domingo, 21 de agosto de 2022

Marqués de Colbert Reserva Bobal e Tempranillo 2016

 

Escolher e comprar vinhos, como costumo dizer, é assumir riscos! Por que digo isso? Simples! Você pode pesquisar o vinho, buscar referências, se identificar com a região com a qual o vinho foi concebido, das variedades, da proposta que pode entregar, mas quando está na mesa, na taça pode te surpreender negativamente falando.

E nesses últimos tempos venho me interessando, de forma, diria, ávida, pelos vinhos espanhóis reservas, gran reservas e crianzas. Não sei como começou e sinceramente não sei quando irá terminar.

A despeito de que muitos dizem acerca desses vinhos, me encanta a complexidade, as notas amadeiradas em perfeita sinergia com as frutas e características das castas que os compõe e, sobretudo, da sua elegância, de vinhos que são mais redondos, pela proposta de passagem, longa, por barricas de carvalho, do tempo de safra, geralmente são antigas, em média de 8 a 10 anos de garrafa, da particularidade de cada terroir etc.

A reclamação de muitos se dá exatamente na elegância dos vinhos cuja referência que se dá é de vinhos inexpressivos, sem caráter, pouco estruturados ou algo similar. A opinião é livre e precisa ser respeitada, mas acredito que deveria se atentar para a proposta do vinho, pois a partir dela, podemos entender certas nuances do rótulo.

Não esperem amigos leitores, desses vinhos espanhóis, robustez, peso ou coisa que o valha, pois são vinhos que, de acordo com a Lei 24/2003, de 10 de julio, de la Viña y del Vino, passam por um determinado tempo em barricas de carvalho, que “afina” a bebida e ainda fica mais algum tempo em garrafa na vinícola até sair para a venda. Isso é preponderante para o vinho e suas propostas.

E o rótulo de hoje, claro, espanhol, me atraiu definitivamente pelo valor que era atraente, cerca de R$49! Mas não foi apenas o preço, embora seja prioritário, admito, para a compra. Foram outros quesitos importantes, pelo menos para mim: a região, Utiel-Requena, que vem ganhando alguma notoriedade, onde vem exportando para outros países e o Brasil tem recebido alguns rótulos o que, em um passado não muito distante, a produção e a prática mercadológica eram apenas local. E para finalizar a casta ou pelo menos uma das castas que compõe o rótulo escolhido: Bobal.

E essa variedade merece um comentário à parte pela sua importância para a região de Utiel-Requena que é a maior produtora, a que mais cultiva Bobal na Espanha. Evidente que a Bobal ainda é pouco conhecida entre nós, brasileiros, mas é possível encontrar com relativa facilidade no nosso mercado.

Já degustei alguns poucos rótulos dessa casta, mas o vinho de hoje a Bobal divide o protagonismo com a mais popular da Espanha: Tempranillo. E já degustei um rótulo com esse corte e que me chamou e muito a atenção: O Valtier Reserva 2013 com 50% da Bobal e 50% de Tempranillo.

Então sem mais delongas o vinho que degustei e gostei, como dito, veio da região espanhola de Utiel-Requena e se chama Marqués de Colbert Reserva, composto pelas castas Tempranillo (50%) e Bobal (50%) da safra 2016. Vamos às histórias! Da desconhecida Bobal e Utiel-Requena.

Utiel-Requena

A Espanha possui a maior área cultivada de Vitis Vinifera do mundo, embora em volume de produção ocupe somente a terceira posição. Trata-se de um amplo território o qual nos presenteia, ano após ano, com vinhos exuberantes e geralmente de bastante personalidade: o emblemático Jerez fortificado da Andaluzia, tintos de Rioja, Priorat e Ribera Del Duero, brancos de Rueda, entre outros.

É natural que, entre as 13 macrorregiões a qual está dividida, existam sub-regiões as quais permaneçam relativamente ocultas do grande público, mesmo daquele consumidor habitual de vinhos. Algumas preferem manter o “anonimato”, dedicando sua produção ao consumo regional; outras, porém, dedicam esforços incansáveis no sentido de promover seu terroir, suas cepas endêmicas, a tipicidade de seus vinhos e as melhorias em seu processo produtivo. Este é o caso de Utiel-Requena.

Utiel-Requena

Recentemente, foram descobertos registros arqueológicos que comprovam que, desde o século V a.C., era praticada a vitivinicultura na região de Utiel-Requena. Sítios arqueológicos como El Molón, em Camporrobles, Las Pilillas, em Requena e Kelin, em Caudete atestam o passado vinícola da região. Quando do domínio romano sobre a região, estes introduziram novas técnicas de vinificação, propiciando a melhora dos vinhos ali produzidos. Utiel-Requena têm sua história também ligada ao período conhecido como Reconquista: a retomada, a partir do século VIII, do controle europeu dos territórios da Península Ibérica, dominados pelos árabes (mouros) desde o século VI.

Muitas das cidades da região foram fundadas e/ou possuem grande influência islâmica em suas construções, bem como vestígios de fortalezas e construções mouras, como a cidade de Chera, por exemplo. Em 1238, a região cai sob o domínio do reino de Castela. No século seguinte, após conflitos envolvendo este reino e seu vizinho, Aragão, ocorre a união entre a rainha Isabel (Castela) e Fernando (Aragão), conhecidos como os Reis Católicos, e, após a conquista dos demais reinos ibéricos por estes (exceto Portugal), constitui-se o Reino da Espanha.

Utiel-Requena, consequentemente, torna-se domínio espanhol. Durante o século XIX, eclodem na Espanha as Guerras Carlistas, que dividem a população espanhola entre os partidários do absolutismo e do liberalismo; reflexo de outras manifestações do mesmo cunho ocorridas Europa afora. Utiel (absolutista) e Requena (liberal), assim como as demais cidades da região, assumem posições antagônicas, situação somente resolvida com a conclusão da Primeira Guerra Carlista.

Utiel-Requena localiza-se na porção leste do território espanhol, dentro da província de Valencia. Situa-se numa zona de transição entre a costa mediterrânea e os platôs da região da Mancha. Seus vinhedos localizam-se predominantemente entre os rios Turia e Cabriel. A região possui um dos climas mais severos de toda a Espanha. Os verões costumam ser longos e quentes (máximas por vezes de 40 graus), enquanto os invernos são muito frios, com ocorrência frequente de geadas e granizo (mínimas podem chegar a -10 graus).

No entanto, as vinhas encontram-se adaptadas a tais rigores e oscilações e, como atenuante, sopra do Mar Mediterrâneo o Solano, vento frio que ajuda a suavizar o efeito dos quentes verões da região. O solo possui cor escura, de natureza calcária e pobre em matéria orgânica. Utiel-Requena é uma DOP (Denominación de Origen Protegida – Denominação de Origem Protegida) pertencente a Comunidade Valenciana, a qual possui certa autonomia em relação ao governo central espanhol. Não possui sub-regiões.

