Mais um vinho da série que, a cada dia ou semana, está cada
vez mais emocionante, das castas e/ou regiões pouco conhecidas, raras e nem um
pouco badaladas. Falo emocionante, mas degustar vinhos com essas novidades traz
à tona o que vem se tornando um fato em minha caminhada de enófilo: de que o
universo do vinho é vasto e pouquíssimo inexplorado.
Quem dizer por aí que muito já degustou, que domina vários
conceitos do vinho ou está redondamente enganado ou goza de uma arrogância do
tamanho do mencionado universo desta maravilhosa bebida.
Mas eu confesso que demorei a escolhê-lo. Não sei dizer
exatamente o motivo pelo qual isso aconteceu. Talvez seja pelo fato dessas
visões pré concebidas, aqueles preconceitos pequenos, mas significativos para
não proporcionar potenciais momentos de alegria, prazer, de celebração.
Lembro-me que tive umas três boas oportunidades para
compra-lo. Boas oportunidades que me refiro são basicamente de valores
atrativos e aqueles desejáveis fretes grátis que dá aquela ajuda considerável.
Mas não comprei.
Tive alguns medos, algumas preocupações, aquelas buscas por
referências são essenciais, mas as vezes nos trava da possibilidade de degustar
bons e surpreendentes vinhos, onde a razão sempre sobrepõe o coração e,
atualmente, tento priorizar o contrário, mesmo que eu cometa alguns erros,
afinal, nem sempre temos que ter aquela obrigação em acertar sempre, mas também
não persistir no erro.
Mas um belo dia eu olhei para o vinho, não demorei muito para
adquiri-lo, fiz uma breve leitura sobre a casta que jamais havia falar do nome
e assumi o risco e comprei o vinho.
Demorei também para degusta-lo! Ficou na adega, caiu no
esquecimento e com o início do verão, veio à tona o interesse em abri-lo, mais
ainda, claro, pela casta em si. Então em um dia dominical quente e abafado,
mesmo sem o raiar poderoso do sol, decidi desarrolha-lo.
Rolha retirada, taça inundada, vinho geladinho, pronto para o
“abate”. Aquele ritual básico, que deve ser seguido, mas sem muitas delongas,
afinal, estava curioso para conhecer o vinho e sua casta que para mim era
novidade. Que vinho legal! Que vinho interessante e peculiar. O vinho que
degustei e gostei veio de uma região italiana que adoro, a Sicília, e se chama
1958 Estate da casta Inzolia, safra 2019.
Inzolia? Até o nome soa diferente. Diferente também são
algumas características dela. A começar com um tanino um pouco alto para uma
cepa branca. Mas eu não vou tecer, pelo menos ainda, maiores comentários sobre
o vinho, mas, para não perder o costume falarei um pouco da história dessa
casta.
Inzolia
A uva branca Inzolia é nativa da Itália, onde também é
conhecida como Ansonica, principalmente na região da Toscana. O prestígio desse
tipo de uva está relacionado, sobretudo, à sua utilização na elaboração do
vinho de corte siciliano fortificado, o vinho Marsala, juntamente com as outras
castas brancas Catarratto e Grillo.
A grande quantidade de taninos presentes na Inzolia é
considerada uma característica singular dessa variedade de uva, já que as
demais uvas brancas não costumam apresentar taninos em quantidades elevadas. A
perda de acidez da fruta no final da estação faz da Inzolia uma variedade que
requer cuidados especiais, de forma que tenha sua qualidade assegurada.
Não há um consenso quanto à origem da uva Inzolia, a teoria
mais aceita é que ela seja originária da ilha da Sicília. Entretanto, alguns
estudiosos acreditam que sua terra natal, na verdade, seja a Grécia. O fato é
que a Inzolia é uma das uvas brancas mais expressivas na Sicília, sendo,
também, cultivada na Toscana.
Os principais varietais elaborados com esta casta são vinhos
brancos secos, enquanto os vinho de corte tem êxito na combinação com as uvas
Catarrallo e Grillo. Na região da Toscana, a uva Vermentino é considerada um
excelente par para compor bons vinhos de corte com a Inzolia.
