Quem no Brasil nunca começou a degustar vinhos de mesa, as
famosas uvas americanas, atire a primeira pedra! Não considero como demérito ou
qualquer tipo de constrangimento revelar isso a ninguém! Afinal os famosos
vinhos coloniais, como eram chamados e ainda são chamados assim, construíram o
Brasil vitivinícola, faz parte da nossa história e ainda hoje tem uma
satisfatória participação de mercado, sendo um dos mais consumidos.
Não nego e sequer tenho vergonha de dizer que comecei a
degustar vinhos por intermédio das uvas americanas, das uvas de mesa e por elas
trafeguei por um tempo, diria, razoavelmente longo, até migrar para as uvas
chamadas vitis viníferas, as uvas
finas.
Para muitos é digno de baixa qualidade, de vinhos ruins,
quase intragáveis e, confesso, quando migrei para as variedades finas,
compartilhei da mesma opinião e, por um bom tempo, fui taxativo em dizer que
jamais degustaria vinhos de uvas de mesa. De fato, me encontrei nas vitis viníferas, mas, há pouco tempo
atrás o passado parece rondar os meus pensamentos.
Por que digo isso? Em conversa com um bom amigo que construí que mora em São Paulo, o Luciano Feliputti, que tem um belo site de vendas de vinhos finos e de mesa chamado Pemarcano Vinhos, ele me falou o que corroborei navegando em seu site, de alguns vinhos de mesa que estava vendendo e também da sua intenção em trazer mais rótulos para incrementar seu portfólio.
Aquela conversa me trouxe, além de um momento nostálgico de
minha vida enófila, a possibilidade de degustar alguns rótulos dessas castas
que foram importantes para a fundação da produção de vinhos no Brasil. Mas
agora, com o meu espírito mais aventureiro nas pesquisas do universo do vinho,
as suas histórias, venho com um arcabouço teórico mais rebuscado e com um senso
crítico mais definido e menos pré-concebido de tais rótulos.
E dessa conversa o amigo Luciano me perguntara se eu gostava
de vinhos de mesa e disse que fazia tempo que não os degustava, mas que, ao
navegar em seu site, tinha estimulado interesse em revisitar tais vinhos. Mas
com a incessante busca pelo conhecimento e o devido esclarecimento da
relevância histórica de tais vinhos, temos a obrigação de valorizar o produto
nacional, desde que seja bom, claro.
E um produto nacional artesanal, de pequenos produtores que,
teimosamente, continuam a cultivar vinhas e vinhos. O amigo Luciano não hesitou
e decidiu me mandar, carinhosamente, alguns exemplares e foi como se eu
revisitasse o tempo! Aqueles tempos bons de uma vida simples, sem pretensões,
sem nada pomposo, só um prazer embrionário pelo vinho.
E o presente do amigo Luciano não teimou em demorar e logo chegou em minhas mãos e em dose dupla, um da casta branca Lorena, famosa entre os vinhos de uvas americanas e outro que confesso não conhecia: Seibel. Decidi de forma imediata degustar essa variedade tinta.
E esse rótulo veio da cidade interiorana de São Roque, em São
Paulo, tida como uma das principais e mais tradicionais regiões produtoras de
vinhos do Brasil e que abriga uma produção vasta de castas americanas.
Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que
degustei e gostei veio de São Roque, de um artesanal produtor chamado
Sorocamirim, o Vinho Sorocamirim Classic da casta Seibel não safrado. Então para
não perder o costume vamos de histórias! Vamos da história da Siebel e também
de São Roque!
São Roque: A terra do vinho!
A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de 1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns anos após a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em 1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.
Na região de São Roque, podem-se identificar referências à
vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII.
Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade,
através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos
Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes
proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e
o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador
da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao
norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e
por fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade
de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.
Portanto realmente não se podem esperar grandes referências desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.
Outro fator que pode ter influenciado e não ter feito prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de então, que era a descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância econômica para a metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira a uva e o vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos colonizadores.
Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz
foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o
nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi
elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838,
quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de
mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras. Em março de 1846,
seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro
II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a
passagem de Dom Pedro II, Antônio Joaquim começou a se destacar no cenário
político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de
cidade no dia 22 de abril de 1864.
Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro
oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865,
quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em
Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade
no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então
Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do
vinho.
Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que
ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884,
começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas
aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade
já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a
cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.
O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação
do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas
eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras
trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França),
curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e
posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.
Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São
Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:
1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas,
plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para
consumo próprio.
2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense,
ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o
consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização
graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se
utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro
(talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na
região de São Roque);
3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950:
processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com
aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e
desempenho melhores.
Podemos dividir esta fase primeiramente num período de início
do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o
período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas
vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a
massificação da produção entra num processo de decadência.
4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo
de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos
e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram
sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando
ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de
1980). São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”,
sendo que os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas) fabricam
seu vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras partes
do Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).
Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa
situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do
passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.
Siebel
A Seibel é uma uva pouco conhecida, apesar de haver sido
amplamente usada na criação de vinhos no Brasil, mas, que devido à expressão
cada vez maior da produção japonesa, país onde encontrou um terroir que lhe é
propício, está cada vez mais presente nos diálogos acerca do cenário do vinho
no mundo. De fato, países ou regiões de clima frio são o leito perfeito para
acolher a variedade.
Seibel é, na verdade, um termo genérico que designa as
diversas uvas Seibel, casta híbrida criada na França, no fim do século XIX, por
Albert Seibel, um ativo médico e vitivinicultor, a partir de castas europeias e
nativas da América do Norte.
A sua ideia era criar variedades resistentes à Filoxera,
praga que a partir de 1860 praticamente dizimou os vinhedos europeus,
garantindo, assim, a produção de algum vinho nas áreas afetadas. Para tanto,
mais de 15 mil híbridos foram criados, e perto de 500 novas variedades foram estabelecidas.
Na década de 1860, a praga da filoxera reduziu a produção de
vinho na Europa em mais de dois terços. Como a praga se originou no Novo Mundo,
cruzar o estoque americano com variedades europeias de vitis vinifera foi uma das tentativas promissoras de conter o
desastre. As vinhas produzidas por esta hibridação não produziram
necessariamente melhores vinhos, mas produziram cepas de vinha que poderiam
sobreviver melhor aos ataques de Phylloxera.
Seibel e sua empresa produziram mais de 16.000 novos
híbridos, com cerca de 500 variedades que foram cultivadas comercialmente. Ele
costumava usar como pai feminino o híbrido Jaeger 70, um cruzamento entre Vitis lincecumii e Vitis rupestris produzido por Hermann Jaeger. Jaeger foi um
viticultor suíço-americano, homenageado como Cavaleiro da Legião de Honra por
sua parte em salvar a indústria vinícola francesa da praga do piolho da
filoxera.
Assim sendo, a Seibel 2, Seibel 29, Seibel 30, Seibel 99,
Seibel 788, Seibel 793, Seibel 867, Seibel 880, Seibel 1000, Seibel 1020,
Seibel 2007, Seibel 2510, Seibel 2524, Seibel 2653, Seibel 2859, Seibel 4461,
Seibel 4643, Seibel 4646, Seibel 4986, Seibel 5163, Seibel 5279, Seibel 5455,
Seibel 5487, Seibel 5575, Seibel 5656, Seibel 5898, Seibel 6906, Seibel 7053,
Seibel 8357, Seibel 8665, Seibel 8745, Seibel 9110, Seibel 9549, Seibel 10173,
Seibel 10878, Seibel 11803, Seibel 13053, Seibel 14514, Seibel 14596, são
algumas das castas conhecidas globalmente como Seibel. Apesar de algumas terem
nome próprio, como a 5575, também chamada de Rubis, ou a 9110, Verdelet, é a
denominação Seibel que usualmente é mais utilizada, mesmo nas variedades mais
famosas, como a Aurore, Seibel 5279, Chancellor, 7053, Chelois, 10878, e De
Chaunac, 9549.
