segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Classic Sorocamirim Seibel

 

Quem no Brasil nunca começou a degustar vinhos de mesa, as famosas uvas americanas, atire a primeira pedra! Não considero como demérito ou qualquer tipo de constrangimento revelar isso a ninguém! Afinal os famosos vinhos coloniais, como eram chamados e ainda são chamados assim, construíram o Brasil vitivinícola, faz parte da nossa história e ainda hoje tem uma satisfatória participação de mercado, sendo um dos mais consumidos.

Não nego e sequer tenho vergonha de dizer que comecei a degustar vinhos por intermédio das uvas americanas, das uvas de mesa e por elas trafeguei por um tempo, diria, razoavelmente longo, até migrar para as uvas chamadas vitis viníferas, as uvas finas.

Para muitos é digno de baixa qualidade, de vinhos ruins, quase intragáveis e, confesso, quando migrei para as variedades finas, compartilhei da mesma opinião e, por um bom tempo, fui taxativo em dizer que jamais degustaria vinhos de uvas de mesa. De fato, me encontrei nas vitis viníferas, mas, há pouco tempo atrás o passado parece rondar os meus pensamentos.

Por que digo isso? Em conversa com um bom amigo que construí que mora em São Paulo, o Luciano Feliputti, que tem um belo site de vendas de vinhos finos e de mesa chamado Pemarcano Vinhos, ele me falou o que corroborei navegando em seu site, de alguns vinhos de mesa que estava vendendo e também da sua intenção em trazer mais rótulos para incrementar seu portfólio.

Aquela conversa me trouxe, além de um momento nostálgico de minha vida enófila, a possibilidade de degustar alguns rótulos dessas castas que foram importantes para a fundação da produção de vinhos no Brasil. Mas agora, com o meu espírito mais aventureiro nas pesquisas do universo do vinho, as suas histórias, venho com um arcabouço teórico mais rebuscado e com um senso crítico mais definido e menos pré-concebido de tais rótulos.

E dessa conversa o amigo Luciano me perguntara se eu gostava de vinhos de mesa e disse que fazia tempo que não os degustava, mas que, ao navegar em seu site, tinha estimulado interesse em revisitar tais vinhos. Mas com a incessante busca pelo conhecimento e o devido esclarecimento da relevância histórica de tais vinhos, temos a obrigação de valorizar o produto nacional, desde que seja bom, claro.

E um produto nacional artesanal, de pequenos produtores que, teimosamente, continuam a cultivar vinhas e vinhos. O amigo Luciano não hesitou e decidiu me mandar, carinhosamente, alguns exemplares e foi como se eu revisitasse o tempo! Aqueles tempos bons de uma vida simples, sem pretensões, sem nada pomposo, só um prazer embrionário pelo vinho.

E o presente do amigo Luciano não teimou em demorar e logo chegou em minhas mãos e em dose dupla, um da casta branca Lorena, famosa entre os vinhos de uvas americanas e outro que confesso não conhecia: Seibel. Decidi de forma imediata degustar essa variedade tinta.

E esse rótulo veio da cidade interiorana de São Roque, em São Paulo, tida como uma das principais e mais tradicionais regiões produtoras de vinhos do Brasil e que abriga uma produção vasta de castas americanas.

Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio de São Roque, de um artesanal produtor chamado Sorocamirim, o Vinho Sorocamirim Classic da casta Seibel não safrado. Então para não perder o costume vamos de histórias! Vamos da história da Siebel e também de São Roque!

São Roque: A terra do vinho!

A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de 1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns anos após a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em 1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.

Na região de São Roque, podem-se identificar referências à vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII. Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade, através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e por fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.

Portanto realmente não se podem esperar grandes referências desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.

Outro fator que pode ter influenciado e não ter feito prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de então, que era a descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância econômica para a metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira a uva e o vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos colonizadores.

Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838, quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras. Em março de 1846, seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a passagem de Dom Pedro II, Antônio Joaquim começou a se destacar no cenário político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de cidade no dia 22 de abril de 1864.

Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865, quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do vinho. 

Dr. Eusébio Stevaux

Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884, começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.

O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França), curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.

Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:

1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas, plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para consumo próprio.

2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense, ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro (talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na região de São Roque);

3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950: processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e desempenho melhores.

Podemos dividir esta fase primeiramente num período de início do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a massificação da produção entra num processo de decadência.