Bobal

As primeiras notícias da Bobal datam do século XIV. Da costa de Valência, esta uva estabeleceu-se com sucesso em outras regiões do interior da Espanha. Lugares como Utiel-Requena, Ribera e Manchuela, todas Denominação de Origem Controlada, tem a Bobal como uma das suas principais variedades, chegando seu cultivo ser quase que majoritário.

A Bobal é pouco cultivada fora da Espanha, há plantações dela nas regiões de Languedoc-Roussillon, no sul da França, e da Sardenha, na Itália. Dentro dessas regiões é também conhecida por requena, espagnol, benicarlo, provechón, valenciana, carignan d’espagne, balau, requenera, requeno, valenciana tinta ou bobos. Seu nome é derivado da palavra latina Bovale, que significa touro, e refere-se à semelhança que os seus cachos têm com a cabeça de um touro.

Bobal

É uma uva de porte médio para grande, com bagos redondos e cheios de sumo; além disso, apresentam quantidade razoável de taninos e sabores de chocolate e frutos secos. Seus cachos, por sua vez, são muito grandes, bem compactados e pesados.

Dá-se muito bem com climas mediterrâneos. Elabora diferentes tipos de vinhos, com especial destaque para os vinhos rosés, sempre jovens, com muita cor e com boa acidez; a Bobal ainda é responsável pelos aromas frutados destas bebidas. Os tintos desta uva são pouco alcoólicos, mas muito saborosos, vinhos de coloração cereja escura profunda e boa estrutura de taninos.

Por sua versatilidade e acidez adequada, a Bobal pode ainda ser ainda utilizada para produzir espumantes. As peles grossas de Bobal têm uma elevada quantidade de uma substância que dá cor intensa aos vinhos, bem como presenteia a bebida com uma presença importante de taninos finos, esse é um dos motivos que tem dado a esta uva um destaque especial na produção espanhola, principalmente na região de Manchuela, cujo status de Denominação de Origem deu respaldo ao cultivo da Bobal e aos os vinhos elaborados com ela frente ao mercado interno e externo.

E agora finalmente o vinho!

Na taça apresenta um vermelho rubi intenso, porém com reflexos violáceos, com lágrimas finas, lentas e em média intensidade.

No nariz mostrou-se, inicialmente fechado, mas volatilizando abriu para um mix de frutas pretas e vermelhas maduras, com destaque para o morango, ameixa, cereja e framboesa, com o amadeirado em evidência, mas em sinergia com a fruta, com toques discretos de especiarias e um agradável defumado, diria também fumaça e couro.

Na boca é elegante, redondo, mas com persistência, talvez pelo bom volume, sendo cheio, alcoólico (14,5%) corroborando para uma marcante personalidade, ganhando em complexidade graças a madeira (cerca de 18 meses em barricas de carvalho), com notas de baunilha, caramelo e torrefação, com a fruta também protagonizando. Tem taninos presentes, mas aveludados, acidez correta e um final untuoso e longo.

O preço é atraente, o valor cativa, mas a sedução pode te deixar de joelhos, mas também pode trazer surpresa, aquela surpresa positiva. Esse vinho, o Marqués de Colbert definitivamente surpreendeu e entrega muito mais do vale, sem sombra de dúvidas. Um vinho de marcante personalidade, aquela complexidade que só os espanhóis reservas e gran reservas podem proporcionar. Elegante, equilibrado não cabe espaço para peso, tanta robustez e estrutura que, às vezes, pode ser agressivo ao palato. Mais uma vez um vinho deste produtor, a Marqués del Atrio, revela a capacidade de expressar, grandemente, o terroir, entregando tipicidade. Agora estou entendendo a minha avidez por esses rótulos. Tem 14,5% de teor alcoólico.

Sobre a Hacienda y Viñedos Marqués del Atrio:

A família Rivero está de fato relacionada ao mundo do vinho há mais de um século. Nos anos 40, Amador Rivero, pai dos atuais proprietários, Agapito e Jesús Rivero, começou então a cultivar videiras e a produzir vinho profissionalmente em sua vinícola Faustino Rivero Ulecia, em Arnedo (na região de La Rioja).

Em 2003, a Família Rivero decidiu construir uma nova vinícola, Hacienda y Viñedos Marqués del Atrio, S.L., pois o aumento da vinícola em Arnedo não era possível e a oferta de uvas na área era limitada.

A família escolheu a região de Mendavia, no vale do Ebro, porque garante uma qualidade suprema das uvas, necessária para atender às exigências do mercado.

A Rivero Family não vende apenas vinhos com a DOCa Rioja, mas em 1988 começou a vender vinho engarrafado com DO Navarra produzido em Corella (em Navarra) e em 1997 vinhos com DO Utiel-Requena produzido em Requena (em Valência).

Em 2001, pretendendo atender à demanda de vinhos varietais únicos e de consumo diário, a vinícola começou, portanto, a vender vinhos regionais. Em 2007, foi dado outro passo e a venda de Cava foi iniciada, aproveitando dessa forma a oportunidade de expansão na indústria do vinho.

Mais informações acesse:

https://grupomarquesdelatrio.com/en/

Site “Clube dos Vinhos”: https://www.clubedosvinhos.com.br/os-prazeres-da-uva-bobal/

Blog “O Mundo e o Vinho”: http://omundoeovinho.blogspot.com/2015/11/utiel-requena.html

 

 

 

 

 






sábado, 20 de agosto de 2022

Vinha Solo Cabernet Sauvignon 2009

 

Modismos ou não, atualmente há, no ar, as discussões sustentáveis, o consumo correto (O que seria correto para cada um no mundo?) e a busca, por parte do mercado, de produtos que estejam atrelados a essas práticas.

Não quero, pelo menos por enquanto, entrar nas minúcias desta complexa questão, pois a prática sustentável traz várias concepções dependendo da visão de vida e mundo de cada um e a sua busca pela tal qualidade de vida que para outras pessoas, que podem estar, direta ou indiretamente envolvidas na promoção da mesma na vida de outros, ser destrutivas para muitos tantos.

 Acredito que essas questões, essas nuances existenciais que permeiam no conceito, um tanto quanto diverso e as vezes engessado da sustentabilidade, podem ser aplicadas no universo do vinho.

Hoje alguns formadores de opinião, especialistas, jornalistas, críticos e alguns especialistas oriundos de redes sociais defendem e enaltecem os vinhos naturais, os famosos “naturebas”, dizendo, inclusive, com certa euforia, que são vinhos diferenciados e que é o futuro da vitivinicultura.

Se são diferenciados, eu não sei, no auge da minha incapacidade, dizer, haja vista que, confesso, não ter percebido diferenças entre os vinhos tradicionais, naturais e orgânicos, mas o fato é que já é uma realidade esse nicho que, a cada dia, vem ganhando corpo no mercado. E se é o futuro eu também não sei dizer, embora o cenário seja propício para a vinificação de tais vinhos, mas digo que o futuro, como dizia aquela música famosa, repetiu o passado.

Vinhos naturais seguem, a meu ver, basicamente, a proposta dos vinhos que eram produzidos em um passado remoto e vejo com certo entusiasmo o revisitar dessas propostas. Vinhos com o mínimo de intervenção humana, sem pesticidas e agrotóxicos, a saúde agradece e a qualidade, idem. Mas a boa intervenção humana também melhora o vinho. Então digo que dosar pode ser a proposta mais adequada, valorizando a sinceridade dos vinhos em todas as suas nuances e propostas.

