Quem não começou no universo dos
vinhos, aqui no Brasil, em especial, por intermédio das famosas uvas de mesa,
com os vinhos de mesa que atire a primeira pedra. Os vinhos coloniais, aqueles
vinhos de garrafão. Pois é o ritual de iniciação por intermédio desses vinhos
não é tão somente uma questão de escolha, mas uma necessidade financeira
também, afinal os vinhos são mais baratos em relação aos produzidos com uvas
vitis viníferas.
Lembro-me como se fora ontem, embora
já tenha mais de 20 anos que fiz que a minha “transição” para as uvas de mesa e
uvas finas, quando disse que não retornaria mais com as degustações dos vinhos
de uvas americanas, com o argumento de que estava em uma franca evolução na
degustação dos vinhos.
Mas olhando um pouco mais de carinho
para os vinhos de mesa, observando alguns rótulos, de alguns produtores percebi
que, com o advento da tecnologia nas vinificações, alguns vinhos de tal
proposta vêm ganhando em qualidade e o leque de opções vem se diversificando
também, com vinhos que passam por barricas de carvalho, alguns sendo produzidos
sob o conceito orgânico etc.
E com esse “boom” tecnológico nos
“pátios” de vinificação dos produtores com um maciço investimento em tecnologia
alguns rótulos, algumas castas vêm ganhando alguma repercussão, algum destaque
e mesmo tendo tido uma experiência razoável com tais vinhos no passado, ainda
há espaço para novidades, afinal, como sempre costumo dizer, o universo dos
vinhos e vasto e inexplorado, para o nosso deleite.
Eu recebi recentemente do amigo de
São Paulo, o Luciano Feliputti, dono do site “Pemarcano Vinhos”, especializado
na venda de vinhos artesanais e de pequenos produtores um rótulo de uma casta
chamada “Lorena”. Sempre ouvi falar dessa variedade, mas nunca degustei e
confesso que nunca me interessei, pelo fato de não me interessar por rótulos
cujas uvas são de mesa.
Mas aquela típica curiosidade que tem
me norteado ao longo desses últimos tempos foi mais forte e se transformou em
interessante e claro, jamais vou recusar um presente de um amigo que foi dado
com muito carinho. Claro que me pus a degustar e, evidente, conhecer algo mais
sobre a história dessa casta genuinamente brasileira.
E não é que ela, a delicada Lorena me
surpreendeu?! Sim, uma casta saborosa, leve, fresca e levemente frisante! Uma
variedade que definitivamente traz o DNA brasileiro em todos os sentidos. O
vinho que degustei e gostei foi produzido em São Roque, São Paulo e se chama
Frank da casta Lorena e não é safrado. Para não perder o costume vamos às
histórias de São Roque e da variedade Lorena.
São Roque: a terra do vinho
A cidade de São Roque foi fundada no
dia 16 de agosto de 1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão
paulista Pedro Vaz de Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e
sertanistas. Vaz de Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador
da cidade, também conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200
índios que trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns
anos após a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se
estabeleceu na mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram
restauradas em 1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
a pedido do escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.
Na região de São Roque, podem-se
identificar referências à vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do
final do século XVII. Conforme informações encontradas e divulgadas pelos
moradores da cidade, através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor
Joaquim Silveira dos Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico
e Geográfico de São Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a
apenas três grandes proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão
Fernão Paes de Barros e o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro
Vaz (tido como o fundador da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja
Matriz, seu irmão mais ao norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande
e capela Santo Antônio, e por fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se
encontrava na hoje atual cidade de Araçariguama que faz divisa com Santana do
Parnaíba.
Portanto realmente não se podem
esperar grandes referências desse período da história, afinal o Brasil era
apenas uma colônia e que existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de
produto em nosso solo, ou seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive
o vinho.
Outro fator que pode ter influenciado
e não ter feito prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de
então, que era a descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais.
Sabemos que São Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância
econômica para a metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da
agricultura brasileira a uva e o vinho nunca foram tidos como principal
interesse por parte de nossos colonizadores.
Após um período difícil, o povoado
originado por Pedro Vaz foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de
agosto de 1768, recebendo o nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho
de 1832, a Freguesia foi elevada à categoria de vila, mas o progresso do local
só começou em 1838, quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz,
mandioca e farinha de mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras.