4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de 1980). São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”, sendo que os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas) fabricam seu vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras partes do Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).

Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.

Siebel

A Seibel é uma uva pouco conhecida, apesar de haver sido amplamente usada na criação de vinhos no Brasil, mas, que devido à expressão cada vez maior da produção japonesa, país onde encontrou um terroir que lhe é propício, está cada vez mais presente nos diálogos acerca do cenário do vinho no mundo. De fato, países ou regiões de clima frio são o leito perfeito para acolher a variedade.

Seibel é, na verdade, um termo genérico que designa as diversas uvas Seibel, casta híbrida criada na França, no fim do século XIX, por Albert Seibel, um ativo médico e vitivinicultor, a partir de castas europeias e nativas da América do Norte.

Albert Seibel

A sua ideia era criar variedades resistentes à Filoxera, praga que a partir de 1860 praticamente dizimou os vinhedos europeus, garantindo, assim, a produção de algum vinho nas áreas afetadas. Para tanto, mais de 15 mil híbridos foram criados, e perto de 500 novas variedades foram estabelecidas. 

Na década de 1860, a praga da filoxera reduziu a produção de vinho na Europa em mais de dois terços. Como a praga se originou no Novo Mundo, cruzar o estoque americano com variedades europeias de vitis vinifera foi uma das tentativas promissoras de conter o desastre. As vinhas produzidas por esta hibridação não produziram necessariamente melhores vinhos, mas produziram cepas de vinha que poderiam sobreviver melhor aos ataques de Phylloxera.

Seibel e sua empresa produziram mais de 16.000 novos híbridos, com cerca de 500 variedades que foram cultivadas comercialmente. Ele costumava usar como pai feminino o híbrido Jaeger 70, um cruzamento entre Vitis lincecumii e Vitis rupestris produzido por Hermann Jaeger. Jaeger foi um viticultor suíço-americano, homenageado como Cavaleiro da Legião de Honra por sua parte em salvar a indústria vinícola francesa da praga do piolho da filoxera.

Assim sendo, a Seibel 2, Seibel 29, Seibel 30, Seibel 99, Seibel 788, Seibel 793, Seibel 867, Seibel 880, Seibel 1000, Seibel 1020, Seibel 2007, Seibel 2510, Seibel 2524, Seibel 2653, Seibel 2859, Seibel 4461, Seibel 4643, Seibel 4646, Seibel 4986, Seibel 5163, Seibel 5279, Seibel 5455, Seibel 5487, Seibel 5575, Seibel 5656, Seibel 5898, Seibel 6906, Seibel 7053, Seibel 8357, Seibel 8665, Seibel 8745, Seibel 9110, Seibel 9549, Seibel 10173, Seibel 10878, Seibel 11803, Seibel 13053, Seibel 14514, Seibel 14596, são algumas das castas conhecidas globalmente como Seibel. Apesar de algumas terem nome próprio, como a 5575, também chamada de Rubis, ou a 9110, Verdelet, é a denominação Seibel que usualmente é mais utilizada, mesmo nas variedades mais famosas, como a Aurore, Seibel 5279, Chancellor, 7053, Chelois, 10878, e De Chaunac, 9549.

Seibel

Apesar de ser cada vez mais rara em seu país de origem, devido às severas leis francesas que proíbem a produção de vinhos AOC a partir de espécies híbridas, sendo utilizada apenas para criação de vinhos de mesa, ficando assim relegada ao papel de coadjuvante, esta casta encontrou refúgio em países como Japão, Nova Zelândia, Inglaterra e Canadá. Ali é responsável pela criação de vinhos comerciais, o que explica o grau de importância que vem adquirindo nestes países.

Devido ao alto grau de tecnologia hoje existente na grande maioria das vinícolas, os vinhos criados a partir da Seibel, apesar de serem simples, despretensiosos, são normalmente saborosos e relativamente equilibrados. Como são gerados grandes volumes destes vinhos, o que implica baixo preço do produto final, boa parte da população que inicia o consumo da bebida o faz através de produtos à base de alguma das variedades Seibel, sendo, então, esta a porta da entrada de muitos no mundo do vinho.

Convém a leitura de um artigo, produzido em 1967, na cidade paulista de Campinas, com um detalhado estudo sobre o comportamento de videiras Seibel na região de São Roque, escrito pelo engenheiro agrônomo Wilson Corrêa Ribas, que pode ser lido aqui.

