Estamos no inverno. Para muitos importadores, atacadistas,
donos de supermercados, boutiques de vinho, entre outros, é o “período de
degustação de vinhos”, a maior incidência de consumo da nossa poesia líquida,
então começa a se manifestar alguns eventos de degustação de vinhos,
infelizmente inflacionados nos seus ingressos, bem como algumas promoções de
rótulos.
Como se degustássemos vinhos apenas no inverno! Há vinhos
para todos os períodos do ano, há propostas de vinhos que “harmonizam” com o
inverno, com o verão, com o outono, com a primavera, com tudo. Mas não quero,
pelo menos agora, entrar no mérito dessa discussão.
Mas é inegável que os períodos frios as promoções emanam,
sobretudo em alguns supermercados que ostentam uma boa adega, apesar de não ter
profissionais qualificados para atender a demanda e que se equipara ao seu
portfólio de vinhos ofertados.
E com essas promoções surgem também alguns equívocos que
podem nos enganar se não tivermos o mínimo de discernimento para entender o
tipo de vinho que de fato necessitamos para o momento ou simplesmente aquele
rótulo que a gente, no que tange a proposta, a gente se identifica.
Claro que temos de aproveitar e comprar vinho não por
demanda, mas sim por oportunidade e bons preços, pelo menos para o tamanho do
seu bolso, é preponderante e necessário para enchermos ou diversificarmos a
nossa adega, mas primordialmente precisamos saber do que queremos no universo
do vinho, o que a gente quer, com qual vinho nos identificamos.
Eu estive em mais uma de minhas incursões nos supermercados
em um que, de um tempo para cá, vem ofertando ótimos e interessantes rótulos a
preços bem convidativos, em qualquer estação do ano, e encontrei um da região
da Bairrada.
Para começar encontrar um rótulo da região portuguesa da Bairrada
já não é fácil, comparando com as regiões badaladas do Alentejo, Vinhos Verdes,
Porto, entre outros, e a um preço inacreditavelmente baixo, em torno dos R$
27,90!
Bem por mais que isso te excite, a um primeiro olhar, algumas
interrogações surgem na sua cabeça. Será que o vinho é bom? Será que vale a
pena pagar tão pouco por ele e ter uma péssima recepção na taça? Hesitei por um
longo período em que estive no supermercado. Olhei outros rótulos, fui a outras
seções, mas sempre voltava ao ponto de partida com a garrafa em minhas mãos.
Decidi compra-lo, afinal, o valor é, como constatei, baixo,
se o vinho não agradasse pelo menos não gastaria tanto, apesar da frustração
que sempre tem quando o vinho não corresponde, mas, como comprar vinho é sempre
correr riscos, em qualquer situação e circunstâncias, lá vamos nós.
Viajei um pouco na grande rede para buscar referências sobre
o vinho, embora isso não garanta alguma coisa, e li alguns comentários muito
positivos acerca do rótulo. Mas independente dos comentários e de alguma
preocupação, estava animado em degusta-lo. Ele repousou um tempo na adega até
que chegou o momento de desarrolhá-lo. Era contagiante a minha animação, mas
admito que estava apreensivo também.
O aroma era envolvente, algo floral e frutado dominou o ar, a
cor brilhosa e escura mas manifestava algum reflexo violáceo e o
paladar...voilá! Acertei! O vinho que degustei e gostei veio da fantástica
Bairrada e se chama Casal Mor composta pelas castas Tinta Roriz (50%), Baga
(35%) e Touriga Nacional (15%) da safra 2017. Antes de falar do vinho, não
quero me antecipar, falemos um pouco da Bairrada e, apesar de ainda não ser tão
popular em nossas terras, da sua importância para o cenário vitivinícola de
Portugal.
Bairrada
Localizada na região central de Portugal e se estendendo até
o Oceano Atlântico, especificamente entre as cidades de Coimbra e Águeda, a
região vinícola da Bairrada – cujo nome é uma referência ao solo argiloso que a
compõe – tem clima temperado bastante favorável às vinhas.
A Bairrada é uma daquelas regiões portuguesas com grande
personalidade. Apesar de sua longa história vínica, a certificação da região é
recente. A Denominação de Origem Controlada (DOC Bairrada) para vinhos tintos e
brancos é de 1979 e para espumantes de 1991. A Região Demarcada da Bairrada
possui também uma Indicação Geográfica: IG Beira Atlântico.
António Augusto de Aguiar estudou os sistemas de produção de
vinhos e definiu as fronteiras da região. Em 1867, vinte anos mais tarde,
fundou a Escola Prática de Viticultura da Bairrada. Destinada a promover os
vinhos da região e melhorar as técnicas de cultivo e produção de vinho.