Os vinhos criados com a uva Inzolia apresentam coloração
dourada com reflexos esverdeados, e ostentam aromas expressivos e grande
equilíbrio, além de demonstrarem boa capacidade de envelhecimento. Os aromas
mais comuns são os de amêndoa, ervas frescas, frutas cítricas e tropicais.
Sicília
A Sicília é a maior ilha do Mediterrâneo. É uma ilha
vulcânica repleta de praias lindas, paisagens espetaculares e uma arquitetura
interessante. Fruto da mistura de civilizações que habitaram a ilha e da cálida
hospitalidade de seu povo. A Passagem de diversos povos através durante
séculos, a Sicília tornou-se um entreposto importante no Mediterrâneo. É um
destino desejado para todo viajante. Mas a Sicília não é apenas conhecida pela
exuberante natureza, mas também se destaca quando o assunto é vinho. E isso
teve influências na sua cultura e, claro, no seu vinho.
Foram os fenícios que iniciaram o cultivo da videira e a
elaboração do vinho na Sicilia, porém foram os gregos que introduziram as cepas
de melhor qualidade. Alguns historiadores relatam que antigamente na região de
Siracusa (província siciliana), havia um vinho chamado Pollios, em homenagem a
Pollis de Agro (que foi um ditador nessa região), que se tornou famoso na
Sicilia no século VIII-VII a.C..
Esse vinho era um varietal de Byblia, uva originária da área
mais oriental do Mediterrâneo, dos montes de Biblini na Trácia (antiga região
macedônica que hoje é dividida entre a Grécia, Turquia e Bulgária). O
historiador Saverio Landolina Nava (1743-1814) relatou que o Moscato de
Siracusa deriva desse vinho de Biblini, sendo classificado como o vinho mais
antigo da Itália.
Já o vinho doce Malvasia delle Lipari (Denominação de Origem
do norte da Sicilia) parece ter sua origem na época da colonização grega na
Sicilia. Lipari é uma cidade que pertence ao arquipélago das ilhas Eólicas.
Durante o Império Romano, o também vinho doce Mamertino
(outra Denominação de Origem) produzido no norte da Sicilia, era muito apreciado
por muitos, inclusive por Júlio César e era exportado para Roma e África
A viticultura na região sofreu uma grande redução com a queda
do Império Romano, porém durante a dominação árabe foi introduzida a variedade
de uva Moscatel de Alexandria na ilha Pantelleria, que mantém ainda hoje ali o
nome árabe Zibibbo. Os árabes introduziram na Sicília suas técnicas de
viticultura e também o processo de passificação das uvas.
No século XVIII a indústria enológica na Sicilia teve um
grande avanço e começou a produzir o vinho de Marsala que conta atualmente com
uma Denominação de Origem Protegida. Esse vinho se tornou conhecidíssimo no
resto da Europa graças a um navegante e comerciante inglês chamado John
Woodhouse, que ancorou sua embarcação no porto de Marsala para se proteger de
uma tempestade. Foi quando provou o vinho local e se apaixonou, resolvendo
levar alguns barris para a Inglaterra. O vinho de Marsala fez tanto sucesso por
lá que Woodhouse começou a investir na Sicilia comprando vinhedos e construindo
vinícolas para produzir vinho de Marsala, se tornando um empresário do setor
vitivinícola de grande êxito.
Como na maioria dos vinhedos da Europa, a Phylloxera também
atingiu a ilha Salinas, no norte da Sicilia, provocando uma devastação dos
vinhedos que foram se recuperando gradativamente com a plantação de novos
vinhedos e a criação em 1973 da Denominação de Origem Malvasia delle Lipari.
A região possui um clima e um solo que favorecem muito a viticultura e a elaboração de vinhos, sendo uma das principais atividades econômicas da ilha italiana. A topografia é variada, formada por colinas, montanhas, planícies e o majestoso vulcão Etna. Encontramos vinhedos por toda parte, que vão das colinas até a parte costeira.
