A minha “viagem” pelas novidades do vinho continua e como há
“conteúdo” para isso, haja vista como eu costumo dizer, até de forma demasiada,
confesso, o universo do vinho e vasto e inexplorado.
E as novidades surgem onde, em tese, não traz tanta novidade
assim em dias atuais. O que quero dizer com isso? Por mais que determinadas
castas ou regiões, por exemplo, já seja uma realidade em nossas vidas enófilas,
elas podem revelar nuances até então, novas para você.
E pensar que, em tempos remotos, nos primórdios de nossa
trajetória do universo do vinho, eu jamais pensei que fosse, a cada degustação,
de forma contínua, viver novas experiências sensoriais com direito a histórias
como “tempero”.
Então direto ao assunto, vamos de Cabernet Sauvignon! Esse é
o tema central desse texto! A Cabernet Sauvignon, tida e conhecida, como a
“rainha das uvas tintas” não recebe esse título à toa. É uma variedade que se
adaptou a vários terroirs, a vários climas e estruturas geológicas.
Diante disso é inevitável que qualquer enófilo que se preze
já tenha degustado, em algum momento, a Cabernet Sauvignon, por mais que não
goste ou não a tenha em seu rol de predileções de cepas.
A Cabernet Sauvignon, definitivamente, fez e ainda faz parte
da minha vida enófila e foi responsável pelo meu caminho entre as castas
tintas, juntamente com a Merlot, sendo a segunda a minha preferida por anos e
anos.
Mas quando eu procurava por corpo, estrutura e robustez era
na Cabernet Sauvignon que eu me realizava, sobretudo nos Cabernets chilenos,
onde o termo “sauvage” que originou o nome da variedade e que, em francês,
significa ‘selvagem”, encontrou a sua forma mais genuína, digamos.
Ao longo do tempo, fui diversificando as opções de castas
estruturadas, mas nunca deixei de celebrar a velha Cabernet Sauvignon e, diante
de um espírito desbravador que construo a cada dia no universo do vinho, fui
buscando novas nuances e propostas da Cabernet Sauvignon em outros centros
vitivinícolas.
Argentina, Brasil, França, Estados Unidos foram alguns países
que desbravei a Cabernet Sauvignon e todas demonstraram personalidades
próprias, até que a necessidade desbravadora insistia, teimava em me pegar e,
claro, cedi.
E quando fazia uma busca de outros vinhos na grande rede, não
me recordo ao certo o que buscava, me deparei com um rótulo espanhol de uma
região que está despontando no cenário vitivinícola mundial e adivinhem, era um
varietal (100%) Cabernet Sauvignon! Claro que aquilo me chamou, evidentemente,
atenção, afinal nunca degustei um Cabernet Sauvignon espanhol.
O comprei, mas demorei em degusta-lo e descansou por algum
tempo na adega e agora com seus cinco anos de garrafa, ainda um jovem para um
Cabernet Sauvignon, achei o momento ideal para desarrolhá-lo.
Então sem mais delongas vamos às apresentações do vinho! O
vinho que degustei e gostei veio, como disse de Utiel-Requena, da Espanha, e se
chama Hoya de Cadenas Crianza, um 100% Cabernet Sauvignon da safra 2017. E para
não perder o costume vamos de história e vale e muito a pena contar a de
Utiel-Requena, região que vem me ganhando dada a qualidade de seus rótulos
aliado a um custo acessível. E falarei também do termo, muito comum e
importante para os rótulos espanhóis, o crianza.
Utiel-Requena
A Espanha possui a maior área cultivada de Vitis Vinifera do
mundo, embora em volume de produção ocupe somente a terceira posição. Trata-se
de um amplo território o qual nos presenteia, ano após ano, com vinhos
exuberantes e geralmente de bastante personalidade: o emblemático Jerez fortificado
da Andaluzia, tintos de Rioja, Priorat e Ribera Del Duero, brancos de Rueda,
entre outros.
É natural que, entre as 13 macrorregiões a qual está
dividida, existam sub-regiões as quais permaneçam relativamente ocultas do
grande público, mesmo daquele consumidor habitual de vinhos. Algumas preferem
manter o “anonimato”, dedicando sua produção ao consumo regional; outras,
porém, dedicam esforços incansáveis no sentido de promover seu terroir, suas
cepas endêmicas, a tipicidade de seus vinhos e as melhorias em seu processo
produtivo. Este é o caso de Utiel-Requena.