E agora finalmente o vinho!

Na taça entrega um vermelho rubi intenso e escuro, com tons arroxeados e caudalosos que marcam o bojo.

No nariz predominam aromas intensos de frutas vermelhas e pretas como framboesas, morangos e ameixas, frutas compotadas, com uma sensação de delicado dulçor.

Na boca é seco, mas equilibrado, sendo saboroso e muito leve, com uma acidez baixa, taninos imperceptíveis e um final cheio, volumoso e persistente.

A experiência do passado que traz novidades! O frescor do tempo é evidente aos sentidos! A simplicidade do vinho trouxe nobreza ao espírito sensorial. Embora eu tenha tido experiências passadas com os vinhos de mesa, as uvas americanas, a Seibel se tornou uma novidade, mesmo que no auge da simplicidade que ela proporciona, mas bem saborosos, com boa acidez e bem despretensiosos. E já que, ao longo deste texto, eu foquei no tempo e nas nostalgias, percebi que o rótulo composto pela Seibel é ideal para quem está começando no universo do vinho. Tem 10% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Sorocamirim:

A Vinícola Sorocamirim foi fundada no dia 27 de julho de 1956, com 58 anos de muitas conquistas e histórias, sendo considerada uma das vinícolas mais artesanais de toda a região de São Roque.

Seus vinhos são elaborados a partir de uvas selecionadas, garantindo um excelente sabor. Entre os vinhos mais apreciados estão o "Monte Carlo" tinto meio Seco, e o tinto seco, armazenados em barris de carvalho francês e americano.

Entre os clássicos estão a linha dos vinhos "Sorocamirim", tinto seco, licoroso rosado, e muitos outros. A vinícola está localizada em uma região serrana, com clima propício para fabricação de vinhos.

Toda a produção dos vinhos Sorocamirim é feita de maneira artesanal, com a combinação de processos de fabricação tradicionais.

Mais informações acesse:

https://www.facebook.com/Vinhos-Sorocamirim-742876082473899

Referências:

“Assembleia Legislativa de São Paulo”: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=301135

“Blog do Lullão”: http://www.lullao.com/p/historia-do-vinho-em-sao-roque.html?m=1

“Sites Google”: https://sites.google.com/site/historiadovinhodesaoroque/home/historia-do-vinho-de-sao-roque

“Leia Mais”: https://leiamaisba.com.br/2012/04/26/a-uva-seibel

“Scielo.br”: https://www.scielo.br/j/brag/a/9bvLTwNpJCghhPrfjwPwrwL/?format=pdf&lang=pt

“Wikipedia”: https://en.wikipedia.org/wiki/Hermann_Jaeger

https://en.wikipedia.org/wiki/Albert_Seibel

https://pt.wikipedia.org/wiki/Seibel

 

 

 

 












sábado, 3 de setembro de 2022

Terra do Vinho Merlot 2018

 

O rótulo é a identificação do vinho! Lembro-me de quando comecei a me aventurar no universo dos vinhos finos, dos produzidos com uvas vitis viníferas, que os especialistas disseminavam essa informação e, claro, é mais do válido e correto afirmar e incutir na mente dos enófilos tais afirmações, sobretudo para aqueles que está enveredando para o mundo do vinho e precisa de informações para construir, materializar as suas predileções de propostas de vinhos.

Mas a questão não é apenas aos iniciantes, mas também aos que tem o que chamamos de “litragem”, de experiência em degustações em vinhos, afinal precisamos conhecer todos os detalhes ou pelo menos os mais importantes quando temos acesso a um determinado vinho, a um determinado produtor e se o mesmo traz tudo o que você, minimamente, espera de um vinho no que tange às suas propostas.

E o rótulo não traz apenas detalhes técnicos de um vinho, como teor alcoólico, passagem por barricas de carvalho ou não, casta, mas também história, estímulo ao consumo da história daquele produtor, da região etc.

Para os aficionados por história, para aqueles que sentem uma urgente necessidade de saber a origem do nome do vinho, da casta, do produtor o rótulo é sim a entrada para ter acesso a tudo isso e mais. E penso que grande parte dessas informações também são preponderantes para a tomada de decisão de compra de um vinho e não somente os dados técnicos.

Estou falando tudo isso porque o vinho de hoje traz não apenas informações técnicas do mesmo, mas também algumas informações sobre as origens da variedade em questão, pelo menos foi a percepção que tive, a interpretação que tive ao observá-lo.

