O rótulo é a identificação do vinho! Lembro-me de quando
comecei a me aventurar no universo dos vinhos finos, dos produzidos com uvas vitis viníferas, que os especialistas
disseminavam essa informação e, claro, é mais do válido e correto afirmar e
incutir na mente dos enófilos tais afirmações, sobretudo para aqueles que está
enveredando para o mundo do vinho e precisa de informações para construir,
materializar as suas predileções de propostas de vinhos.
Mas a questão não é apenas aos iniciantes, mas também aos que
tem o que chamamos de “litragem”, de experiência em degustações em vinhos,
afinal precisamos conhecer todos os detalhes ou pelo menos os mais importantes
quando temos acesso a um determinado vinho, a um determinado produtor e se o
mesmo traz tudo o que você, minimamente, espera de um vinho no que tange às
suas propostas.
E o rótulo não traz apenas detalhes técnicos de um vinho,
como teor alcoólico, passagem por barricas de carvalho ou não, casta, mas
também história, estímulo ao consumo da história daquele produtor, da região
etc.
Para os aficionados por história, para aqueles que sentem uma
urgente necessidade de saber a origem do nome do vinho, da casta, do produtor o
rótulo é sim a entrada para ter acesso a tudo isso e mais. E penso que grande parte
dessas informações também são preponderantes para a tomada de decisão de compra
de um vinho e não somente os dados técnicos.
Estou falando tudo isso porque o vinho de hoje traz não
apenas informações técnicas do mesmo, mas também algumas informações sobre as
origens da variedade em questão, pelo menos foi a percepção que tive, a
interpretação que tive ao observá-lo.
E aprecio por demais quando o produtor traz essas informações
visando, estimular o interesse de quem irá degustar o vinho para procurar tais
informações. Mas não são todos que tem tal interesse em buscar as minúcias da
história do vinho, mas apenas degustar o vinho. Esses comportamentos definem, a
meu ver, quem é quem no universo do vinho e os seus interesses acerca dele.
E o vinho vem de São Roque, região que definitivamente
adentrou a minha vida enófila e que espero não saia tão cedo e a casta é a
famosa Merlot. A Merlot que também está mais do que inserida na realidade do
Brasil e digo, sem medo, de que os vinhos produzidos com tal variedade estão
entre os mais admirados do mundo, apesar de estar engatinhando na cultura
vitivinícola.
Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio, como disse, de São Roque, em São Paulo, e se chama Adega Terra do Vinho Merlot e a safra é 2018. O seu rótulo traz um pássaro sobrevoando as vinhas, um pássaro negro. E essa relação com a Merlot é íntima, diria que remonta as suas origens.
Esse será meu primeiro varietal Merlot de São Roque e já digo
que está surpreendendo pela leveza, fruta trazendo algumas das mais marcantes
características da cepa. Tenho tido bons retornos desse produtor,
principalmente quando degustei o Genuíno Carménère 2018 e o Adega Terra do Vinho Cabernet Sauvignon 2017. E já que falei em história vamos trazer as
origens da vitivinicultura de São Roque e um pouco das origens da Merlot
corroborando o rótulo.
São Roque: a terra do vinho!
A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de
1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de
Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de
Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também
conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que
trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns anos após
a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na
mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em
1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do
escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.
Na região de São Roque, podem-se identificar referências à
vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII.
Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade,
através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos
Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes
proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e
o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador
da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao
norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e
pôr fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade
de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.
Portanto realmente não se podem esperar grandes referências
desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que
existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou
seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.
Outro fator que pode ter influenciado e não ter feito
prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de então, que era a
descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São
Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância econômica para a
metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira
a uva e o vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos
colonizadores.
Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz
foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o
nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi
elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838,
quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de
mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras. Em março de 1846,
seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro
II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a
passagem de Dom Pedro II, Antônio Joaquim começou a se destacar no cenário
político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de
cidade no dia 22 de abril de 1864.
Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro
oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865,
quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em
Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade
no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então
Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do
vinho.
Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que
ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884,
começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas
aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade
já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a
cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.
O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação
do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas
eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras
trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França),
curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e
posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.
Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São
Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:
1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas,
plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para
consumo próprio.
2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense,
ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o
consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização
graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se
utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro
(talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na
região de São Roque);
3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950:
processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com
aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e
desempenho melhores.
Pode-se dividir esta fase primeiramente num período de início
do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o
período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas
vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a
massificação da produção entra num processo de decadência.
4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo
de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos
e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram
sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando
ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de
1980). São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”,
sendo que os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas)
fabricam seu vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras
partes do Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).
Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa
situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do
passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.
Merlot
Por um longo período na história dos vinhos, a Merlot ficou
conhecida pejorativamente como a “outra tinta de Bordeaux”, região de sua
origem e cuja estrela principal era a Cabernet Sauvignon. Esse panorama começou
a mudar no final do século XX – atualmente ela é uma das castas de maior
sucesso no mundo, sendo cultivada em diversos países vitivinicultores.
Pesquisas revelam que a Merlot é resultado de um cruzamento
genético entre a Cabernet Franc com a Magdeleine Noire des Charentes, sendo
meia-irmã das não menos famosas Carmenère e da Cabernet Sauvignon. Apesar de
seu prestígio ter se espalhado pelo mundo apenas na década de 1980, a Merlot
tem cultivo documentado há século atrás. A primeira referência à uva que se tem
notícia data de 1784, no seu país de origem: a França. A Merlot também é
conhecida por outros nomes, são eles: Merlau, Sémillon Rouge, Plant Médoc, Picard, Béguey, Alicante e Crabutet Noir.
Reza a lenda que Merlot deriva de Merle, nome dado a um pássaro na França que, assim como a uva,
ostenta uma coloração escura e profunda. No século XIX foi muito cultivada na
região de Médoc, que fica à margem esquerda do rio Gironde. Tem seu nome
mencionado em diversas ocasiões na Itália e Suíça já na virada para o século
XX, mas ganha notoriedade mesmo quando entra no Novo Mundo em 1990, tornando-se
a uva mais popular nos Estados Unidos.
A França continua sendo o maior cultivador desta casta, com
aproximadamente dois terços da sua produção mundial. Bordeaux, com 56% de seus
vinhedos cobertos de Merlot, é a principal produtora; sobretudo na sua margem
direita, onde a uva domina as plantações das regiões de St. Émilion e Pomerol. Em
2004, na França, registrou-se o total de 115 mil hectares de vinhedos
cultivados com a Merlot.
Outros países como Itália (onde a Merlot é a quinta casta
mais plantada), Estados Unidos (na Califórnia, principalmente), Argentina,
Chile, Austrália, Canadá, Brasil e África do Sul cultivam a Merlot de forma
significativa. Denotando seu prestígio, popularidade e fácil adaptação em
diversas partes do globo.
Por estar adaptada a diversos terroirs, a Merlot gera
discussão especialmente no tocante ao seu cultivo, maturação e colheita. Alguns
enólogos acham que esta variedade deve ser colhida o mais tarde possível, pois
assim ela conservará os açucares e a maturação fenólica de forma mais
concertada. Outros, ao contrário, dizem que a uva deve ser colhida jovem, ou
melhor, no seu ponto ideal, para não prejudicar a sua acidez e nem deixar que
seus aromas frutados sejam destacados ao ponto de tornar-se os vinhos desta
casta pesados, sem frescor e elegância.
É uma casta que amadurece rapidamente. Adapta-se muito bem a
climas mais frios e lugares com solos áridos, argilosos e até rochosos. As
características gerais da Merlot são:
·
Cachos
com tamanhos médios;
·
Coloração
azul violácea profunda;
·
Pele
bastante fina;
·
Baixo
nível de tanino e acidez;
·
Grande
concentração de açúcar e álcool;
·
Aromática
e suave.