Mas eu, como um bom e velho interessado pelo vinho e suas regiões, castas e propostas, de um modo geral, não desprezo nenhum vinho e tenho buscado, com certo interesse, os vinhos que eu, claro, ainda não degustei e os naturais me interessam também.

Estava eu a navegar pela grande rede e acessei um site importante de vendas de vinhos brasileiros e vi que estavam lançando em seu portfólio novos rótulos que, de imediato, me chamou a atenção de cara pelas safras: 2009! Outro detalhe que vem atiçando o meu interesse: vinhos velhos.

E ao acessar o link li a proposta do produtor e vi que faz manejos sustentáveis e rótulos naturais sem o mínimo de intervenção humana e com preços altamente atrativos e competitivos. A adesão foi instantânea: a compra de dois! Um Cabernet Sauvignon e outro blend, o clássico corte bordalês.

Optei por degustar o Cabernet Sauvignon! Não demorei muito para degustar, pois julguei, pelos seus 13 anos de vida que está mais do que no auge para uma agradável degustação. E lá vamos nós a mais uma degustação que projeto ser especial. A abertura do vinho foi feita, mais uma vez o ritual seguido e o vinho está fantástico! A Serra Gaúcha ainda traz os seus atrativos.

Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio de um distrito conhecido como Fazenda Souza, em Caxias do Sul, na Serra Gaúcha e se chama Vinha Solo, um 100% Cabernet Sauvignon da safra 2009. Antes de entrar na história vale uma curiosidade sobre o rótulo do vinho. Este traz estampado o gavião, uma ave presente em no bioma daquela região e que traz característica da casta Cabernet Sauvignon, que vem do termo francês “sauvage”.

Serra Gaúcha

Situada a nordeste do Rio Grande do Sul, a região da Serra Gaúcha é a grande estrela da vitivinicultura brasileira, destacando-se pelo volume e pela qualidade dos vinhos que produz. Para qualquer enófilo indo ao Rio Grande do Sul, é obrigatório visitar a Serra Gaúcha, especialmente Bento Gonçalves. 

Serra Gaúcha

A região da Serra Gaúcha está situada em latitude próxima das condições geoclimáticas ideais para o melhor desenvolvimento de vinhedos, mas as chuvas costumam ser excessivas exatamente na época que antecede a colheita, período crucial à maturação das uvas. Quando as chuvas são reduzidas, surgem ótimas safras, como nos anos 1999, 2002, 2004, 2005 e 2006.

A partir de 2007, com o aquecimento global, o clima da Serra Gaúcha se transformou, surgindo verões mais quentes e secos, com resultados ótimos para a vinicultura, mas terríveis para a agricultura. Desde 2005 o nível de qualidade dos vinhos tintos vem subindo continuamente, graças a esta mudança e também do salto de tecnologia de vinhedos implantado a partir do ano 2000.

O Vale dos Vinhedos, importante região que fica situada na Serra Gaúcha, junto à cidade de Bento Gonçalves, caracteriza-se pela presença de descendentes de imigrantes italianos, pioneiros da vinicultura brasileira. Nessa região as temperaturas médias criam condições para uma vinicultura fina voltada para a qualidade. A evolução tecnológica das últimas décadas aplicada ao processo vitivinícola possibilitou a conquista de mercados mais exigentes e o reconhecimento dos vinhos do Vale dos Vinhedos. Assim, a evolução da vitivinicultura da região passou a ser a mais importante meta dos produtores do Vale.

O Vale dos Vinhedos é a primeira região vinícola do Brasil a obter Indicação de Procedência de seus produtos, exibindo o Selo de Controle em vinhos e espumantes elaborados pelas vinícolas associadas. Criada em 1995, a partir da união de seis vinícolas, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale), já surgiu com o propósito de alcançar uma Denominação de Origem. No entanto, era necessário seguir os passos da experiência, passando primeiro por uma Indicação de Procedência.

O pedido de reconhecimento geográfico encaminhado ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 1998 foi alcançado somente em 2001. Neste período, foi necessário firmar convênios operacionais para auxiliar no desenvolvimento de atividades que serviram como pré-requisitos para a conquista da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos (I.P.V.V.). O trabalho resultou no levantamento histórico, mapa geográfico e estudo da potencialidade do setor vitivinícola da região. Já existe uma DOC (Denominação de Origem Controlada) na região.

O Vale dos Vinhedos foi a primeira região entregue aos imigrantes italianos, a partir de 1875. Inicialmente desenvolveu-se ali uma agricultura de subsistência e produção de itens de consumo para o Rio Grande do Sul. Devido à tradição da região de origem das famílias imigrantes, o Vêneto, logo se iniciaram plantios de uvas para produção de vinho para consumo local. Até a década de 80 do século XX, os produtores de uvas do Vale dos Vinhedos vendiam sua produção para grandes vinícolas da região. A pouca quantidade de vinho que produziam destinava-se ao consumo familiar.

Esta realidade mudou quando a comercialização de vinho entrou em queda e, consequentemente, o preço da uva desvalorizou. Os viticultores passaram então a utilizar sua produção para fazer seu vinho e comercializá-lo diretamente, tendo assim possibilidade de aumento nos lucros.

Para alcançar este objetivo e atender às exigências legais da Indicação Geográfica, seis vinícolas se associaram, criando, em 1995, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale). Atualmente, a Aprovale conta com 24 vinícolas associadas e 19 associados não produtores de vinho, entre hotéis, pousadas, restaurantes, fabricantes de produtos artesanais, queijarias, entre outros. As vinícolas do Vale dos Vinhedos produziram, em 2004 9,3 milhões de litros de vinhos finos e processaram 14,3 milhões de kg de uvas viníferas.

Fazenda Souza, Caxias do Sul

O primeiro nome dado à localidade onde hoje é Fazenda Souza foi Pouso Alto, utilizado bem antes da chegada de imigrantes o que comprova a exploração do local em data anterior a 1760, época do Brasil Colônia.

Nesta época muitos tropeiros passavam com seus cargueiros pelo local e costumeiramente instalavam-se na pousada de Inácio Souza Corrêa. Este, por sua vez, foi soldado da Guarda de Santo Antônio da Patrulha, conseguindo adquirir terras com suas economias e dedicando-se a criação de mulas. Anos depois, ao mudar-se para Uruguaiana, vendeu a colônia Pouso Alto a Inácio Ribeiro. Na venda das terras, realizada em 1º de setembro de 1790, a Colônia foi batizada de Fazenda Souza, assim chamada até hoje.

Fazenda Souza, Caxias do Sul, Serra Gaúcha

Os primeiros italianos se estabeleceram nestas terras no ano de 1880, vindos da cidade de Feltre, na Itália. Como a região era rica em matas de araucárias, a exploração de madeira expandiu-se, fazendo com que surgissem as primeiras serrarias. Por volta de 1895, como a localidade já estava desmatada, as famílias de imigrantes acabaram desenvolvendo a criação de gado para leite e corte.