Recentemente, foram descobertos registros arqueológicos que comprovam que, desde o século V a.C., era praticada a vitivinicultura na região de Utiel-Requena. Sítios arqueológicos como El Molón, em Camporrobles, Las Pilillas, em Requena e Kelin, em Caudete atestam o passado vinícola da região. Quando do domínio romano sobre a região, estes introduziram novas técnicas de vinificação, propiciando a melhora dos vinhos ali produzidos. Utiel-Requena têm sua história também ligada ao período conhecido como Reconquista: a retomada, a partir do século VIII, do controle europeu dos territórios da Península Ibérica, dominados pelos árabes (mouros) desde o século VI.
Muitas das cidades da região foram fundadas e/ou possuem
grande influência islâmica em suas construções, bem como vestígios de
fortalezas e construções mouras, como a cidade de Chera, por exemplo. Em 1238,
a região cai sob o domínio do reino de Castela. No século seguinte, após
conflitos envolvendo este reino e seu vizinho, Aragão, ocorre a união entre a
rainha Isabel (Castela) e Fernando (Aragão), conhecidos como os Reis Católicos,
e, após a conquista dos demais reinos ibéricos por estes (exceto Portugal),
constitui-se o Reino da Espanha.
Utiel-Requena, consequentemente, torna-se domínio espanhol.
Durante o século XIX, eclodem na Espanha as Guerras Carlistas, que dividem a
população espanhola entre os partidários do absolutismo e do liberalismo;
reflexo de outras manifestações do mesmo cunho ocorridas Europa afora. Utiel
(absolutista) e Requena (liberal), assim como as demais cidades da região,
assumem posições antagônicas, situação somente resolvida com a conclusão da
Primeira Guerra Carlista.
Utiel-Requena localiza-se na porção leste do território
espanhol, dentro da província de Valencia. Situa-se numa zona de transição
entre a costa mediterrânea e os platôs da região da Mancha. Seus vinhedos
localizam-se predominantemente entre os rios Turia e Cabriel. A região possui
um dos climas mais severos de toda a Espanha. Os verões costumam ser longos e
quentes (máximas por vezes de 40 graus), enquanto os invernos são muito frios,
com ocorrência frequente de geadas e granizo (mínimas podem chegar a -10
graus).
No entanto, as vinhas encontram-se adaptadas a tais rigores e
oscilações e, como atenuante, sopra do Mar Mediterrâneo o Solano, vento frio
que ajuda a suavizar o efeito dos quentes verões da região. O solo possui cor
escura, de natureza calcária e pobre em matéria orgânica. Utiel-Requena é uma
DOP (Denominación de Origen Protegida – Denominação de Origem Protegida)
pertencente a Comunidade Valenciana, a qual possui certa autonomia em relação
ao governo central espanhol. Não possui sub-regiões.
Crianza
Vinho crianza é um
dos termos que causa bastante confusão. Apesar do som e a escrita serem
semelhantes à “criança”, em português, “crianza” em espanhol não tem relação
nenhuma com juventude. Pelo contrário. A palavra quer dizer “criação”, ao pé da
letra, e está diretamente relacionada ao amadurecimento do vinho produzido na
Espanha.
Segundo a legislação da Espanha, para serem classificados
como Vinhos Crianza, os vinhos tintos devem envelhecer por um período mínimo de
24 meses, sendo de 6 a 12 meses em barris de carvalho e o restante na garrafa.
Já os vinhos brancos e rosés devem envelhecer por um período mínimo de dezoito meses, sendo 6 meses em barris de carvalho e o restante na garrafa.
Esse tempo de maturação foi determinado pela Ley 24/2003, de la Viña y del Vino, legislação espanhola que rege as regras de vinificação.
Rioja e Ribera del Duero, duas das mais importantes regiões
produtoras de vinhos da Espanha, possuem determinações ainda mais rígidas para
que um exemplar seja crianza.Por lá, a bebida deve amadurecer por dois anos
também, no mínimo, e um deles deve ser em barricas de carvalho.
Os Vinhos Crianza são rótulos frescos, de sabor vibrante e
fáceis de beber. Entre seus principais aromas destacam-se notas de frutas
vermelhas, como cereja, nuances de especiarias e toques de baunilha, advindos
do estágio em carvalho.
E agora finalmente o vinho!
