Costumo dizer de forma entusiasmada e demasiada que o
universo do vinho é vasto e inexplorado. Há muito a se caminhar e nunca chegar,
nunca concluir, porque é uma diversidade de informações, de grandes e novas
experiências que te proporciona seguir a estrada do conhecimento que, para o
nosso deleite, nunca terá fim. É isso! É a confirmação de que ninguém detém o
pleno conhecimento, a perfeição da sapiência, da onisciência no mundo do vinho.
Mesmo com algumas décadas degustando vinho, eu consigo me
permitir degustar novidades, ter novas e diria, sem medo, experiências
sensoriais de extrema relevância e consistência. E, desta vez, tive a alegria,
o prazer de degustar um vinho, espanhol, oriundo das terras da Catalunha, cujo
blend são de castas francesas, das mais famosas e importantes: Cabernet
Sauvignon e Syrah.
Sempre vi alguns rótulos espanhóis sendo ofertados, não com a
proporção de uma Tempranillo, com a casta Cabernet Sauvignon ou Syrah, seja no
“formato” varietal ou brilhando em blends com algumas castas autóctones ou
emblemáticas da Espanha, mas nunca tive, por vários motivos, a oportunidade de
degustar. Mas desta vez a oportunidade chegou com o protagonismo de duas castas
divididas de forma igualitária: 50% para cada uma delas. É a possibilidade
única de ter em nosso paladar e olfato as percepções de cada uma, cada uma com
sua peculiaridade, com as suas marcantes características.
A adaptação dessas duas castas francesas na Espanha é
latente, evidente e que trafega em vinhos mais diretos, básicos e jovens aos
mais complexos e estruturados. Penso que o vinho que degustei e gostei de hoje
navega nas duas propostas: Entrega maciez, a fruta, tão evidente e essencial
nas duas castas, mas a robustez, a estrutura e diria alguma complexidade que é
de realidade da velha e única Cabernet Sauvignon e a gigante Syrah.
Bem, sem mais delongas apresentemos o vinho: Señorio de Ayud,
da região da Calatayud, província de Zaragoza, na tradicional região dos
castelos medievais, Aragão, composto pelo blend Cabernet Sauvignon (50%) e
Syrah (50%) e a safra é 2018. E para não perder o costume, já que falamos do
caminho do conhecimento e da inquietação da busca do saber, falemos da região
da Calatayud.
Calatayud
Calatayud é uma denominação de origem dos vinhos produzidos
no entorno da região de mesmo nome, localizada a oeste da província de
Zaragoza. O nome consiste em 46 municípios, dos quais o município de Calatayud
é a sede principal. A área é irrigada por vários rios como o Jalón , Jiloca ,
Piedra, Mesa, Ribota e Manubles.
O cultivo da vinha na região traz registros desde o século II
a.C. A civilização romana desenvolveu colheitas e, após um período de abandono
pelos muçulmanos, os cristãos novamente deram-lhe importância como cultura
colonizadora. No final do século XII os monges cistercienses promoveram a
plantação da vinha com a fundação do Mosteiro de Pedra. Com a chegada da
filoxera na França, os vinhedos cresceram para mais de 44.000 ha., processo
favorecido pelas comunicações ferroviárias de Calatayud, que permitia a exportação.
Na década de 1960 foram criadas cooperativas e obtiveram a denominação de
origem em 1990. O DO Calatayud é a denominação de vinho aragonesa mais jovem e
é identificada pela qualidade de seus vinhos e as condições extremas de seus
vinhedos.
O clima do Calatayud DOP é caracterizado por sua
continentalidade, com invernos frios e verões quentes. A temperatura média
anual é de 13,1 ° C, com grandes diferenças entre a noite e o dia durante o
período de amadurecimento, de 5 a 7 meses de geadas, as temperaturas e as
chuvas variam desde o fundo da cava com temperaturas amenas e chuvas baixas,
até temperaturas mais baixas e chuvas ligeiramente mais altas, à medida que se
sobe com uma precipitação média de 300 a 550 mm.
O terreno é ondulado, com a maior parte da videira assentando
em solos rochosos, soltos, pobres em nutrientes e com uma elevada proporção de
calcário. Eles têm boa permeabilidade e são saudáveis, favorecendo a produção
de vinhos bastante intensos, encorpados, com alta graduação alcoólica e forte
coloração.
A região de Calatayud dá origem aos chamados vinhos de
altura. Os vinhedos estão plantados de 500 a 1040 metros de altitude, na parte
mais ocidental de Zaragoza, próximo a Madrid.
Predomina o cultivo da Garnacha em vinhas com mais de 50
anos, que hoje ocupam 54% de toda a área de plantio da região. Sem dúvida, é a
mais representativa do local. Em segundo lugar, fica a Tempranillo, com 21% da
área, além da Cabernet Sauvignon, Syrah, Merlot, Mazuela e Monastrell. Algumas
variedades brancas também são cultivadas por lá, como Gewurztraminer, Viura,
Malvasia, Moscatel e Chardonnay, mas representam menos de 10% do cultivo.
Uma curiosidade: Os primeiros habitantes da cidade, os celtíberos, se assentaram a 4 km da atual cidade de Calatayud, num povoado denominado Bílbilis, que foi posteriormente conquistada pelos romanos, transformando-se numa importante cidade.