Antigamente, assim como Criúva, Fazenda Souza pertencia à cidade de São Francisco de Paula. Hoje, é um distrito de Caxias do Sul e está localizado a 18 km da sede administrativa municipal. Sua principal referência é o Instituto Leonardo Murialdo, conhecido como o Seminário de Fazenda Souza, onde encontram-se os restos mortais do Padre João Schiavo.

Este sacerdote veio da Itália no ano de 1931 e estabeleceu-se no Rio Grande do Sul. Em Caxias do Sul, trabalhou em diversas comunidades como as de Galópolis, Ana Rech e Fazenda Souza. Por meio de seus esforços foram fundados o Instituto Leonardo Murialdo e a Instituição Abrigo de Menores São José.

Sua economia se baseia nos hortifrutigranjeiros, com destaque para as culturas de maçã, pêssego, caqui e ameixa, além da apicultura e piscicultura. Porém vem se descobrindo na vitivinicultura, apesar de ser ainda embrionário, se destacando algumas vinícolas, como a própria Vinha Solo com os seus atuais 47 hectares.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi pouco brilhante e com tons acobreados, atijolados, denunciando os seus 13 anos de garrafa, com lágrimas grossas e lentas e em média intensidade.

No nariz é delicadamente aromático e impressiona que ainda os aromas terciários não estejam presentes, com as notas frutadas ainda sentidas, inclusive, notas de frutas vermelhas maduras, como morango e groselha, além de terra molhada, de folhas secas, de bosque, floresta e especiarias.

Na boca é elegante, redondo, equilibrado, o tempo lhe foi gentil, mas com complexidade, volume, diria, com um bom corpo, as frutas vermelhas maduras se apresentam como no aspecto olfativo corroborando a sua vivacidade e altivez, com curiosos toques de caramelo e chocolate, embora não passe por barricas de carvalho, com taninos aveludados e acidez média. Tem final longo e persistente.

Degustando os vinhos naturais da Vinha Solo, pude constatar, apenas com esse rótulo, o Vinha Solo Cabernet Sauvignon 2009, que com a mínima intervenção tem-se a máxima expressão do terroir, a concepção do vinho como ele é, nas características essenciais da variedade. E todo o conceito do Bioma local é sintetizado, inclusive em seu rótulo, em uma espécie de homenagem à biologia, a vida que, de forma latente, reina absoluta naquela região. Discussões oportunistas à parte em detrimento de segmentações, o resgate do conceito natural do vinho é só mais uma oportunidade para o enófilo degustar a poesia líquida em suas várias encarnações e nuances. Tem 12,5% de teor alcoólico.

Sobre a Vinha Solo:

Dois amigos desejavam produzir vinhos naturais. A ideia amadureceu como um bom vinho. O arquiteto Milton Scola e o empresário Raimundo Demore escolheram uma preciosa área no norte de Caxias do Sul, no distrito de Fazenda Souza.

Ali implantaram 20 hectares de vinhedos com mudas trazidas da Itália aproveitando as peculiares características do solo de transição das encostas e dos campos de cima da Serra Gaúcha.

Então nasceu a Vinha Solo já com a missão de elaborar vinhos de altíssima qualidade com a mínima intervenção humana possível. Assim os vinhos são lapidados em seu estado natural mesclando a excelência dos frutos da vinha com as nuances de uma fermentação espontânea.

Os vinhos da Vinha Solo são a demonstração do terroir onde solo, clima, conhecimento e trabalho no manejo dos vinhedos são traduzidos em cada uma das garrafas.

A localidade de Fazenda Souza tem uma altitude que chega a 890 metros e onde os ventos são generosos. O solo de estrutura argiloarenosa mantém uma vegetação natural rasteira em equilíbrio com um regime de chuvas moderado, permitindo uma prática cultural da vinha com pouca intervenção.

Isso propicia que muitas espécies locais de animais como quero-queros, pardais, andorinhas, curicacas, lagartos entre outros vivam em harmonia formando uma bonita biodiversidade.

Mais informações acesse:

https://www.vinhasolo.com.br/



Referências:








sábado, 13 de agosto de 2022

Casillero del Diablo Reserva Privada Cabernet Sauvignon 2016

 

Existem alguns tabus no universo do vinho! Tabu, confesso, é uma palavra branda diante de um cenário caótico de intolerância e consequentemente de ódio instaurado em nossa combalida sociedade, doente e que respira sob aparelhos.

Temos que aceitar que o prazeroso e aprazível universo do vinho tem as suas questões a serem exorcizadas, tratadas, afinal, somos, enquanto enófilos e pertencentes a esse grupo social, um recorte dessa sociedade que carece de um pouco mais de amor e compreensão.

E essas questões são diversas ou pelo menos todas perpassam pela questão social, comportamental. O vinho como status social, que personifica a condição financeira de alguns, um grupo privilegiado que está em uma constante luta para que a sua “classe” continue purificada, sempre subjugando aqueles que, arduamente, tentam adentrar no mundo do vinho, sendo esses da base da pirâmide social.

E um dos diversos discursos de defesa incansável da raça ariana do vinho é de que vinhos produzidos em larga escala são incipientes em sua qualidade, os famosos vinhos ruins. Para eles vinho bom é aquele de autor, produzido em número limitado.

Claro e evidente que tais vinhos são dignos de reverência, mas por que os de produção de volume não podem ser? Quais os argumentos? Não sou um exímio na parte técnica, mas posso apresentar argumentos práticos, da degustação nossa de cada dia. Falo da Concha Y Toro, a maior vinícola das Américas e talvez uma das maiores do planeta.

A Concha Y Toro não atua em lojas boutiques, em alguns sites especializados, mas o seu ponto de venda mais importante é o simples supermercado! Aos olhos da “plebe”, de pessoas de todas as classes sociais. E não se enganem que a vinícola chilena não tenha os seus, como dizem, vinhos premium. Só para exemplos temos a linha “Marquês de Casa Concha” e a “Don Melchior”.

O que dizer de tais vinhos? Vinhos ruins? Acho que não! Claro que o paladar é particular, mas quem degustou, como eu alguns rótulos do Marquês de Casa Concha, sabe o quão especial tal vinho pode ser.

Como exemplo degustei o Merlot, Cabernet Sauvignon e o Carmènére e vos digo que são fantásticos! Basta ler as resenhas! E dessa vez vou “desencavar” das profundezas da minha simplória adega um vinho especial, que considero especial, pois já degustei em um passado razoavelmente distante, da linha “Reserva Privada”.

Dessa vez é a linha varietal do “Reserva Privada” que antes era um blend, e cuja variedade é especial quando cultivada nos terroirs chilenos, que é a Cabernet Sauvignon. E, mesmo com as “rugas” e dobradiças do rótulo, as expectativas estão altíssimas como sempre.