Na taça se revela um vermelho rubi intenso, quase escuro, com
algumas tonalidades violáceas, com lágrimas grossas e em profusão que,
lentamente, desenham o bojo.
No nariz traz aromas de frutas vermelhas maduras, onde se
destacam groselha, cereja e framboesas, não se nota muito a madeira, pois
passou por 7 meses em barricas de carvalho, mas se percebe, discretamente, um
fundo amadeirado, com notas de especiarias e baunilha.
Na boca apresenta médio corpo, mas muito fácil de degustar,
protagonizando as nuances frutadas, como no aspecto olfativo, com a madeira
mais evidente, mas, harmonioso, mostra sintonia com a fruta, entregando
baunilha, especiarias e um leve tostado. Tem taninos finos, elegantes, boa
acidez denunciando frescor e um final de média persistência.
Na terra da Bobal, quem reinou neste belo rótulo foi a
Cabernet Sauvignon! A sua nobreza é corroborada pela sua onipresença, sendo
amplamente cultivada em todo o planeta. Apesar de trazer a sua habitual
personalidade, uma genuína característica, o Hoya de Cadeñas Crianza entrega
frescor, com uma estrutura bem integrada de taninos e acidez em um equilíbrio
maravilhoso. Um vinho como ele é, levando em consideração como se descreve, em
termos gerais, um belo crianza e o é mesmo, haja vista que tenho uma razoável
experiência degustando alguns bons crianzas por aí. Boas descobertas simbolizam
boas experiências sensórias e um pouquinho de história que não faz mal a
ninguém. Tem 13% de teor alcoólico.
Sobre a Fazenda Hoya de Cadeñas:
A Herdade Hoya de Cadenas é um paraíso enológico a apenas 90
km da cidade de Valência. O fato de estar localizado nas encostas da Sierra de
la Bicuerca permite-lhe albergar as mais nobres castas locais e internacionais.
A propriedade goza de um microclima particular em que as
oscilações térmicas entre o dia e a noite confere à uva características
próprias e facilitam a acumulação dos polifenóis altamente valorizados.
Hoya de Cadenas tem origens reais que remontam ao século
XVII. A esta casa senhorial foi atribuído o "Direito de Asilo", que
raramente foi atribuído a edifícios civis, sendo quase sempre concedido a
estadias militares e religiosas. Para registrar esse privilégio, a frente da
casa foi adornada com pesadas correntes e logo ficou conhecida como Casa das
Correntes. Com o tempo, este nome foi estendido a todas as posses do Fernandez
Córdova.
Foi assim que a quinta, que pertencia a esta família,
adquiriu o nome de "Casa de las Cadenas" e o vale onde se encontra
passou a ser conhecido como o vale das cadeias ou a Hoya de Cadenas.
A Herdade Hoya de Cadenas é o primeiro complexo de enoturismo
em Espanha que integra uma sala de exposições numa adega, empenhada em promover
um novo conceito de enoturismo ligado à cultura. O museu Arte en Barrica abriga
a coleção de barris decorados por artistas proeminentes da Comunidade
Valenciana. Até agora só haviam sido exibidos na Feira ARCO e no IVAM.
Sobre a Bodegas Vicente Gandia:
A Bodegas Vicente Gandía é uma vinícola centenária fundada em
Valência em 1885. Atualmente é administrada pela 4ª geração da família Gandía.
Mantém-se fiel aos seus valores fundadores: contribuir para o
progresso e bem-estar da sociedade apostando na qualidade e inovação sem
esquecer a tradição vitivinícola de que é herdeira.
Sempre se caracterizou por seu desejo internacional. Este
fato permitiu que, hoje, os vinhos desta adega estejam presentes em mais de 90
países nos 5 continentes.
A vinícola é considerada a maior vinícola da Comunidade
Valenciana e a vinícola com melhor relação custo-benefício da Espanha, de
acordo com as qualificações do Guia Peñín. Em 2014 foi premiada como a melhor
adega espanhola pelo prestigiado concurso.
Mais informações acesse:
https://www.vicentegandia.es/en/
Referências:
Blog “O Mundo e o Vinho”: http://omundoeovinho.blogspot.com/2015/11/utiel-requena.html
“Revista Sociedade de Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2020/12/vinho-crianza/
“Divinho”: https://www.divinho.com.br/blog/vinhos-crianza-reserva-gran-reserva/