Escolher e comprar vinhos, como costumo dizer, é assumir
riscos! Por que digo isso? Simples! Você pode pesquisar o vinho, buscar
referências, se identificar com a região com a qual o vinho foi concebido, das
variedades, da proposta que pode entregar, mas quando está na mesa, na taça pode
te surpreender negativamente falando.
E nesses últimos tempos venho me interessando, de forma,
diria, ávida, pelos vinhos espanhóis reservas, gran reservas e crianzas. Não
sei como começou e sinceramente não sei quando irá terminar.
A despeito de que muitos dizem acerca desses vinhos, me
encanta a complexidade, as notas amadeiradas em perfeita sinergia com as frutas
e características das castas que os compõe e, sobretudo, da sua elegância, de
vinhos que são mais redondos, pela proposta de passagem, longa, por barricas de
carvalho, do tempo de safra, geralmente são antigas, em média de 8 a 10 anos de
garrafa, da particularidade de cada terroir etc.
A reclamação de muitos se dá exatamente na elegância dos
vinhos cuja referência que se dá é de vinhos inexpressivos, sem caráter, pouco
estruturados ou algo similar. A opinião é livre e precisa ser respeitada, mas
acredito que deveria se atentar para a proposta do vinho, pois a partir dela,
podemos entender certas nuances do rótulo.
Não esperem amigos leitores, desses vinhos espanhóis,
robustez, peso ou coisa que o valha, pois são vinhos que, de acordo com a Lei 24/2003, de 10 de julio, de la Viña y del Vino, passam por um determinado tempo em barricas de carvalho, que
“afina” a bebida e ainda fica mais algum tempo em garrafa na vinícola até sair
para a venda. Isso é preponderante para o vinho e suas propostas.
E o rótulo de hoje, claro, espanhol, me atraiu
definitivamente pelo valor que era atraente, cerca de R$49! Mas não foi apenas
o preço, embora seja prioritário, admito, para a compra. Foram outros quesitos
importantes, pelo menos para mim: a região, Utiel-Requena, que vem ganhando
alguma notoriedade, onde vem exportando para outros países e o Brasil tem recebido
alguns rótulos o que, em um passado não muito distante, a produção e a prática
mercadológica eram apenas local. E para finalizar a casta ou pelo menos uma das
castas que compõe o rótulo escolhido: Bobal.
E essa variedade merece um comentário à parte pela sua
importância para a região de Utiel-Requena que é a maior produtora, a que mais
cultiva Bobal na Espanha. Evidente que a Bobal ainda é pouco conhecida entre
nós, brasileiros, mas é possível encontrar com relativa facilidade no nosso
mercado.
Já degustei alguns poucos rótulos dessa casta, mas o vinho de hoje a Bobal divide o protagonismo com a mais popular da Espanha: Tempranillo. E já degustei um rótulo com esse corte e que me chamou e muito a atenção: O Valtier Reserva 2013 com 50% da Bobal e 50% de Tempranillo.
Então sem mais delongas o vinho que degustei e gostei, como
dito, veio da região espanhola de Utiel-Requena e se chama Marqués de Colbert
Reserva, composto pelas castas Tempranillo (50%) e Bobal (50%) da safra 2016.
Vamos às histórias! Da desconhecida Bobal e Utiel-Requena.
Utiel-Requena
A Espanha possui a maior área cultivada de Vitis Vinifera do
mundo, embora em volume de produção ocupe somente a terceira posição. Trata-se
de um amplo território o qual nos presenteia, ano após ano, com vinhos exuberantes
e geralmente de bastante personalidade: o emblemático Jerez fortificado da
Andaluzia, tintos de Rioja, Priorat e Ribera Del Duero, brancos de Rueda, entre
outros.
É natural que, entre as 13 macrorregiões a qual está
dividida, existam sub-regiões as quais permaneçam relativamente ocultas do
grande público, mesmo daquele consumidor habitual de vinhos. Algumas preferem
manter o “anonimato”, dedicando sua produção ao consumo regional; outras,
porém, dedicam esforços incansáveis no sentido de promover seu terroir, suas
cepas endêmicas, a tipicidade de seus vinhos e as melhorias em seu processo
produtivo. Este é o caso de Utiel-Requena.