O vinho que degustei e gostei veio da emblemática região do Maipo Valley, no Chile e se chama Casillero del Diablo Reserva Privada, um 100% Cabernet Sauvignon, da safra 2015. E para não perder o costume, vamos as histórias do Maipo. Mas antes de falar do Maipo vale dizer também que tive o privilégio de degustar um vinho dessa linha, da safra 2008, um Reserva Privada, mas na “versão” blend, com Cabernet Sauvignon (65%) e Syrah (35%) e a sua resenha pode ser lida aqui.

Vale do Maipo

O Vale de Maipo é a única região vinícola do mundo com vinhedos nos limites urbanos de uma capital, Santiago, de 5,5 milhões de habitantes. O vale abriga o maior número de vinícolas do Chile, muitas delas com uma longa tradição vinícola que remonta ao início da produção chilena, e caves do século 19. Os vinhedos se estendem pelo Andes, onde são produzidos os melhores Cabernets, até o planalto central.

O Maipo está localizado no extremo norte do Valle Central, onde a faixa costeira separa a costa do Oceano Pacífico e, no lado oriental a Cordilheira dos Andes se divide, separando a região de Mendoza do Vale do Maipo. As primeiras vinhas cultivadas na região chilena datam de 1540, contudo, foi apenas em 1800 que a cultura vinícola começou a se expandir notoriamente, tornando-se uma referência entre os vinhos sul-americanos.

Maipo Valley

A região pode ser dividida em três sub-regiões, Maipo Bajo, Central Maipo e Alto Maipo. Os vinhedos cultivados em Alto Maipo, ou Maipo Superior, percorrem a borda oriental da Cordilheira dos Andes, se beneficiando de altitudes entre 400 e 760 metros. Nesta altura, os dias são quentes e as noites frias, proporcionando uma lenta maturação das uvas, isto é, uvas com maiores índices de acidez.

Central Maipo, conhecida também como Maipo Médio, é uma sub-região de clima mais quente do que no Alto Maipo, bem como solos com maiores composições de argila, dando origem a vinhos mais refinados e elegantes.

A uva Cabernet Sauvignon continua sendo a variedade mais cultivada na região, apesar de existirem pequenos cultivos da Carmenère, casta beneficiada graças as temperaturas mais quentes, bem como Merlot, Syrah, Cabernet Franc, Malbec, Chardonnay, Sauvignon Blanc e Semillón.

Por fim, a sub-região do Bajo Maipo está situada em torno das cidades de Talagante e Isla de Maipo, onde apesar de existir o cultivo das vinhas, encontra-se com maior facilidade diversas vinícolas.

Alguns produtores estão localizados perto do rio, onde a brisa fresca proporciona microclimas adequados para o cultivo, principalmente, de uvas brancas, além da Cabernet Sauvignon. Valle del Maipo ganhou sua denominação de origem controlada em 1994, decretada pelo governo chileno.

A região vinícola do Valle del Maipo possui 13 denominações: Alhue (DO), Buin (DO), Calera de Tango (DO), Colina (DO), Isla de Maipo (DO), Lampa (DO), Maria Pinto (DO), Melipilla (DO), Pirque (DO), Puente Alto (DO), Santiago (DO), Talagante (DO) e Til Til (DO).

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi intenso, com muita profundidade, mas brilhante, vivo, além de lágrimas finas, em profusão e muito lentas que desenham as bordas do copo.

No nariz entregam delicados, mas evidentes notas de frutas pretas bem maduras, tais como ameixa e groselha negra em total sinergia com as notas amadeiradas, que também estão bem presentes, trazendo complexidade, destacando-se baunilha, cedro, especiarias e terra molhada.

Na boca é extremamente elegante, redondo e fácil de degustar, mas que, ao mesmo tempo, mostra marcante personalidade, pela estrutura, conferida pela casta, a fruta madura protagonizando, como no aspecto olfativo, bem como a madeira, graças aos doze meses em barricas de carvalho, mas em pleno equilíbrio, toques de chocolate meio amargo, caramelo e defumado, com taninos e acidez harmônicos. Final longo e persistente.

Nem tudo que reluz é ouro, não julgar o livro pela capa.... Esses ditos populares, embora caia no senso comum tem um pouco da realidade e podemos sim trazê-las para o universo do vinho! Vinhos de produção de larga escala nem sempre é ruim, bem como os vinhos da “moda” ou aqueles de autor, de pequena produção é o suprassumo do momento. Vinho é vinho e há sim os ruins e bons, dada a percepção de cada um, afinal as descrições sensoriais é particular. Não se deixe levar pelas opiniões de formadores de opinião que, geralmente, estão ali, blindados pela obscuridade da rede social para falar de um produtor “X” ou “Y” para difundir os seus rótulos, divulgar os seus rótulos. Não que isso significa que o referido vinho seja ruim, mas, sim, constata-se um processo perverso de alienação. O Casillero del Diablo Reserva Privada Cabernet Sauvignon é sim especial e expressa o caráter do terroir chileno e a sua imensa capacidade de entregar todos os predicados de uma cepa que definitivamente ganhou a sua importância naquelas terras. Taninos firmes, elegantes, acidez instigante, frutas em sinergia com a madeira. Um vinho maiúsculo. Tem 13,5% de teor alcoólico.

Sobre a Concha Y Toro:

A Viña Concha Y Toro foi fundada no ano de 1833, pelo empresário e político Don Melchor Concha y Toro. Quatro décadas mais tarde, em 1922, a companhia é constituída como uma corporação, ampliando seu estatuto para a produção de vinhos em geral.

Don Melchior

A primeira exportação da vinícola foi realizada em 1933, com as ações da empresa sendo negociadas na Bolsa de Comércio de Santiago. Don Eduardo Guilisasti Tagle assumiu a presidência do Conselho Administrativo da Viña Concha Y Toro em 1957, estabelecendo a base para o projeto de expansão da companhia. 

Em 1966, é lançada a linha Casillero Del Diablo, que se tornaria a gama de mais sucesso da Viña Concha y Toro. O ano de 1987 marca o lançamento da primeira safra do Don Melchor, o primeiro vinho ultra-premium do Chile.

O dia 14 de outubro de 1994 representa um marco para a Viña Concha y Toro, sendo a primeira vinícola do mundo a ter suas ações negociadas na Bolsa de Valores de Nova Iorque. Em 2001 é criada a primeira subsidiária de distribuição da companhia fora do Chile, a Concha Y Toro UK. 

O ano de 2011 traz mais um grande reconhecimento para a vinícola, sendo eleita como a Marca Mais Admirada do Mundo pela Drinks International. Em 2013 a Concha y Toro obtém o Certificado de Sustentabilidade pela organização Wines of Chile. Inaugurando, no ano seguinte, seu Centro de Pesquisa e Inovação.

Outro grande marco para a Viña Concha y Toro é alcançado em 2015, com a companhia sendo reconhecida como a Marca de Vinhos Mais Importante do Mundo, pelos especialistas da Intangible Business.

Mais recentemente, em 2017, Almaviva 2015, um projeto conjunto da Viña Concha y Toro com Baron Philippe de Rothschild S.A., é eleito como Vinho do Ano pelo crítico James Suckling, obtendo a pontuação perfeita, incríveis 100 pontos!