E aprecio por demais quando o produtor traz essas informações visando, estimular o interesse de quem irá degustar o vinho para procurar tais informações. Mas não são todos que tem tal interesse em buscar as minúcias da história do vinho, mas apenas degustar o vinho. Esses comportamentos definem, a meu ver, quem é quem no universo do vinho e os seus interesses acerca dele.

E o vinho vem de São Roque, região que definitivamente adentrou a minha vida enófila e que espero não saia tão cedo e a casta é a famosa Merlot. A Merlot que também está mais do que inserida na realidade do Brasil e digo, sem medo, de que os vinhos produzidos com tal variedade estão entre os mais admirados do mundo, apesar de estar engatinhando na cultura vitivinícola.

Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio, como disse, de São Roque, em São Paulo, e se chama Adega Terra do Vinho Merlot e a safra é 2018. O seu rótulo traz um pássaro sobrevoando as vinhas, um pássaro negro. E essa relação com a Merlot é íntima, diria que remonta as suas origens.

Esse será meu primeiro varietal Merlot de São Roque e já digo que está surpreendendo pela leveza, fruta trazendo algumas das mais marcantes características da cepa. Tenho tido bons retornos desse produtor, principalmente quando degustei o Genuíno Carménère 2018 e o Adega Terra do Vinho Cabernet Sauvignon 2017. E já que falei em história vamos trazer as origens da vitivinicultura de São Roque e um pouco das origens da Merlot corroborando o rótulo. 

São Roque: a terra do vinho!

A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de 1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns anos após a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em 1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.

Na região de São Roque, podem-se identificar referências à vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII. Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade, através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e pôr fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.

Portanto realmente não se podem esperar grandes referências desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.

Outro fator que pode ter influenciado e não ter feito prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de então, que era a descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância econômica para a metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira a uva e o vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos colonizadores.

Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838, quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras. Em março de 1846, seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a passagem de Dom Pedro II, Antônio Joaquim começou a se destacar no cenário político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de cidade no dia 22 de abril de 1864.

Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865, quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do vinho.

Doutor Eusébio Stevaux

Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884, começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.

O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França), curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.

Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:

1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas, plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para consumo próprio.

2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense, ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro (talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na região de São Roque);

3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950: processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e desempenho melhores.

Pode-se dividir esta fase primeiramente num período de início do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a massificação da produção entra num processo de decadência.

4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de 1980). São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”, sendo que os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas) fabricam seu vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras partes do Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).

Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.

Merlot

Por um longo período na história dos vinhos, a Merlot ficou conhecida pejorativamente como a “outra tinta de Bordeaux”, região de sua origem e cuja estrela principal era a Cabernet Sauvignon. Esse panorama começou a mudar no final do século XX – atualmente ela é uma das castas de maior sucesso no mundo, sendo cultivada em diversos países vitivinicultores.

Pesquisas revelam que a Merlot é resultado de um cruzamento genético entre a Cabernet Franc com a Magdeleine Noire des Charentes, sendo meia-irmã das não menos famosas Carmenère e da Cabernet Sauvignon. Apesar de seu prestígio ter se espalhado pelo mundo apenas na década de 1980, a Merlot tem cultivo documentado há século atrás. A primeira referência à uva que se tem notícia data de 1784, no seu país de origem: a França. A Merlot também é conhecida por outros nomes, são eles: Merlau, Sémillon Rouge, Plant Médoc,  Picard, Béguey, Alicante e Crabutet Noir.

Reza a lenda que Merlot deriva de Merle, nome dado a um pássaro na França que, assim como a uva, ostenta uma coloração escura e profunda. No século XIX foi muito cultivada na região de Médoc, que fica à margem esquerda do rio Gironde. Tem seu nome mencionado em diversas ocasiões na Itália e Suíça já na virada para o século XX, mas ganha notoriedade mesmo quando entra no Novo Mundo em 1990, tornando-se a uva mais popular nos Estados Unidos.

Melre (Melro)

A França continua sendo o maior cultivador desta casta, com aproximadamente dois terços da sua produção mundial. Bordeaux, com 56% de seus vinhedos cobertos de Merlot, é a principal produtora; sobretudo na sua margem direita, onde a uva domina as plantações das regiões de St. Émilion e Pomerol. Em 2004, na França, registrou-se o total de 115 mil hectares de vinhedos cultivados com a Merlot.