Recentemente, foram descobertos registros arqueológicos que
comprovam que, desde o século V a.C., era praticada a vitivinicultura na região
de Utiel-Requena. Sítios arqueológicos como El Molón, em Camporrobles, Las
Pilillas, em Requena e Kelin, em Caudete atestam o passado vinícola da região.
Quando do domínio romano sobre a região, estes introduziram novas técnicas de
vinificação, propiciando a melhora dos vinhos ali produzidos. Utiel-Requena têm
sua história também ligada ao período conhecido como Reconquista: a retomada, a
partir do século VIII, do controle europeu dos territórios da Península Ibérica,
dominados pelos árabes (mouros) desde o século VI.
Muitas das cidades da região foram fundadas e/ou possuem
grande influência islâmica em suas construções, bem como vestígios de
fortalezas e construções mouras, como a cidade de Chera, por exemplo. Em 1238,
a região cai sob o domínio do reino de Castela. No século seguinte, após
conflitos envolvendo este reino e seu vizinho, Aragão, ocorre a união entre a
rainha Isabel (Castela) e Fernando (Aragão), conhecidos como os Reis Católicos,
e, após a conquista dos demais reinos ibéricos por estes (exceto Portugal),
constitui-se o Reino da Espanha.
Utiel-Requena, consequentemente, torna-se domínio espanhol.
Durante o século XIX, eclodem na Espanha as Guerras Carlistas, que dividem a
população espanhola entre os partidários do absolutismo e do liberalismo;
reflexo de outras manifestações do mesmo cunho ocorridas Europa afora. Utiel
(absolutista) e Requena (liberal), assim como as demais cidades da região,
assumem posições antagônicas, situação somente resolvida com a conclusão da
Primeira Guerra Carlista.
Utiel-Requena localiza-se na porção leste do território
espanhol, dentro da província de Valencia. Situa-se numa zona de transição
entre a costa mediterrânea e os platôs da região da Mancha. Seus vinhedos
localizam-se predominantemente entre os rios Turia e Cabriel. A região possui
um dos climas mais severos de toda a Espanha. Os verões costumam ser longos e
quentes (máximas por vezes de 40 graus), enquanto os invernos são muito frios,
com ocorrência frequente de geadas e granizo (mínimas podem chegar a -10
graus).
No entanto, as vinhas encontram-se adaptadas a tais rigores e
oscilações e, como atenuante, sopra do Mar Mediterrâneo o Solano, vento frio
que ajuda a suavizar o efeito dos quentes verões da região. O solo possui cor
escura, de natureza calcária e pobre em matéria orgânica. Utiel-Requena é uma
DOP (Denominación de Origen Protegida – Denominação de Origem Protegida)
pertencente a Comunidade Valenciana, a qual possui certa autonomia em relação
ao governo central espanhol. Não possui sub-regiões.
Bobal
As primeiras notícias da Bobal datam do século XIV. Da costa
de Valência, esta uva estabeleceu-se com sucesso em outras regiões do interior
da Espanha. Lugares como Utiel-Requena, Ribera e Manchuela, todas Denominação
de Origem Controlada, tem a Bobal como uma das suas principais variedades,
chegando seu cultivo ser quase que majoritário.
A Bobal é pouco cultivada fora da Espanha, há plantações dela
nas regiões de Languedoc-Roussillon, no sul da França, e da Sardenha, na
Itália. Dentro dessas regiões é também conhecida por requena, espagnol,
benicarlo, provechón, valenciana, carignan d’espagne, balau, requenera,
requeno, valenciana tinta ou bobos. Seu nome é derivado da palavra latina
Bovale, que significa touro, e refere-se à semelhança que os seus cachos têm
com a cabeça de um touro.
É uma uva de porte médio para grande, com bagos redondos e
cheios de sumo; além disso, apresentam quantidade razoável de taninos e sabores
de chocolate e frutos secos. Seus cachos, por sua vez, são muito grandes, bem
compactados e pesados.