Mais informações acesse:

https://conchaytoro.com/

Referências:

“Vinci”: https://www.vinci.com.br/c/regiao/valle-del-maipo         

“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=MAIPO#:~:text=O%20vale%20abriga%20o%20maior,produzidos%2C%20at%C3%A9%20o%20planalto%20central.

“Turistando Chile”: https://www.turistandochile.com.br/tours_ver/valle-del-maipo

“Viagem e Turismo Chile”: https://viagemeturismo.abril.com.br/cidades/valle-del-maipo/

“Divinho”: https://www.divinho.com.br/blog/maior-vinicola-chile/#:~:text=Hist%C3%B3ria%20da%20Vi%C3%B1a%20Concha%20y,produ%C3%A7%C3%A3o%20de%20vinhos%20em%20geral.


 






sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Casal Mor Reserva tinto 2017

 

Estamos no inverno. Para muitos importadores, atacadistas, donos de supermercados, boutiques de vinho, entre outros, é o “período de degustação de vinhos”, a maior incidência de consumo da nossa poesia líquida, então começa a se manifestar alguns eventos de degustação de vinhos, infelizmente inflacionados nos seus ingressos, bem como algumas promoções de rótulos.

Como se degustássemos vinhos apenas no inverno! Há vinhos para todos os períodos do ano, há propostas de vinhos que “harmonizam” com o inverno, com o verão, com o outono, com a primavera, com tudo. Mas não quero, pelo menos agora, entrar no mérito dessa discussão.

Mas é inegável que os períodos frios as promoções emanam, sobretudo em alguns supermercados que ostentam uma boa adega, apesar de não ter profissionais qualificados para atender a demanda e que se equipara ao seu portfólio de vinhos ofertados.

E com essas promoções surgem também alguns equívocos que podem nos enganar se não tivermos o mínimo de discernimento para entender o tipo de vinho que de fato necessitamos para o momento ou simplesmente aquele rótulo que a gente, no que tange a proposta, a gente se identifica.

Claro que temos de aproveitar e comprar vinho não por demanda, mas sim por oportunidade e bons preços, pelo menos para o tamanho do seu bolso, é preponderante e necessário para enchermos ou diversificarmos a nossa adega, mas primordialmente precisamos saber do que queremos no universo do vinho, o que a gente quer, com qual vinho nos identificamos.

Eu estive em mais uma de minhas incursões nos supermercados em um que, de um tempo para cá, vem ofertando ótimos e interessantes rótulos a preços bem convidativos, em qualquer estação do ano, e encontrei um da região da Bairrada.

Para começar encontrar um rótulo da região portuguesa da Bairrada já não é fácil, comparando com as regiões badaladas do Alentejo, Vinhos Verdes, Porto, entre outros, e a um preço inacreditavelmente baixo, em torno dos R$ 27,90!

Bem por mais que isso te excite, a um primeiro olhar, algumas interrogações surgem na sua cabeça. Será que o vinho é bom? Será que vale a pena pagar tão pouco por ele e ter uma péssima recepção na taça? Hesitei por um longo período em que estive no supermercado. Olhei outros rótulos, fui a outras seções, mas sempre voltava ao ponto de partida com a garrafa em minhas mãos.

Decidi compra-lo, afinal, o valor é, como constatei, baixo, se o vinho não agradasse pelo menos não gastaria tanto, apesar da frustração que sempre tem quando o vinho não corresponde, mas, como comprar vinho é sempre correr riscos, em qualquer situação e circunstâncias, lá vamos nós.

Viajei um pouco na grande rede para buscar referências sobre o vinho, embora isso não garanta alguma coisa, e li alguns comentários muito positivos acerca do rótulo. Mas independente dos comentários e de alguma preocupação, estava animado em degusta-lo. Ele repousou um tempo na adega até que chegou o momento de desarrolhá-lo. Era contagiante a minha animação, mas admito que estava apreensivo também.

O aroma era envolvente, algo floral e frutado dominou o ar, a cor brilhosa e escura mas manifestava algum reflexo violáceo e o paladar...voilá! Acertei! O vinho que degustei e gostei veio da fantástica Bairrada e se chama Casal Mor composta pelas castas Tinta Roriz (50%), Baga (35%) e Touriga Nacional (15%) da safra 2017. Antes de falar do vinho, não quero me antecipar, falemos um pouco da Bairrada e, apesar de ainda não ser tão popular em nossas terras, da sua importância para o cenário vitivinícola de Portugal.

Bairrada

Localizada na região central de Portugal e se estendendo até o Oceano Atlântico, especificamente entre as cidades de Coimbra e Águeda, a região vinícola da Bairrada – cujo nome é uma referência ao solo argiloso que a compõe – tem clima temperado bastante favorável às vinhas.

A Bairrada é uma daquelas regiões portuguesas com grande personalidade. Apesar de sua longa história vínica, a certificação da região é recente. A Denominação de Origem Controlada (DOC Bairrada) para vinhos tintos e brancos é de 1979 e para espumantes de 1991. A Região Demarcada da Bairrada possui também uma Indicação Geográfica: IG Beira Atlântico.

António Augusto de Aguiar estudou os sistemas de produção de vinhos e definiu as fronteiras da região. Em 1867, vinte anos mais tarde, fundou a Escola Prática de Viticultura da Bairrada. Destinada a promover os vinhos da região e melhorar as técnicas de cultivo e produção de vinho.

O primeiro resultado prático da escola foi a criação de vinho espumante em 1890. E foi com os espumantes que a região conquistou o mundo. Frutados, com um toque mineral e boa estrutura esses vinhos tornaram-se referencias e, até hoje, fazem da Bairrada uma das maiores regiões produtoras de espumantes de Portugal. Com o passar do tempo, as criações tintas ganharam espaço.

Muito por conta do que os produtores têm feito com a Baga, casta autóctone da região. O grande responsável pelo fortalecimento internacional da região é o engenheiro Luís Pato. Conhecido como o Mr. Baga, Pato tem um trabalho minucioso sobre as uvas, tudo para conseguir um vinho autêntico com o mínimo de interferência externa. A uva Baga, uma das principais uvas nativas de Portugal, é capaz de oferecer enorme complexidade aos rótulos que compõe.

Demonstrando muita classe e estrutura, a variedade da casta de tintos é única no seu valor e possui um fantástico potencial de envelhecimento, que atua com o vinho na garrafa durante anos após sua fabricação. Além de refinados e inimitáveis, os vinhos produzidos com esta variedade de uva apresentam muita personalidade e distinção. No passado, a Baga era conhecida por ser empregada na produção de vinhos rústicos, excessivamente ácidos e tânicos e de pouca concentração. Porém, após a chegada do genial Luís Pato, conhecido como o “revolucionário da Bairrada” e maior expoente desta variedade, a casta da uva Baga foi “domesticada”.

A localização da DOC Bairrada e suas características de clima e solo fazem dela uma região única. Paralelamente, o plantio das vinhas é feito em lotes descontínuos de pequenas proporções e faz divisa com outras culturas e outros usos de solo. Com isso, seus vinhos são de terroir, ou seja, o local onde a uva é plantada influencia diretamente em suas particularidades. Delimitada a Sul, pelo rio Mondego, a Norte pelo rio Vouga, a Leste pelo oceano Atlântico e a Oeste pelas serras do Buçaco e Caramulo, a região é composta por planalto de baixa altitude.

