Adoro os vinhos evoluídos! Adoro mesmo sem ter degustado
tantos vinhos com essa proposta! O que tem me cativado são as histórias que
envolvem esses rótulos, a forma como foram concebidos e o tempo,
particularmente o tempo que eles passaram para chegar a condição de vinhos de
guarda e os que tornaram evoluídos, com vocação de guarda. Atribui-se aos
europeus essa condição. Os melhores vinhos evoluídos são do Velho Mundo, os
franceses, os espanhóis, os italianos com seus rótulos emblemáticos e de
regiões tradicionais são imbatíveis e intocáveis nesse sentido. Mas não se
enganem que esses vinhos velhos, antigos são exclusividade dos europeus. O
Brasil e a Argentina, por exemplo, já produzem vinhos com potencial de guarda e
estão entregando vinhos excepcionais, ricos em aromas, em complexidade e tudo
que faz desses vinhos espetaculares e com peculiaridades dignos de poucos.
E, antes de entender ou pelo menos me aventurar nos conceitos
de vinhos evoluídos eu, buscando em meus arquivos de degustações, descobri um
vinho que havia degustado, brasileiro, da excepcional Lídio Carraro, com,
pasmem, 10 anos de vida! Sim, um vinho brasileiro, do Novo Mundo, com longos 10
anos de vida e, pasmem ainda, pleno, vivo e que aguçou todos os meus sentidos e
sensações. Mas degustei, lembro-me com vivacidade, como se fora um vinho, mais
um vinho. Talvez isso tenha sido bom, pois o degustei sem estereótipos, sem
conceitos pré-determinados, era um vinho, especial, mas um vinho. Por isso
disse: Já gostava dos vinhos evoluídos antes de saber o que de fato significava
potencial de guarda ou pelo menos ter me enveredado sobre o referido assunto.
Então o vinho que degustei e gostei veio do Brasil, do Vale
dos Vinhedos, na Serra Gaúcha, do boutique Lídio Carraro e se chama Reserva da
Serra, composto pelo corte das castas Merlot e Cabernet Sauvignon, da safra
2005, com inacreditáveis 10 anos de vida, pois fora degustado em fevereiro de
20015, completando, neste mês de fevereiro de 2021, que estou redigindo esta
resenha, 6 anos que o degustei.
5, 10, 15, 20 anos ou mais! O que faz do vinho ser tão
longevo? As barricas de carvalho? As cepas selecionadas? O que faz desse vinho
tão especial, único e até digno de discussões e polêmicas? Afinal, vinhos como
esse, dizem por aí, podem ser relativos, sobretudo da forma como ele foi
armazenado após a sua saída da vinícola e também em nossas casas. Então falemos
um pouco sobre vinhos de guarda.
Os evoluídos
A delicadeza da cor levemente alaranjada, com tons
atijolados, logo é completada por uma mistura de aromas intrigantes – com os
quais nem sempre estamos acostumados, como trufas, café, couro, tabaco etc – e,
ao se sorver gentilmente o líquido, pode-se sentir aquele tipo de suavidade que
somente o tempo traz aos vinhos (no caso, os tintos). Há sensações (cheiros e
sabores) que só são proporcionadas por um vinho velho. Esse espectro aromático,
que vai dos frutos secos, passando por tons defumados até notas de trufas (e
além), por exemplo, só é revelado quando a bebida evolui em garrafa. Eles são
chamados de aromas terciários, e só são formados durante a lenta oxidação pela
qual o líquido passa com os anos. É isso que os especialistas nomeiam como
“buquê” – termo que está intimamente ligado a vinhos envelhecidos. Com o tempo,
a oxidação dos ácidos em conjunto com o álcool resulta em novos aldeídos e,
especialmente, ésteres, assim como em novas combinações entre eles, o que cria
aromas tão diferentes dos puramente frutados encontrados na juventude. Durante
o envelhecimento em garrafa, os íons de hidrogênio (mais presentes em vinhos
com baixo pH – ou seja, mais ácidos) tendem a catalisar a formação de ésteres
dos ácidos e álcoois presentes na bebida. Por outro lado, esses íons também
ajudam os ésteres a se dividirem novamente em ácidos e álcoois. E essas duas
ações, com o tempo, costumam levar a um estado de equilíbrio entre álcool,
ácidos, ésteres e água. Assim, durante a “vida” de um vinho, os aromas mudam de
acordo com as diferentes concentrações desses compostos. O mesmo ocorre com as
percepções no palato, que se tornam mais redondas e suaves do que as
encontradas em um vinho jovem, graças à evolução dos taninos. Acredita-se que,
no começo, após macerados, esses polifenóis apresentam peso molecular baixo.
Mas, com o tempo, a tendência são eles se polimerizarem, alongando as cadeias
de carbono e, com isso, aumentando o peso. Quanto maior o peso molecular, mais
macia se sente a bebida – e assim também se formam os sedimentos. Essa crença,
no entanto, vem sendo questionada por pesquisadores. Verdade ou não, o certo é
que, com o tempo, a combinação entre taninos, ácidos e álcool tende a ficar
mais sutil, proporcionando uma sensação mais sedosa na boca.
Como definir potencial de envelhecimento?
