trouxeram de sua
terra natal o conhecimento técnico de elaboração dos vinhos e a cultura do
consumo, os italianos elevaram a qualidade da bebida e conferem importância
econômica à atividade.
Em 1881 foi elaborado 500 mil litros de vinho na cidade de
Garibaldi no Rio Grande do Sul, este número consta em um relatório feito em
1883 pelo cônsul da Itália, Enrico Perrod, após sua visita à região. Em 1928 é
criado o Sindicato do Vinho, essa iniciativa foi articulada por Oswaldo Aranha,
então secretário estadual do Governador Getúlio Vargas.
Em 1929 o associativismo é adotado pelos agricultores e em um
período de 10 anos, 26 cooperativas são fundadas, algumas como a Cooperativa
Garibaldi atuam até hoje. O modelo da competitividade entre os pequenos
produtores os direciona a uma situação de equilíbrio, tal equilíbrio é
alcançado na década seguinte.
Em 1951 a vinícola Georges Aubert é transferida da França
para o Brasil e marca o início de um novo ciclo. O interesse de empresas
estrangeiras no país se consolida na década de 70 e trouxe novas técnicas para
os vinhedos e para as cantinas, além de ampliar as áreas de cultivo da uva.
Em 1990 temos as vinícolas melhoradas, pois ao longo da
década de 80 os vinhedos passaram por uma tremenda reconversão, e à partir da
abertura econômica do Brasil a produção de vinho ganha impulso. O acesso a
diferentes estilos de vinhos e a concorrência com os importados levaram os produtores
a melhorar a qualidade.
Em 2002 a vitivinicultura está consolidada em diferentes
regiões, do Sul ao Nordeste do país, cada zona produtiva investe no
desenvolvimento de uma identidade própria. O pioneiro é o Vale dos Vinhedos,
que conquista a Indicação de Procedência em 2002.
E agora finalmente o vinho!
Na taça entrega um vermelho rubi intenso, com reflexos arroxeados,
com lágrimas grossas e em profusão que desenham, marcam as paredes do copo.
No nariz explodem em aromas de frutas pretas e vermelhas bem
maduras, onde se destacam cereja preta, amora e framboesas. A madeira figura
discretamente, graças ao estágio de 6 meses em barricas de carvalho.
Na boca é seco, jovem, com média estrutura, a fruta madura em
evidência, como no aspecto olfativo, tem taninos presentes, ótima acidez que
saliva a boca e estimula a degustação, notas de terra molhada e madeira bem
integrada, com final prolongado e frutado.
Sempre quis degustar um vinho artesanal! Esse longa distância
se encurtou com o esforço, o interesse que, mesmo diante de olhar pessimista
que nutri, ele veio de forma despretensiosa, de uma formal atípica, mas que
construí com base no interesse que sempre pautou a minha enófila. A história
desse rótulo, da Família Silotto é a personificação da rica, da prolífica
história do Brasil dos imigrantes, do Brasil sofrido, de seu povo batalhador
que, em um intercâmbio histórico, edificou a sua história vinífera. Degustar o
Família Silotto Cabernet Sauvignon é como se estivéssemos degustando a história
do Brasil e seus desdobramentos vínicos, mas com os pés calcados no presente,
vislumbrando um olhar no futuro. Há sim lugar para os vinhos artesanais, para
os vinhos produzidos por pequenos produtores que, apesar de pequenos, são
gigantes para a construção de uma indústria do vinho em ascensão. Família
Silotto Cabernet Sauvignon entregou as características mais essenciais da cepa,
com os aromas de frutas vermelhas e pretas bem maduras, as notas especiadas,
taninos presentes, boa acidez, um vinho redondo, equilibrado, porém com certa
personalidade que a casta confere. Tem 12,5% de teor alcoólico.
Sobre a Família Silotto:
A História da família Silotto em Serra Negra começou quando o
italiano da região de Treviso, Pietro Silotto, comprou suas terras no bairro
das Três Barras, pois achou muita semelhança com as terras da Itália.
Neste bairro se iniciou a cidade de Serra Negra (O bairro das
Três Barras seria inicialmente o centro de Serra Negra, porém pela região
extremamente montanhosa, subiram a serra até chegar a um local mais plano, onde
é o centro atual).
Veio acompanhado de seus irmãos, Fortunato, Ângela e
Henrique. Aqui construiu sua família com treze filhos, dez homens (Basílio,
Ermínio, José, Olívio, Quinto, Atílio, aqui todos lavoravam. Cada filho criou
sua família, sempre juntos morando na casa acima construída em 1934 por Pietro
Silotto. Já mais velho resolveu dividir suas terras entre seus filhos, sendo
assim, cada um teve seu sítio e sua casa. Continuou aqui onde tudo começou
Quinto Silotto, seu 5º filho.
Pietro viveu aqui até o final de seus dias, deixando a sede
para Quinto Silotto. Quinto também trabalhou muito, teve dez filhos, sete
mulheres (Nera, Maria Inês, Dalva, Maria Alice, Elza, Julietta, Bertina) e três
homens (Décio, mais conhecido como Neno, Alfeu e José Carlos);
Dois de seus filhos começaram a trabalhar na lavora com sete
anos e continuam até os dias de hoje. Cuidam das terras com muito amor, pois
foi esse amor que veio desde o começo.
Aqui cuidam da videira centenária plantada por Pietro
Silotto, do cultivo da cana e do café e da produção de bebidas artesanais, com
a mesma tradição e dedicação de seus antepassados. Tudo isso com muito suor e
orgulho.
Mais informações acesse:
https://www.familiasilotto.com.br/
Referências:
“Clube do Vinho Artesanal”: https://clubedovinhoartesanal.com.br/vinho-caseiro
“Em algum lugar do mundo”: https://emalgumlugardomundo.com.br/o-que-fazer-em-serra-negra/
Muito bom meu amigo...Parabéns pelo trabalho...Abraços !
ResponderExcluirCaro Luciano, muito obrigado pelas elogiosas palavras! E obrigado pelo presente deste belo rótulo!
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