Em março de 1846, seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda
Nacional, Dom Pedro II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de
São Roque. Com a passagem de Dom Pedro II, Antônio Joaquim começou a se
destacar no cenário político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi
elevada à categoria de cidade no dia 22 de abril de 1864.
Após esse longo período de
estagnação, o primeiro registro oficial de plantação de uvas na região de São
Roque se dá por volta de 1865, quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma
pequena plantação na sua fazenda em Pantojo. Pela mesma época, um colono
italiano adquire uma pequena propriedade no bairro de Setúbal, alguns anos mais
tarde um português na terra do então Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo
e inicia o processo de fabricação do vinho.
Já em 1875 foi inaugurada a Estrada
de Ferro Sorocabana, que ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba.
Após alguns anos, em 1884, começou a grande chegada de imigrantes à cidade,
fazendo com que as vinícolas aparecessem novamente e ganhassem força nos anos
seguintes. Em 1924, a cidade já contava com 17.300 habitantes e foram
produzidos 10 mil litros de vinho a cada ano, tendo doze produtores de vinhos,
sendo cinco deles italianos.
O que possibilitou o retorno da
cultura da uva e fabricação do vinho foi a importação de videiras oriundas dos
Estados Unidos, pois estas eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as
principais videiras trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2”
(importada da França), curiosamente trazida por imigrantes italianos que se
instalaram na região e posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do
Alabama, EUA.
Portanto, a divisão do período da
cultura vinícola de São Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em
quatro fases distintas:
1ª fase: 1657 – 1880: importação de
videiras portuguesas, plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou
seja, somente para consumo próprio.
2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da
viticultura são-roquense, ainda que amadora, quase que familiar, continua
voltada basicamente para o consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência
a profissionalização graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e
portugueses. Já se utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima
tropical brasileiro (talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do
cultivo da uva na região de São Roque);
3ª fase 1900 – até aproximadamente
final da década de 1950: processo de industrialização e profissionalização da
produção do vinho com aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim
obter resultados e desempenho melhores.
Podemos dividir esta fase
primeiramente num período de início do processo de profissionalização e logo
após (a partir da década de 1920), o período em que realmente a região investiu
e desenvolveu as técnicas vinicultoras, durando até aproximadamente a década de
1950, onde após a massificação da produção entra num processo de decadência.
4ª fase década de 1960 – atual: esta
fase engloba o processo de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos
econômicos e climáticos e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas,
que se reduziram sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho
produzido, levando ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a
partir da década de 1980). São Roque permanecendo hoje somente com o título de
“terra do vinho”, sendo que os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente
treze adegas) fabricam seu vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim
oriundas de outras partes do Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio
Grande do Sul).
Há atualmente um movimento para
tentar a reversão dessa situação, porém continua bem modesto em relação a todo
o histórico e números do passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.
Lorena
A “BRS UV 127 31”, mais conhecida como “BRS Lorena”, foi
obtida do cruzamento entre as cultivares Malvasia Bianca e Seyval. É indicada
para a elaboração de vinhos brancos de mesa aromáticos e frisantes. Plenamente
adaptada às condições ambientais do sul do Brasil, possui alta produtividade
(25-30 t/ha) e vigor moderado.
O fato de o Brasil ser tradicionalmente conhecido por ter o
clima ideal para a produção das castas americanas, por conta da umidade, mas
apresentar dificuldades no desenvolvimento das uvas finas, motivou a Embrapa,
desde os anos 1980, a atuar na adequação de variedades. Por meio de
melhoramento genético, passou a cruzar uvas europeias e americanas como
alternativa de qualidade dentro da realidade climática do Brasil.
Com o Programa de Melhoramento Genético da Embrapa Uva e
Vinho, a empresa detectou que havia uma carência no Rio Grande do Sul de
brancas que cumprissem três requisitos: resistência às pragas e doenças (ótima
para agricultura orgânica), alta produtividade e potencial enológico para
vinhos de boa qualidade.
Foi daí que surgiu a BRS Lorena, de fácil vinificação, com
elevada produtividade. É indicada para a elaboração de vinhos brancos de mesa
aromáticos, com vigor moderado, boa relação entre doçura e acidez e boa
intensidade no paladar, além de apresentar muitas frutas brancas, como pera e
pêssego e baixa acidez.