O solo é predominantemente argilo-calcário, mas há algumas poucas regiões com solos arenosos e de aluvião. O clima é mediterrânico moderado pelo Atlântico. A região recebe forte influência marítima do oceano Atlântico. Os invernos são frescos, longos e chuvosos e os verões são quentes, suavizados pela presença de ventos frequentes nas regiões junto ao mar. A área se beneficia de grande amplitude térmica na época do amadurecimento das uvas. A variação que pode chegar aos 20ºC de diferença entre o dia e a noite.

O Decreto-Lei n.º 70/91 estabeleceu as castas autorizadas e recomendadas para produção de vinhos na DOC Bairrada. A lei descreve as diretrizes para elaboração dos vinhos tintos, rosés, brancos e espumantes. Para a produção de tintos e rosés com o selo DOC Bairrada, as castas recomendadas são Baga (ou Tinta Poeirinha), Castelão, Moreto e Tinta-Pinheira. No conjunto ou separadamente, deverão representar 80% do vinhedo, não podendo a casta Baga representar menos de 50%. As castas autorizadas são Água-Santa, Alfrocheiro, Bastardo, Jaen, Preto-Mortágua e Trincadeira.

Para os vinhos brancos as castas recomendadas são Maria-Gomes (também conhecida como Fernão Pires), Arinto, Bical, Cercial e Rabo-de-Ovelha, no conjunto ou separadamente com um mínimo de 80% do encepamento: e as autorizadas são Cercialinho e Chardonnay. O vinho base para espumantes naturais devem ser elaborados através das castas recomendadas Arinto, Baga, Bical, Cercial, Maria-Gomes e Rabo-de-Ovelha; ou das autorizadas Água-Santa, Alfrocheiro-Preto, Bastardo, Castelão, Cercialinho, Chardonnay, Jean, Moreto, Preto-Mortágua, Tinta-Pinheira e Trincadeira.

Em 2012 foi publicada a Portaria n.º 380/2012, que atualiza a lista de castas permitidas para elaboração dos vinhos DOC Bairrada.  Foi incluída recentemente uma autorização para o cultivo das castas internacionais Cabernet Sauvignon, Syrah, Merlot, Petit Verdot e Pinot Noir e das portuguesas Touriga Nacional, Castelão, Rufete, Camarate, Tinta Barroca, Tinto Cão e Touriga Franca. Vinhos elaborados com castas que não estejam relacionadas no Decreto-Lei, não podem receber o selo de DOC Bairrada e são rotulados com o selo Vinho Regional Beira Atlântico.

E agora finalmente o vinho!

Na taça apresenta um vermelho rubi intenso, púrpura, de cor reluzente e bonita, com lágrimas finas, em profusão e ligeiras.

No nariz traz razoável destaque de frutas vermelhas frescas como framboesa, morango, com discretas notas amadeiradas, devido aos três meses de passagem por barricas de carvalho, além de baunilha e algum toque floral.

Na boca é saboroso, meio seco, é elegante, redondo, alcoólico, que traz certo volume de boca e personalidade, mas não compromete o conjunto, tendo taninos sutis e domados, com acidez equilibrada, notando-se também a fruta vermelhas e a madeira, discretamente, proporcionando a sensação de café. Tem um final com um leve dulçor, típico da Baga e curto.

Com inverno ou sem inverno, com promoção ou sem promoção, o Casal Mor Reserva simplesmente surpreendeu! E estamos acostumados a ouvir e até ver por aí sendo ofertados os poucos vinhos da Bairrada a preços estratosféricos e esse rótulo a um preço 10 vezes menor, em alguns casos, é, repito, simplesmente surpreendente. É um vinho fácil de degustar, equilibrado e redondo, o tempo lhe foi gentil e generoso, afinal já exibe cinco anos de vida, mas não se engane que esteja apenas elegante, mas com personalidade, graças também ao blend que, convenhamos, é avassalador, com Tinta Roriz trazendo a estrutura, a Baga complexidade e a Touriga Nacional as notas frutadas e florais. Surpreendente! Tem 13% de teor alcoólico.

Sobre as Caves Primavera:

As Caves Primavera foram fundadas em 1944 por dois irmãos, Lucénio e Vital de Almeida. A empresa começou como Vinícola Primavera, chamava-se Vinícola precisamente porque não possuía uma cave, e as suas primeiras instalações foram no centro da aldeia de Aguada de Baixo, a sensivelmente 800 metros das instalações atuais.

A história das Caves Primavera só foi possível devido ao esforço, dedicação e trabalho de dois grandes homens, os irmãos Lucénio e Vital de Almeida. Os fundadores iniciaram a sua atividade desde muitos jovens. Lucénio e Vital de Almeida eram homens sérios, confiantes, com enorme dedicação e que faziam uma dupla fortíssima. Sempre motivados pelos seus sonhos, conseguiram fazer com que o nome Primavera estivesse associado a algo mais do que apenas a estação do ano. Foram homens de bem, únicos, humildes, benfeitores da região, que nunca serão esquecidos.

Dois homens, Lucénio e Vital Rodrigues de Almeida foram e serão sempre os principais responsáveis pelo sucesso das Caves Primavera. Foram eles que levantaram voo e iniciaram um novo ciclo no mundo dos vinhos e deram uma nova dimensão à expressão “aí vem a Primavera”.

Primeiramente a atividade centrou-se na produção de vinhos tranquilos (inicialmente até era dedicada à produção de “pirolitos” que era uma bebida não alcoólica, com uma esfera de vidro a servir de tampão). À medida que foi crescendo, passou a diversificar a sua atividade e a necessitar de um espaço maior. Em 1954 foram inauguradas as instalações atuais, e a empresa incorporou a produção e comercialização de espumantes e licores.

A empresa passou então por uma fase de grande crescimento: alargamento da cave e a automatização de processos nos anos 1970, onde a empresa cresceu muito graças ao desenvolvimento das ex-colónias, tendo já uma vertente exportadora que se acentuou a partir de 1975, com a independência dos atuais Palops; modernização da empresa, com anos de grande fulgor comercial e aposta nos produtos engarrafados nos anos 1980; inauguração do centro de vinificação nos anos 1990, onde hoje é produzida a totalidade dos produtos Bairrada e Beiras que é comercializado e onde decorre anualmente a vindima entre Setembro e Outubro de cada ano.

Nos últimos anos foram realizadas pequenas alterações ao layout da empresa, acrescentando inovações em áreas essenciais – laboratório, zona de enchimento, equipamentos para degorgment, obtendo a certificação de qualidade da norma ISO 9001 (primeira certificação em 1999, hoje em dia certificados na norma ISSO 9001:2015), consolidando, com isso, o crescimento nos mercados externos, com destaque para os mercados escandinavos. A exportação representa atualmente cerca de 40% da nossa faturação total.