Não existe uma receita precisa para determinar o potencial de
envelhecimento. Algumas dicas são acompanhar as recomendações do produtor (que
muitas vezes são conservadoras face ao real potencial de evolução) e as dicas
dos especialistas. Na prática, o ideal seria comprar algumas garrafas do mesmo
vinho e safra e abri-lás em intervalos determinados e dessa forma montar nossa
própria análise evolutiva. A cada nova prova, determinamos o momento de abrir a
próxima garrafa, até possivelmente atingir o estágio máximo de evolução e
chegar ao tão desejado auge. A medida que executamos dessa forma, a experiência
acumulada nos permite ser mais assertivo nessa análise.
E agora finalmente sobre o vinho!
Na taça já apresentava uma característica típica de um vinho
já de guarda, com um vermelho rubi de média intensidade, já com uma cor
acastanhada, diria um atijolado, com lágrimas finas e de média intensidade, mas
que teimava em se dissipar das bordas da taça.
No nariz eram perceptíveis os toques de frutas secas e em
compota como avelã e trufa, por exemplo, um buquê, pois apresenta, além das
características de um vinho de guarda, apresenta também características de
aromas primários e secundários que, além das referidas frutas secas, apresentava
notas de tabaco, café, couro e de especiarias, como pimenta, por exemplo, e um
agradável floral, mostrando a vivacidade do vinho.
Na boca um vinho complexo, mas polido e elegante como sugere
a sua condição de vinho evoluído com 10 anos de vida: com as mesmas sensações
sentidas no olfato, tais como as notas de frutas secas, tabaco, couro, algo de
terroso, com taninos macios e redondos, domados pelo tempo, com uma acidez
discreta, cortesia também do tempo. Percebe-se um amadeirado, o que deduz
passagem por barricas de carvalho, mas não há informação disponível sobre isso
no portal do produtor. Final persistente e marcante.
De fato não são vinhos para o dia a dia, afinal o mercado
ofertam vinhos rápidos, ligeiros, para imediata degustação, de vinhos mais
jovens. O percentual de vinhos evoluídos é baixo em relação aos vinhos velhos.
Não quero estimular um embate entre o Velho X Novo, são vinhos com propostas
totalmente distintas e que sequer, mesmo que eu quisesse, não poderia ou
deveria promover um embate entre ambos. Mas como aqui neste momento a tapete
vermelho está estendido para o Reserva da Serra Merlot e Cabernet Sauvignon
2005, não podemos, evidentemente, negligenciar todas as honrarias para esses
vinhos mais velhos, onde somente o tempo para deixa-los finos, elegantes,
domados, mas com a complexidade única que só o tempo pode proporcionar. O
Reserva da Serra tem todos esses predicados: aromas incomuns e fantásticos,
paladar delicado, mas de marcante personalidade e um apelo visual que, apesar
de denotar um vinho em declínio, apresentou uma porta de entrada para um vinho
especial e diferenciado nas suas mais diversas nuances sensoriais. Tem 13,5% de
teor alcoólico.
Sobre a Lídio Carraro:
Em 1875 chegaram ao
Brasil os primeiros imigrantes italianos vindos da região do Vêneto e, entre
eles, a família Carraro, que se estabeleceu em Bento Gonçalves, no Rio Grande
do Sul. O negócio principal da família sempre foi o cultivo de uvas e
tradicionalmente elaborava um pequeno volume de vinhos para o consumo próprio.
Na década de 70, Lidio Carraro se destacou como um dos líderes da implantação
das vitis viníferas na Serra Gaúcha, sendo um dos pioneiros no cultivo da
variedade Merlot. A partir dos anos 90, iniciou uma busca obsessiva por
encontrar e desenvolver melhores vinhedos motivados pelo amor pela viticultura
e pela vontade de um dia reconhecer nos vinhos todo o trabalho dedicado às
videiras. Ainda na década de 90, após seu estágio em uma vinícola no curso de
Engenharia de Alimentos, Juliano Carraro ingressa na faculdade de enologia e sua
vontade de elaborar vinhos contagia toda a família - inclusive o irmão mais
novo, Giovanni Carraro, que anos mais tarde também se forma enólogo e
atualmente é o responsável pelos vinhos Puristas da Vinícola.
Em 1998, após vários estudos, Lidio converte sete hectares no
Vale dos Vinhedos para uvas da melhor qualidade e inicia a criação de sua
adega. Em 2001, ocorre a fundação da Vinícola Lidio Carraro e a família adquire
200 hectares em Encruzilhada do Sul, na Serra do Sudeste do Rio Grande do Sul.
A região mais tarde se tornaria um pólo vitícola brasileiro. Os vinhedos no
Vale dos Vinhedos iniciam as primeiras produções em 2002 e a safra dá origem
aos primeiros vinhos com a marca Lidio Carraro, que chegam ao mercado em 2004.
Pouco tempo depois, a vinícola vence uma seleção para representar o vinho
brasileiro nas prateleiras do DutyFree de aeroportos internacionais,
tornando-se o primeiro produtor brasileiro a fazê-lo. Com esta porta aberta
para o mundo, a Lidio Carraro começa a receber pedidos internacionais e dá
início às exportações ainda em 2005. Desde então, os reconhecimentos chegam de
todas as partes do mundo e a vinícola se torna referência em vinhos do Brasil
da mais alta qualidade e com uma identidade própria, chegando a representar o
país em alguns dos eventos mais importantes da história das últimas duas
décadas.
Mais informações acesse:
https://www.lidiocarraro.com/br
Referências de pesquisa:
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/vinho-velho-vinho-bom_10208.html
“Vinho, Vida & Viagem”: https://vaocubo.com/2018/12/14/degustacaodecada70/
Degustado em: 2015