Regulamentação brasileira
De acordo com a legislação brasileira, por ser uma híbrida, o
vinho resultante não é considerado “fino”, mas “de mesa”, muito embora com
relação ao sabor e aroma alguns especialistas garantam que tenha qualidade
comparada às Vitis viniferas.
Se misturar com outras variedades finas, às cegas, não se
detecta que tem Lorena, mas desenvolver um híbrido é um processo longo e
criterioso, que leva cerca de 15 anos, desde o cruzamento, que ocorreu em 1986,
até os testes no campo, tendo a Lorena sido lançada oficialmente em 2001.
Descobriu-se, nesse processo, uma uva versátil, que pode ser
colhida um pouco antes da maturação completa para fazer moscatel espumante; no
ponto ideal para branco tranquilo; e na maturação completa para a produção de
licoroso.
Presta-se à elaboração de varietais e de vinhos de assemblage,
entre eles cortes com Semillon e Riesling Itálico. A variedade foi pensada para
a Serra Gaúcha, no Rio Grande do Sul, mas, como mostrou um resultado muito bom
no campo, a ótima publicidade auxiliou na expansão de seu cultivo.
E agora finalmente o vinho!
Na taça tem um amarelo palha, límpido, brilhante com reflexos
esverdeados e uma pequena aparição de lágrimas finas e ligeiras.
No nariz tem uma baixa intensidade aromática, porém, ainda
assim sentem-se as notas frutadas, de frutas brancas, cítricas e tropicais, com
um delicado frescor.
Na boca é leve, um agradável frescor, com as frutas mais
evidentes, em relação ao aspecto olfativo, com um discreto residual de açúcar,
acidez refrescante, média e um final frutado.
Incrível os predicados da Lorena, surpreendente ter
degustado, pela primeira vez, uma casta brasileira, simples, sim, mas muito
especial, delicada, aromática e muito frutada. Embora apresente, para muitos, o
habitual para variedades brancas, ainda assim traz prazer, alegria ao degustar
e isso sim é o mais importante, o mais significativo no ato de degustar. Frank
Lorena é solar, agradável e muito despretensioso, que incita a harmonização com
comidas leves ou apenas uma salutar conversa com bons amigos ou sozinho em uma
tarde ensolarada. Delicioso! Tem 11% de teor alcoólico.
Sobre a Vinícola Frank:
Tudo começou há 97 anos com seu pai o Sr. Roque de Oliveira
Santos que passou todas as suas experiências e habilidades para o Sr. Frank
Vicente dos Santos.
No sitio da sua família deu continuidade no parreiral e no
cultivo de uvas e se especializou na vitivinicultura que hoje conta com uma experiência
de mais de 60 anos.
Casou-se com a Sra. Ferdinanda, uma imigrante italiana que
veio para o Brasil na segunda guerra mundial e teve duas filhas onde tocam seus
negócios até hoje.
Em 1965 fundou a marca que levaria seu nome, conhecida por
VINHOS FRANK, que com muito trabalho, dedicação e amor tornou-se uma marca muito
conhecida em todo Brasil por manter suas qualidades desde o primeiro litro de
vinho até hoje.
Hoje a marca conta com 07 linhas de produtos, são elas:
Tradicional, Bordô, varietais, frisante, espumante, cooler e suco de uva.
Toda sua produção continua sendo supervisionada e orientada
pelo Sr. Frank que hoje tem 95 anos de vida e toma seu vinho todos os dias.
A marca "Vinhos Frank” nos meados de 1990 inaugurou seu
restaurante que está sendo um dos principais atrativos, contando com um ótimo
cardápio, com muitas variedades de pratos, sendo harmonizados com a linha de
vinhos FRANK.
Mais informações acesse:
Referências:
“Assembleia Legislativa de São Paulo”: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=301135
“Blog do Lullão”: http://www.lullao.com/p/historia-do-vinho-em-sao-roque.html?m=1
“Sites
Google”: https://sites.google.com/site/historiadovinhodesaoroque/home/historia-do-vinho-de-sao-roque
“Revista Sociedade de Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2022/01/hibrida-nobre/