Mais informações acesse:

https://www.cavesprimavera.pt/

Referências:

Mistral: https://www.mistral.com.br/regiao/bairrada

Reserva85: https://reserva85.com.br/vinho/indicacao-geografica-ig-denominacao-de-origem-do/regioes-demarcadas-de-portugal/bairrada/

 

 

 

 

 








quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Terra do Vinho Cabernet Sauvignon 2017

 

Sempre ouvi que para degustar um rótulo com a conhecida “rainha das uvas tintas”, a Cabernet Sauvignon, tem que ser na “versão” encorpada, amadeirada. Esses são, na visão da maioria, os melhores rótulos com a Cabernet Sauvignon.

Respeito a opinião alheia, afinal, todos têm a sua visão particular, a sua percepção do vinho, onde a opinião pode ser divergente de um mesmo vinho, de uma mesma safra. Isso é salutar, mas tem certas visões, opiniões que vagam por aí, principalmente pelas redes sociais, que assumiram um caráter de tabu.

E tabu definitivamente tem de ser quebrado, a famosa quebra de paradigma que devemos ter no universo, por vezes, conservador e até intolerante do vinho. Há algum tempo atrás ouvi de um formador de opinião que o Malbec, por exemplo, tem de ser encorpado, amadeirado e que esta proposta revela a identidade, o DNA, como ele disse, da cepa na emblemática região argentina de Mendoza.

E citou o vinho que estava expondo (na realidade, além de formador de opinião, ele possui algumas lojas de vinhos em São Paulo, muito conhecidas, inclusive) o tradicional Catena que trazia essa proposta de Malbec mais encorpado.

Aquilo me inquietou e decidi subverter e procurar Malbecs sem passagem por barricas de carvalho e focado mais na fruta, na essência, sem tanta intervenção ou o mínimo possível. Encontrei alguns rótulos e tive uma surpresa positiva acerca da qualidade, da tipicidade deles.

Sim! É possível! Claro que a missão é mais difícil, afinal, o marketing é muito forte, quase inquisitivo para que se deguste um Malbec, um Cabernet Sauvignon amadeirado, encorpado, logo caro. O mercado brasileiro está cheio deles! E isso acabou por firmar uma cultura, diria, equivocado, pois, penso, há outras propostas de vinhos com essas variedades que pode entregar o que a gente espera ou mais!

Então quando estava a pensar em enveredar na aventura, na missão de encontrar alguns Cabernets com uma proposta mais direta, de um vinho jovem, sem passagem por barrica de carvalho, um rótulo chegou a mim, não fui até ele.

E foi, mais uma vez, um carinho presente do amigo Luciano Feliputti, da loja Pemarcano Vinhos, especializada em vinhos da tradicional região paulista de São Roque. Então, com essa generosa cortesia, além da aventura de degustar um Cabernet Sauvignon mais despretensioso, sem madeira e que entregava um toque mais frutado, priorizando a essência da variedade, algumas “estreias” também viria a acontecer.

Será minha primeira experiência de um Cabernet Sauvignon da região de São Roque. Não vou tecer maiores comentários sobre a região em questão, pois felizmente tenho tido algumas experiências com vinhos da região, mesmo que embora recentes, mas especiais. Não há como esconder a alegria de degustar vinhos de pequenos produtores brasileiros, porém de uma região gigante em sua história para a vitivinicultura nacional.

Então sem mais delongas, vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio, como disse, de São Roque e se chama Adega Terra do Vinho, um 100% Cabernet Sauvignon da safra 2017. E como disse que São Roque está mais presente em minha vida enófila, direi que tive o privilégio de já ter degustado um rótulo deste produtor e, claro, gostei muito. Foi o Genuíno Carménère da safra 2017. E, por uma grata coincidência, fora a minha primeira experiência com um Carménère brasileiro o que ainda não é comum em nossas terras. Então antes dos detalhes do vinho sigamos com a história de São Roque, que é uma maravilha à parte.

São Roque: A terra do vinho!

A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de 1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns anos após a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em 1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.

Na região de São Roque, podem-se identificar referências à vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII. Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade, através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e por fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.

Portanto realmente não se podem esperar grandes referências desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.

Outro fator que pode ter influenciado e não ter feito prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de então, que era a descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância econômica para a metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira a uva e o vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos colonizadores.

Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838, quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras. Em março de 1846, seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a passagem de Dom Pedro II, Antônio Joaquim começou a se destacar no cenário político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de cidade no dia 22 de abril de 1864.

Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865, quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do vinho.

Dr. Eusébio Stevaux

Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884, começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.

O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França), curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.

Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:

1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas, plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para consumo próprio.

2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense, ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro (talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na região de São Roque);

3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950: processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e desempenho melhores.

Podemos dividir esta fase primeiramente num período de início do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a massificação da produção entra num processo de decadência.

4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de 1980). São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”, sendo que os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas) fabricam seu vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras partes do Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).

Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.

E agora finalmente o vinho!

Na taça dispõe de um vermelho intenso, escuro, com tonalidades arroxeadas que marcam no bojo do copo, com lágrimas grossas, lentas e em média intensidade.

No nariz traz aromas intensos de frutas vermelhas bem maduras, algo herbáceo e notas de especiarias, aquele típico pimentão, mas sentido de forma discreta.

Na boca é seco, redondo, equilibrado, leve, a fruta madura é percebida, como no aspecto olfativo, conferindo-lhe sabor e ainda alguma jovialidade, graças também a boa acidez, com taninos delicados e domados, além de toques vegetais, de terra molhada. Tem um final cheio e prolongado.

A minha primeira experiência com um varietal da casta Cabernet Sauvignon, da cidade de São Roque, trouxe algo óbvio, pelo menos para mim: Que vinho, na multiplicidade de suas propostas e nuances, não podem ser tipificados por “pior”, ou “melhor,” entre si. Não há como comparar um Catena, com passagem por madeira, com aquele Malbec sem passagem por barrica, não porque o Catena seja infinitamente melhor, mas porque não possuem as mesmas propostas. E assim o é com o Terra do Vinho Cabernet Sauvignon. Não se pode comparar com os chilenos Gran Reserva, por exemplo, que passam por madeira. Terra do Vinho Cabernet Sauvignon entrega aromas de frutas vermelhas, um toque vegetal discreto, notas de especiarias, tudo o que um Cabernet Sauvignon, no ápice de sua essência pode entregar. Tem 12,5% de teor alcoólico.

Sobre a Adega Terra do Vinho:

Em meados de 1966, a família Oliveira Santos decidiu dedicar-se a sua grande paixão: o Mundo do Vinho e abriu a Cantina Vieira Santos.

Empenho, dedicação e amor eram palavras de ordem dos irmãos, especialmente para o Moacyr. A Cantina cresceu, mudou e hoje se chama Adega Terra do Vinho. Como patriarca, certamente o Moacyr não imaginou que seu trabalho chegaria tão longe com o mesmo espírito e garra.

Sr. Moacyr

A paixão pelos vinhos fez nascer a pequena Adega do Moacyr com seus vinhos artesanais. Hoje a adega cresceu, mas continua trazendo, em cada garrafa, a mesma paixão.