Dá-se muito bem com climas mediterrâneos. Elabora diferentes
tipos de vinhos, com especial destaque para os vinhos rosés, sempre jovens, com
muita cor e com boa acidez; a Bobal ainda é responsável pelos aromas frutados
destas bebidas. Os tintos desta uva são pouco alcoólicos, mas muito saborosos,
vinhos de coloração cereja escura profunda e boa estrutura de taninos.
Por sua versatilidade e acidez adequada, a Bobal pode ainda
ser ainda utilizada para produzir espumantes. As peles grossas de Bobal têm uma
elevada quantidade de uma substância que dá cor intensa aos vinhos, bem como
presenteia a bebida com uma presença importante de taninos finos, esse é um dos
motivos que tem dado a esta uva um destaque especial na produção espanhola,
principalmente na região de Manchuela, cujo status de Denominação de Origem deu
respaldo ao cultivo da Bobal e aos os vinhos elaborados com ela frente ao
mercado interno e externo.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um vermelho rubi intenso, porém com
reflexos violáceos, com lágrimas finas, lentas e em média intensidade.
No nariz mostrou-se, inicialmente fechado, mas volatilizando abriu
para um mix de frutas pretas e
vermelhas maduras, com destaque para o morango, ameixa, cereja e framboesa, com
o amadeirado em evidência, mas em sinergia com a fruta, com toques discretos de
especiarias e um agradável defumado, diria também fumaça e couro.
Na boca é elegante, redondo, mas com persistência, talvez
pelo bom volume, sendo cheio, alcoólico (14,5%) corroborando para uma marcante personalidade,
ganhando em complexidade graças a madeira (cerca de 18 meses em barricas de
carvalho), com notas de baunilha, caramelo e torrefação, com a fruta também
protagonizando. Tem taninos presentes, mas aveludados, acidez correta e um
final untuoso e longo.
O preço é atraente, o valor cativa, mas a sedução pode te
deixar de joelhos, mas também pode trazer surpresa, aquela surpresa positiva.
Esse vinho, o Marqués de Colbert definitivamente surpreendeu e entrega muito
mais do vale, sem sombra de dúvidas. Um vinho de marcante personalidade, aquela
complexidade que só os espanhóis reservas e gran reservas podem proporcionar.
Elegante, equilibrado não cabe espaço para peso, tanta robustez e estrutura
que, às vezes, pode ser agressivo ao palato. Mais uma vez um vinho deste
produtor, a Marqués del Atrio, revela a capacidade de expressar, grandemente, o
terroir, entregando tipicidade. Agora estou entendendo a minha avidez por esses
rótulos. Tem 14,5% de teor alcoólico.
Sobre a Hacienda y Viñedos Marqués del Atrio:
A família Rivero está de fato relacionada ao mundo do vinho
há mais de um século. Nos anos 40, Amador Rivero, pai dos atuais proprietários,
Agapito e Jesús Rivero, começou então a cultivar videiras e a produzir vinho
profissionalmente em sua vinícola Faustino Rivero Ulecia, em Arnedo (na região
de La Rioja).
Em 2003, a Família Rivero decidiu construir uma nova
vinícola, Hacienda y Viñedos Marqués del Atrio, S.L., pois o aumento da
vinícola em Arnedo não era possível e a oferta de uvas na área era limitada.
A família escolheu a região de Mendavia, no vale do Ebro,
porque garante uma qualidade suprema das uvas, necessária para atender às
exigências do mercado.
A Rivero Family não vende apenas vinhos com a DOCa Rioja, mas
em 1988 começou a vender vinho engarrafado com DO Navarra produzido em Corella
(em Navarra) e em 1997 vinhos com DO Utiel-Requena produzido em Requena (em
Valência).
Em 2001, pretendendo atender à demanda de vinhos varietais
únicos e de consumo diário, a vinícola começou, portanto, a vender vinhos
regionais. Em 2007, foi dado outro passo e a venda de Cava foi iniciada,
aproveitando dessa forma a oportunidade de expansão na indústria do vinho.
Mais informações acesse:
https://grupomarquesdelatrio.com/en/
Site “Clube dos Vinhos”: https://www.clubedosvinhos.com.br/os-prazeres-da-uva-bobal/
Blog “O Mundo e o Vinho”: http://omundoeovinho.blogspot.com/2015/11/utiel-requena.html