Até hoje, os nascidos em Calatayud são chamados de
bilbilitanos. No entanto, Calatayud “aparece no mapa” com a chegada dos árabes
em 716, quando foi construído o Castelo de Qual at Ayub, que deu o nome à
cidade. No século XI, Calatayud transformou-se numa das maiores cidades da
Taifa de Zaragoza. Foi reconquistada em 1120 pelo rei Alfonso I “El
Batallador”, quando então recebeu o foro.
Desde 2006 celebram-se as festas chamadas “Las Alfonsadas“, quando a cidade volta a ter um aspecto medieval, recriando os acontecimentos que sucederam durante o processo da reconquista. A necessidade de repovoamento do território depois de reconquistada fez com que o foro da cidade fosse respeitoso com as minorias. A partir de então, passaram a conviver junto com os cristãos, os judeus e os mouros.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um vermelho rubi intenso, quase escuro, com
reflexos violáceos que confere um lindo brilho, além de lágrimas finas, lentas
e em profusão.
No nariz é muito aromático e protagoniza as frutas vermelhas
bem maduras, com destaque para a groselha e a cereja, com notas de especiarias,
amadeiradas, mas bem discretas e em equilíbrio com a fruta, dando espaço às
características das castas, com toques de tosta, graças aos 5 meses de passagem
por barricas de carvalho.
Na boca apresenta certa estrutura, médio corpo, um bom volume de boca, um vinho quente, alcoólico, mas em perfeita harmonia com o conjunto do vinho, a madeira e as notas tostadas são perceptíveis, além da fruta que traz maciez e frescor. Os taninos estão bem domados, quase macios, graças aos 5 meses que “descansou” na garrafa antes de sair da bodega, com uma acidez correta e equilibrada, com um final longo e persistente.
Mais um capítulo especial escrito em minha jornada de enófilo, mais uma página escrita com maestria e que se personificou nos meus sentidos, nas minhas experiências sensoriais. Foi tão prazeroso degustar um corte tão marcante, tão cheio de personalidade como a Cabernet Sauvignon e Syrah na sua versão espanhola que figura de forma latente e importante naquele país. Essa adaptação de castas francesas às terras da Espanha mostra esse intercâmbio cultural, mas que, ao mesmo tempo se configura a tipicidade da terra tão abençoada da Calatayud: o global nunca foi tão regional. Uma jovem região vinícola para mundo, mas tradicional e história desde à época dos romanos, os primeiros viticultores da região. Um vinho especial, de marcante personalidade, complexo, mas macio, fácil de degustar, frutado e intenso. Que possamos sempre degustar vinhos dessa região. Tem 14,5% de teor alcoólico muito bem integrado ao conjunto do vinho.
Sobre as Bodegas Langa:
As vinícolas Langa estão localizadas nas proximidades de
Calatayud. Esta adega, propriedade desde o seu início pela família Langa, é uma
referência no mundo do vinho nesta área vitivinícola. Não em vão, tem mais de
150 anos de história e os Langas são os fundadores do DOP Calatayud .
Além disso, é uma vinícola histórica do Cava. Assim, poderá
desfrutar não só da sua excelente Grenache, mas também de alguns cavas muito
especiais. A adega está situada num espaço emblemático, aos pés da Sierra
Vicor, local sagrado para os celtiberos e fonte de inspiração do poeta clássico
de Bilbao, Marco Valerio Marcial.
Bodegas Langa oferece três experiências interessantes de
enoturismo:
Toda Adega: consiste numa visita guiada à adega do Langa e
uma prova de três vinhos de qualidade. É realizado em grupos de no máximo 50
pessoas e tem duração de 1 hora e 30 minutos.
Total Wine Tourism: acrescente à experiência “all winery” uma
visita às vinhas, orientada pelo Diretor Técnico, que ensinará a distinguir
entre as diferentes castas, sistemas de condução etc. É destinado a grupos de
no máximo 8 pessoas e tem duração de 2 horas.
Vinho, História e Gastronomina: como o próprio nome indica, à
visita à adega e degustação de três vinhos se soma uma visita guiada ao
histórico Calatayud (introdução e passado romano da cidade, complexo jesuíta e
interior da igreja de San Juan el Real (pinturas de Goya - desde que não
interfiram nos horários de culto), Igreja de San Pedro de los Francos
(exterior) e Palácio de Barón de Warsage, Igreja Colegiada de Santa María,
Igreja de San Andrés (opcional, dependendo durante a visita), Praça do Mercado
e Mesón de la Dolores Por fim, prova-se uma refeição típica de Bilbao. Os
grupos são de no máximo 50 pessoas.
Mais informações acesse:
https://www.bodegas-langa.com/
Referências:
“Vino Aragones”: https://www.vinoaragones.com/bodegas-langa/
“Heraldo Gastronomia”: https://www.heraldo.es/noticias/gastronomia/2015/08/13/un-repaso-detallado-por-la-historia-de-la-d-o-calatayud-294707.html?autoref=true
“Wikipedia”: https://ca.wikipedia.org/wiki/Calatayud_(vi)
Portal “Um brasileiro na Espanha”: https://umbrasileironaespanha.wordpress.com/2015/11/22/calatayud-comunidade-de-aragon/