O primeiro resultado prático da escola foi a criação de vinho
espumante em 1890. E foi com os espumantes que a região conquistou o mundo.
Frutados, com um toque mineral e boa estrutura esses vinhos tornaram-se
referencias e, até hoje, fazem da Bairrada uma das maiores regiões produtoras
de espumantes de Portugal. Com o passar do tempo, as criações tintas ganharam
espaço.
Muito por conta do que os produtores têm feito com a Baga,
casta autóctone da região. O grande responsável pelo fortalecimento
internacional da região é o engenheiro Luís Pato. Conhecido como o Mr. Baga,
Pato tem um trabalho minucioso sobre as uvas, tudo para conseguir um vinho
autêntico com o mínimo de interferência externa. A uva Baga, uma das principais
uvas nativas de Portugal, é capaz de oferecer enorme complexidade aos rótulos
que compõe.
Demonstrando muita classe e estrutura, a variedade da casta
de tintos é única no seu valor e possui um fantástico potencial de
envelhecimento, que atua com o vinho na garrafa durante anos após sua
fabricação. Além de refinados e inimitáveis, os vinhos produzidos com esta
variedade de uva apresentam muita personalidade e distinção. No passado, a Baga
era conhecida por ser empregada na produção de vinhos rústicos, excessivamente
ácidos e tânicos e de pouca concentração. Porém, após a chegada do genial Luís
Pato, conhecido como o “revolucionário da Bairrada” e maior expoente desta
variedade, a casta da uva Baga foi “domesticada”.
A localização da DOC Bairrada e suas características de clima
e solo fazem dela uma região única. Paralelamente, o plantio das vinhas é feito
em lotes descontínuos de pequenas proporções e faz divisa com outras culturas e
outros usos de solo. Com isso, seus vinhos são de terroir, ou seja, o local
onde a uva é plantada influencia diretamente em suas particularidades.
Delimitada a Sul, pelo rio Mondego, a Norte pelo rio Vouga, a Leste pelo oceano
Atlântico e a Oeste pelas serras do Buçaco e Caramulo, a região é composta por
planalto de baixa altitude.
O solo é predominantemente argilo-calcário, mas há algumas
poucas regiões com solos arenosos e de aluvião. O clima é mediterrânico
moderado pelo Atlântico. A região recebe forte influência marítima do oceano
Atlântico. Os invernos são frescos, longos e chuvosos e os verões são quentes,
suavizados pela presença de ventos frequentes nas regiões junto ao mar. A área
se beneficia de grande amplitude térmica na época do amadurecimento das uvas. A
variação que pode chegar aos 20ºC de diferença entre o dia e a noite.
O Decreto-Lei n.º 70/91 estabeleceu as castas autorizadas e
recomendadas para produção de vinhos na DOC Bairrada. A lei descreve as
diretrizes para elaboração dos vinhos tintos, rosés, brancos e espumantes. Para
a produção de tintos e rosés com o selo DOC Bairrada, as castas recomendadas
são Baga (ou Tinta Poeirinha), Castelão, Moreto e Tinta-Pinheira. No conjunto ou
separadamente, deverão representar 80% do vinhedo, não podendo a casta Baga
representar menos de 50%. As castas autorizadas são Água-Santa, Alfrocheiro,
Bastardo, Jaen, Preto-Mortágua e Trincadeira.
Para os vinhos brancos as castas recomendadas são Maria-Gomes
(também conhecida como Fernão Pires), Arinto, Bical, Cercial e Rabo-de-Ovelha,
no conjunto ou separadamente com um mínimo de 80% do encepamento: e as
autorizadas são Cercialinho e Chardonnay. O vinho base para espumantes naturais
devem ser elaborados através das castas recomendadas Arinto, Baga, Bical,
Cercial, Maria-Gomes e Rabo-de-Ovelha; ou das autorizadas Água-Santa,
Alfrocheiro-Preto, Bastardo, Castelão, Cercialinho, Chardonnay, Jean, Moreto,
Preto-Mortágua, Tinta-Pinheira e Trincadeira.
Em 2012 foi publicada a Portaria n.º 380/2012, que atualiza a
lista de castas permitidas para elaboração dos vinhos DOC Bairrada. Foi incluída recentemente uma autorização
para o cultivo das castas internacionais Cabernet Sauvignon, Syrah, Merlot,
Petit Verdot e Pinot Noir e das portuguesas Touriga Nacional, Castelão, Rufete,
Camarate, Tinta Barroca, Tinto Cão e Touriga Franca. Vinhos elaborados com
castas que não estejam relacionadas no Decreto-Lei, não podem receber o selo de
DOC Bairrada e são rotulados com o selo Vinho Regional Beira Atlântico.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um vermelho rubi intenso, púrpura, de cor
reluzente e bonita, com lágrimas finas, em profusão e ligeiras.