Outros países como Itália (onde a Merlot é a quinta casta mais plantada), Estados Unidos (na Califórnia, principalmente), Argentina, Chile, Austrália, Canadá, Brasil e África do Sul cultivam a Merlot de forma significativa. Denotando seu prestígio, popularidade e fácil adaptação em diversas partes do globo.

Por estar adaptada a diversos terroirs, a Merlot gera discussão especialmente no tocante ao seu cultivo, maturação e colheita. Alguns enólogos acham que esta variedade deve ser colhida o mais tarde possível, pois assim ela conservará os açucares e a maturação fenólica de forma mais concertada. Outros, ao contrário, dizem que a uva deve ser colhida jovem, ou melhor, no seu ponto ideal, para não prejudicar a sua acidez e nem deixar que seus aromas frutados sejam destacados ao ponto de tornar-se os vinhos desta casta pesados, sem frescor e elegância.

É uma casta que amadurece rapidamente. Adapta-se muito bem a climas mais frios e lugares com solos áridos, argilosos e até rochosos. As características gerais da Merlot são:

·         Cachos com tamanhos médios;

·         Coloração azul violácea profunda;

·         Pele bastante fina;

·         Baixo nível de tanino e acidez;

·         Grande concentração de açúcar e álcool;

·         Aromática e suave.

Quanto aos aromas, destacam-se os de frutas pretas como ameixa e jabuticaba; os de ervas como alecrim e orégano; e os de especiarias como canela e noz-moscada. Pode apresentar outros aromas, como caramelo, baunilha e café, quando seus vinhos estagiam em madeira.

Na boca, normalmente apresenta textura macia e bastante aveludada. Seus taninos também são macios. Acidez e álcool em níveis equilibrados. O uso de carvalho pode acrescentar sabor especial à uva, mas também pode diminuir sua elegância.

A Merlot resulta vinhos de acordo com o lugar onde foi cultivada e maneira como foi colhida. Quando colhida o mais tarde possível, a intensidade de cor e a concentração dos aromas frutados são muito maiores; os taninos maduros combinam com o bom corpo e com sua graduação alcoólica presente. O estágio em barricas de carvalho francês completa o processo, que é o mais comum no Novo Mundo.

Quando colhida no seu ponto ideal de maturação, que geralmente é mais cedo que outras uvas, a Merlot resulta vinhos com corpo médio e nível de álcool baixo; sua acidez, entretanto, aumenta, assim com como os aromas de frutas vermelhas maduras – assim são os vinhos franceses da Merlot.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi fechado, intenso, escuro, mas que, ao mesmo tempo, reluz, é brilhante, com lágrimas finas e em média intensidade.

No nariz predominam intensamente os aromas frutados, de frutas vermelhas maduras, tais como amoras, ameixas e cerejas, além de um agradável toque floral e terra molhada, notas terrosas.

Na boca é seco, leve, aveludado, equilibrado, com as notas frutadas protagonizando, como no aspecto olfativo, com taninos moderados, redondos e domados, com uma acidez média que proporciona frescor, sabor e leveza acentuados, além de toques herbáceos. Final de persistência média e retrogosto frutado.

A história, as origens do vinho também podem e devem ser “degustadas” e que quando se mergulha fundo torna a degustação de fato muito, muito melhor! Degustamos com prazer, com alegria, pois sabemos que nada é aleatório, tudo traz um forte e intenso motivo, razão de ser. O Adega Terra do Vinho Merlot é macio, redondo, os seus 4 anos de garrafa, bem como a sua proposta desenham a realidade do vinho. Um vinho aveludado e fácil de degustar, mas que, ao mesmo tempo traz personalidade. Um belo vinho são roquense! Tem 12% de teor alcoólico.

Sobre a Adega Terra do Vinho:

Em meados de 1966, a família Oliveira Santos decidiu dedicar-se a sua grande paixão: o Mundo do Vinho e abriu a Cantina Vieira Santos.

Empenho, dedicação e amor eram palavras de ordem dos irmãos, especialmente para o Moacyr. A Cantina cresceu, mudou e hoje se chama Adega Terra do Vinho. Como patriarca, certamente o Moacyr não imaginou que seu trabalho chegaria tão longe com o mesmo espírito e garra.

A paixão pelos vinhos fez nascer a pequena Adega do Moacyr com seus vinhos artesanais. Hoje a adega cresceu, mas continua trazendo, em cada garrafa, a mesma paixão.