Apesar de ser cada vez mais rara em seu país de origem,
devido às severas leis francesas que proíbem a produção de vinhos AOC a partir
de espécies híbridas, sendo utilizada apenas para criação de vinhos de mesa,
ficando assim relegada ao papel de coadjuvante, esta casta encontrou refúgio em
países como Japão, Nova Zelândia, Inglaterra e Canadá. Ali é responsável pela
criação de vinhos comerciais, o que explica o grau de importância que vem
adquirindo nestes países.
Devido ao alto grau de tecnologia hoje existente na grande maioria
das vinícolas, os vinhos criados a partir da Seibel, apesar de serem simples,
despretensiosos, são normalmente saborosos e relativamente equilibrados. Como
são gerados grandes volumes destes vinhos, o que implica baixo preço do produto
final, boa parte da população que inicia o consumo da bebida o faz através de
produtos à base de alguma das variedades Seibel, sendo, então, esta a porta da
entrada de muitos no mundo do vinho.
Convém a leitura de um artigo, produzido em 1967, na cidade
paulista de Campinas, com um detalhado estudo sobre o comportamento de videiras
Seibel na região de São Roque, escrito pelo engenheiro agrônomo Wilson Corrêa
Ribas, que pode ser lido aqui.
E agora finalmente o vinho!
Na taça entrega um vermelho rubi intenso e escuro, com tons
arroxeados e caudalosos que marcam o bojo.
No nariz predominam aromas intensos de frutas vermelhas e
pretas como framboesas, morangos e ameixas, frutas compotadas, com uma sensação
de delicado dulçor.
Na boca é seco, mas equilibrado, sendo saboroso e muito leve,
com uma acidez baixa, taninos imperceptíveis e um final cheio, volumoso e
persistente.
A experiência do passado que traz novidades! O frescor do
tempo é evidente aos sentidos! A simplicidade do vinho trouxe nobreza ao
espírito sensorial. Embora eu tenha tido experiências passadas com os vinhos de
mesa, as uvas americanas, a Seibel se tornou uma novidade, mesmo que no auge da
simplicidade que ela proporciona, mas bem saborosos, com boa acidez e bem
despretensiosos. E já que, ao longo deste texto, eu foquei no tempo e nas
nostalgias, percebi que o rótulo composto pela Seibel é ideal para quem está
começando no universo do vinho. Tem 10% de teor alcoólico.
Sobre a Vinícola Sorocamirim:
A Vinícola Sorocamirim foi fundada no dia 27 de julho de
1956, com 58 anos de muitas conquistas e histórias, sendo considerada uma das
vinícolas mais artesanais de toda a região de São Roque.
Seus vinhos são elaborados a partir de uvas selecionadas,
garantindo um excelente sabor. Entre os vinhos mais apreciados estão o
"Monte Carlo" tinto meio Seco, e o tinto seco, armazenados em barris
de carvalho francês e americano.
Entre os clássicos estão a linha dos vinhos
"Sorocamirim", tinto seco, licoroso rosado, e muitos outros. A
vinícola está localizada em uma região serrana, com clima propício para
fabricação de vinhos.
Toda a produção dos vinhos Sorocamirim é feita de maneira
artesanal, com a combinação de processos de fabricação tradicionais.
Mais informações acesse:
https://www.facebook.com/Vinhos-Sorocamirim-742876082473899
Referências:
“Assembleia Legislativa de São Paulo”: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=301135
“Blog do Lullão”: http://www.lullao.com/p/historia-do-vinho-em-sao-roque.html?m=1
“Sites
Google”: https://sites.google.com/site/historiadovinhodesaoroque/home/historia-do-vinho-de-sao-roque
“Leia Mais”: https://leiamaisba.com.br/2012/04/26/a-uva-seibel
“Scielo.br”: https://www.scielo.br/j/brag/a/9bvLTwNpJCghhPrfjwPwrwL/?format=pdf&lang=pt
“Wikipedia”: https://en.wikipedia.org/wiki/Hermann_Jaeger
https://en.wikipedia.org/wiki/Albert_Seibel
https://pt.wikipedia.org/wiki/Seibel