Nas colinas os vinhedos são cultivados em terrazas que chegam
inclusive a uma altitude de 1.300 metros, o que as videiras adoram, pois
proporciona muita luminosidade e uma ótima drenagem. Encontramos vinhedos também
na parte costeira da ilha.
O clima na Sicília é mediterrâneo, mais quente na área mais
costeira e no interior da ilha é temperado e úmido, podendo ás vezes apresentar
temperaturas bem elevadas por influência de ventos procedentes da África.
Também possui uma quantidade grande de microclimas por causa da influência do
mar. As chuvas são mais comuns durante o inverno com cerca de 600mm anuais. Os
vinhedos sicilianos necessitam, portanto serem regados.
O solo na ilha é muito variado e rico em nutrientes em razão
das erupções vulcânicas do Etna. Encontramos solos arenosos, argilosos e de composição
calcária. Em uma parte da ilha o solo é constituído de gneiss, que é um tipo de
rocha metamórfica composta de granito. Em quase todas as localidades da Sicília
se elaboram vinhos, e essas regiões vitivinícolas contam com várias DOC.
As principais castas tintas produzidas na Sicília são:
Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Syrah, Nerello Mascalese, Nerello
Capuccio, Frappato, Sangiovese, Nero d’Avola e Pinot Nero. Já as brancas
destacam-se: Grillo, Catarrato, Carricante, Inzolia, Moscato di Panteleria,
Grecanico, Trebbiano Toscano, Malvasia, Chardonnay e Sauvignon Blanc.
E agora o vinho!
Na taça revela um amarelo levemente dourado com reflexos esverdeados
com um reluzente brilho e discretas e rápidas lágrimas.
No nariz as frutas têm o protagonismo, frutas de polpa
branca, algo de cítrico também e frutas tropicais, com notas florais, de flores
brancas bem delicadas.
Na boca é fresco, refrescante, saboroso, com as notas
frutadas em grande evidência como no aspecto olfativo, com taninos também um
pouco mais evidente para uma casta branca, acidez muito boa, que faz salivar e
um final de média persistência e frutada.
Mais uma grata descoberta! O garimpo do vinho nos revela
riqueza à alma, nos entrega o que há de mais significativos em seu vasto e
inexplorado universo. Tudo conspirou a favor nesta degustação: a casta, a
região, adoro os vinhos da Sicília e a suas formas despretensiosas de
degustação, o novo contato com este produtor etc. o 1958 Estate se revelou um
vinho fresco, harmonioso, com alguma estrutura sim, graças aos seus inusitados
taninos um pouco mais evidentes, mas leve, jovem, despretensioso, como todo
siciliano tem de ser, o que muito me atrai e me cativa. Um frescor que me faz
viagem, sem sair de casa, até os mares que banham a Sicília, que me projeta uma
degustação com evidente apelo regionalista à beira mar, provando suas cepas
autóctones. Tem 12,5% de teor alcoólico. Ah o nome do vinho, “1958 Estate” é em
virtude da ano de fundação da vinícola, exatamente em 1958.
Sobre a Cantine Settesoli:
A Cantine Settesoli é cooperativa vinícola siciliana de 2.000
produtores que desde 1958 acredita no valor da comunidade, na qualidade dos
vinhos que produz e no bem-estar econômico, social e ambiental gerado pelo
trabalho em equipe. Cultivam a maior variedade de uvas da Sicília: mais de 30
cultivares diferentes em 6.000 hectares de terra, que representam mais de 7%
dos vinhedos da ilha.
São uma empresa global que aposta nas novas gerações, que
cultiva o futuro, que se preocupa com a vinha respeitando o meio ambiente e que
sempre foi pioneira na investigação, tecnologia e qualidade, para garantir
valor às uvas, remuneração aos associados e vinhos excelentes para os
consumidores.