Quanto aos aromas, destacam-se os de frutas pretas como
ameixa e jabuticaba; os de ervas como alecrim e orégano; e os de especiarias
como canela e noz-moscada. Pode apresentar outros aromas, como caramelo,
baunilha e café, quando seus vinhos estagiam em madeira.
Na boca, normalmente apresenta textura macia e bastante
aveludada. Seus taninos também são macios. Acidez e álcool em níveis equilibrados.
O uso de carvalho pode acrescentar sabor especial à uva, mas também pode
diminuir sua elegância.
A Merlot resulta vinhos de acordo com o lugar onde foi cultivada
e maneira como foi colhida. Quando colhida o mais tarde possível, a intensidade
de cor e a concentração dos aromas frutados são muito maiores; os taninos
maduros combinam com o bom corpo e com sua graduação alcoólica presente. O
estágio em barricas de carvalho francês completa o processo, que é o mais comum
no Novo Mundo.
Quando colhida no seu ponto ideal de maturação, que
geralmente é mais cedo que outras uvas, a Merlot resulta vinhos com corpo médio
e nível de álcool baixo; sua acidez, entretanto, aumenta, assim com como os
aromas de frutas vermelhas maduras – assim são os vinhos franceses da Merlot.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um vermelho rubi fechado, intenso, escuro, mas
que, ao mesmo tempo, reluz, é brilhante, com lágrimas finas e em média
intensidade.
No nariz predominam intensamente os aromas frutados, de
frutas vermelhas maduras, tais como amoras, ameixas e cerejas, além de um
agradável toque floral e terra molhada, notas terrosas.
Na boca é seco, leve, aveludado, equilibrado, com as notas
frutadas protagonizando, como no aspecto olfativo, com taninos moderados,
redondos e domados, com uma acidez média que proporciona frescor, sabor e
leveza acentuados, além de toques herbáceos. Final de persistência média e
retrogosto frutado.
A história, as origens do vinho também podem e devem ser
“degustadas” e que quando se mergulha fundo torna a degustação de fato muito,
muito melhor! Degustamos com prazer, com alegria, pois sabemos que nada é
aleatório, tudo traz um forte e intenso motivo, razão de ser. O Adega Terra do
Vinho Merlot é macio, redondo, os seus 4 anos de garrafa, bem como a sua
proposta desenham a realidade do vinho. Um vinho aveludado e fácil de degustar,
mas que, ao mesmo tempo traz personalidade. Um belo vinho são roquense! Tem 12%
de teor alcoólico.
Sobre a Adega Terra do Vinho:
Em meados de 1966, a família Oliveira Santos decidiu
dedicar-se a sua grande paixão: o Mundo do Vinho e abriu a Cantina Vieira
Santos.
Empenho, dedicação e amor eram palavras de ordem dos irmãos, especialmente
para o Moacyr. A Cantina cresceu, mudou e hoje se chama Adega Terra do Vinho.
Como patriarca, certamente o Moacyr não imaginou que seu trabalho chegaria tão
longe com o mesmo espírito e garra.
A paixão pelos vinhos fez nascer a pequena Adega do Moacyr
com seus vinhos artesanais. Hoje a adega cresceu, mas continua trazendo, em
cada garrafa, a mesma paixão.
Mais informações acesse:
https://www.adegaterradovinho.com.br/index.html
Referências:
“Assembleia Legislativa de São Paulo”: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=301135
“Blog do Lullão”: http://www.lullao.com/p/historia-do-vinho-em-sao-roque.html?m=1
“Sites
Google”: https://sites.google.com/site/historiadovinhodesaoroque/home/historia-do-vinho-de-sao-roque
“Clube dos Vinhos”: https://www.clubedosvinhos.com.br/uva-merlot-quando-a-popularidade-encontrou-a-elegancia/
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