No nariz traz razoável destaque de frutas vermelhas frescas
como framboesa, morango, com discretas notas amadeiradas, devido aos três meses
de passagem por barricas de carvalho, além de baunilha e algum toque floral.
Na boca é saboroso, meio seco, é elegante, redondo,
alcoólico, que traz certo volume de boca e personalidade, mas não compromete o
conjunto, tendo taninos sutis e domados, com acidez equilibrada, notando-se
também a fruta vermelhas e a madeira, discretamente, proporcionando a sensação
de café. Tem um final com um leve dulçor, típico da Baga e curto.
Com inverno ou sem inverno, com promoção ou sem promoção, o
Casal Mor Reserva simplesmente surpreendeu! E estamos acostumados a ouvir e até
ver por aí sendo ofertados os poucos vinhos da Bairrada a preços
estratosféricos e esse rótulo a um preço 10 vezes menor, em alguns casos, é,
repito, simplesmente surpreendente. É um vinho fácil de degustar, equilibrado e
redondo, o tempo lhe foi gentil e generoso, afinal já exibe cinco anos de vida,
mas não se engane que esteja apenas elegante, mas com personalidade, graças
também ao blend que, convenhamos, é avassalador, com Tinta Roriz trazendo a
estrutura, a Baga complexidade e a Touriga Nacional as notas frutadas e
florais. Surpreendente! Tem 13% de teor alcoólico.
Sobre as Caves Primavera:
As Caves Primavera foram fundadas em 1944 por dois irmãos,
Lucénio e Vital de Almeida. A empresa começou como Vinícola Primavera,
chamava-se Vinícola precisamente porque não possuía uma cave, e as suas
primeiras instalações foram no centro da aldeia de Aguada de Baixo, a sensivelmente
800 metros das instalações atuais.
A história das Caves Primavera só foi possível devido ao
esforço, dedicação e trabalho de dois grandes homens, os irmãos Lucénio e Vital
de Almeida. Os fundadores iniciaram a sua atividade desde muitos jovens.
Lucénio e Vital de Almeida eram homens sérios, confiantes, com enorme dedicação
e que faziam uma dupla fortíssima. Sempre motivados pelos seus sonhos,
conseguiram fazer com que o nome Primavera estivesse associado a algo mais do
que apenas a estação do ano. Foram homens de bem, únicos, humildes, benfeitores
da região, que nunca serão esquecidos.
Dois homens, Lucénio e Vital Rodrigues de Almeida foram e
serão sempre os principais responsáveis pelo sucesso das Caves Primavera. Foram
eles que levantaram voo e iniciaram um novo ciclo no mundo dos vinhos e deram
uma nova dimensão à expressão “aí vem a Primavera”.
Primeiramente a atividade centrou-se na produção de vinhos
tranquilos (inicialmente até era dedicada à produção de “pirolitos” que era uma
bebida não alcoólica, com uma esfera de vidro a servir de tampão). À medida que
foi crescendo, passou a diversificar a sua atividade e a necessitar de um
espaço maior. Em 1954 foram inauguradas as instalações atuais, e a empresa
incorporou a produção e comercialização de espumantes e licores.
A empresa passou então por uma fase de grande crescimento:
alargamento da cave e a automatização de processos nos anos 1970, onde a
empresa cresceu muito graças ao desenvolvimento das ex-colónias, tendo já uma
vertente exportadora que se acentuou a partir de 1975, com a independência dos
atuais Palops; modernização da empresa, com anos de grande fulgor comercial e
aposta nos produtos engarrafados nos anos 1980; inauguração do centro de
vinificação nos anos 1990, onde hoje é produzida a totalidade dos produtos
Bairrada e Beiras que é comercializado e onde decorre anualmente a vindima
entre Setembro e Outubro de cada ano.
Nos últimos anos foram realizadas pequenas alterações ao
layout da empresa, acrescentando inovações em áreas essenciais – laboratório,
zona de enchimento, equipamentos para degorgment,
obtendo a certificação de qualidade da norma ISO 9001 (primeira certificação em
1999, hoje em dia certificados na norma ISSO 9001:2015), consolidando, com
isso, o crescimento nos mercados externos, com destaque para os mercados
escandinavos. A exportação representa atualmente cerca de 40% da nossa faturação
total.
Mais informações acesse:
https://www.cavesprimavera.pt/
Referências:
Mistral: https://www.mistral.com.br/regiao/bairrada
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