São o motor do desenvolvimento econômico de todo o território,
que desde Menfi se estende além de Montevago, Condessa Entellina e Santa
Margherita di Belìce e abrange três províncias. Envolvemos 70% das famílias que
vivem nesta parte do sudoeste da Sicília, em um caminho de cooperação que reúne
pequenos vinicultores em um grande vinhedo.
Nascida em 1958 em Menfi, no mesmo ano em que foi publicado
"Il Gattopardo" de Tomasi di Lampedusa, romance histórico siciliano
que menciona um feudo denominado Settesoli. Herança importante, tanto que foi
concedida como dote por Dom Calogero Sedara à sua filha Angélica para o
casamento com Tancredi, neto do Príncipe de Salina: o mesmo feudo do qual tiram
o nome da vinícola, as mesmas terras que o constituem. O pano de fundo do livro
é o olhar diário da Cantine Settesoli. Lá, revive uma história antiga que
remonta aos sicanos e passou desde os antigos gregos: os vinhedos ainda
emolduram Selinunte, o maior parque arqueológico da Europa, e o apoiaram com
uma arrecadação de fundos que visa torná-lo mais conhecido e utilizável.
Os viticultores apostam na vinha e juntos apostam na
organização, que na Sicília é uma escolha de inovação: fazer com que o mundo do
vinho passe de uma conotação puramente agrícola e sedentária a uma visão de
empresa global, confiada a gestores preparados e atentos ao desenvolvimento de
jovens que viajaram o mundo e depois voltaram para casa, para valorizar a
comunidade.
Optaram por seguir o caminho da qualidade: existe uma relação
constante entre agrónomos e sócios, que se orientam durante todas as fases do
seu trabalho no campo, para tirar o melhor partido das nossas uvas, dos nossos
solos e das características pedoclimáticas dos vinhedos. Isso protege os
viticultores, o vinho que produzem e o território em que vivem. Foram a
primeira vinícola na Itália a certificar a rastreabilidade de toda a cadeia
produtiva, desde a vinha (em que todas as fases são monitoradas, para a proteção
do meio ambiente e da qualidade do produto) às adegas (onde se concentram na
eficiência energética e tem um dos maiores sistemas fotovoltaicos do setor
vitivinícola italiano).
A sustentabilidade está no DNA da vinícola. São pioneiros na
investigação: o patrimônio vitícola assenta nas vinhas tradicionais da zona
mediterrânica e nas mais recentes castas importadas, com um olhar sempre atento
às novidades. Sempre investiram em tecnologias e colaboramos com prestigiosas
universidades e investigadores de todo o mundo, para melhorar a qualidade das
uvas e produzir vinhos únicos e distintos no território. Por exemplo, todos os
anos efetuam a vindima noturna geo-localizada das mais delicadas uvas brancas
para preservar intactas as suas qualidades e aromas.
A qualidade dos vinhos é atestada pelos inúmeros prémios
recebidos ao longo dos anos: o de "Adega do Ano" pela excelente
relação qualidade / preço; o “Prêmio Sodalitas”, pelo compromisso com a
responsabilidade social em prol do território; “Tre Bicchieri” de Gambero Rosso
em Mandrarossa Cartagho e Timperosse, só para citar alguns.
Oss vinhos são distribuídos na Itália e no exterior sob as
marcas Settesoli, Mandrarossa e Inycon e são obtidos a partir de uvas
selecionadas, vinificadas na área de origem, integrando a cultura local,
métodos tradicionais e inovação tecnológica. Também Colaboram com grandes
varejistas internacionais, sempre produzindo os melhores e comercializando
vinhos de qualidade, com marcas exclusivas e próprias em todo o mundo.
Mais informações acesse:
https://cantinesettesoli.it/it
Referências:
“Revista Sociedade de Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2016/04/sicilia/
“Enologuia”: https://enologuia.com.br/regioes/290-sicilia-o-continente-do-vinho
“Vinhos e Castelos”: https://vinhosecastelos.com/vinhos-da-sicilia-italia/
“Vinho Perfeito”: http://vinhoperfeito.com/2017/02/22/inzolia/
“Divinho”: https://www.divinho.com.br/uva/inzolia/
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/inzolia