Mais informações acesse:

https://www.adegaterradovinho.com.br/index.html

Referências:

“Assembleia Legislativa de São Paulo”: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=301135

“Blog do Lullão”: http://www.lullao.com/p/historia-do-vinho-em-sao-roque.html?m=1

“Sites Google”: https://sites.google.com/site/historiadovinhodesaoroque/home/historia-do-vinho-de-sao-roque

“Clube dos Vinhos”: https://www.clubedosvinhos.com.br/uva-merlot-quando-a-popularidade-encontrou-a-elegancia/

 

 

 








sábado, 27 de agosto de 2022

Vinha Longa Reserva 2016

 

Posso ser redundante, mas não sou omisso! Tenho um orgulho monumental em dizer que a minha porta de entrada para os vinhos lusitanos foi o bom e velho Alentejo! Para mim os rótulos alentejanos são os melhores até hoje, independentemente de suas propostas e nuances.

E já tem algum tempo, mas a chama nunca se apagou, muito pelo contrário, continua acessa e forte em meu coração e sempre inundando a minha taça de um magnífico prazer sensorial e, claro, de história.

Graças ao Alentejo pude explorar e venho explorando todas as regiões vinícolas de Portugal que, tão pequeno, geograficamente falando, mostra-se tão grande em seus terroirs tão particulares uns dos outros.

E falando em particularidade o Alentejo me cativou e cativa tanto pelo fato da personalidade de seus rótulos! Uma região quente, no clima, que entrega vinhos estruturados, volumosos, de caráter. Quer um vinho cheio de vida? Encorpado? Vá de Alentejo!

Lembro-me, com nostalgia, que um momento importante para mim foi ter participado de um evento, no Rio de Janeiro, dedicado aos vinhos Alentejanos, o “Vinhos do Alentejo”, em 2018, cuja resenha pode ser lida aqui. Foi um momento singular, ter degustado rótulos dos principais produtores, das principais microrregiões, com particulares muito peculiares, mostrando que a região ainda continua viva na produção de vinhos tradicionais, mas com arrojo contemporâneo.

E o contemporâneo, o tradicional, se mescla com o apelo regionalista que é respeitado sublimemente, mas que atinge, dado o seu caráter e tipicidade conquistado pelo regionalismo, um status global, exportando o nome de Portugal para o mundo.

E a garrafeira, como a adega é chamada em Portugal, com isso, está sempre bem representada pelo Alentejo e chegou a hora de degustar em especial que, intencionalmente deixei por algum tempo nela para degustar em seu ápice e provar também, para mim mesmo, da capacidade de longevidade que determinados rótulos dessa região pode alcançar e com qualidade. 

E o rótulo de hoje é de um produtor que, por aqui em terras brasileiras, não me parece ser conhecido chamado Ferreira Malaquias e que inclusive degustei uns rótulos, mas da região do Dão, chamado Cova do Frade da emblemática casta portuguesa Touriga Nacional, na versão básica e reserva. Ótimos e surpreendentes vinhos com uma ótima relação preço X qualidade.

O alentejano de hoje também tem uma ótima relação preço X qualidade e, quando foi finalmente desarrolhado mostrou-se vivo, pleno, elegante e de personalidade, como tem de ser quando é oriundo da região. O vinho que degustei e gostei chama-se Vinha Longa Reserva, composto pelo blend Aragonez (60%), Touriga Nacional (20%) e Touriga Franca (10%) da safra 2016. Seis anos de um vinho que tinha muito pela frente! Convém lembrar que, antes de reforçar a minha predileção pelo Alentejo, transcrevendo a sua história, já havia degustado a “versão” 2015 do Vinha Longa Reserva e, claro, a experiência foi ótima!


Alentejo

Situado na zona sul de Portugal, o Alentejo é uma região essencialmente plana, com alguns acidentes de relevo, não muito elevados, mas que o influenciam de forma marcante. Embora seja caracterizada por condições climáticas mediterrânicas, apresenta nessas elevações, microclimas que proporcionam condições ideais ao plantio da vinha e que conferem qualidade às massas vínicas. As temperaturas médias do ano variam de 15º a 17,5º, observando-se igualmente a existência de grandes amplitudes térmicas e a ocorrência de verões extremamente quentes e secos.

Alentejo

Mas, graças aos raios do sol, a maturação das uvas, principalmente nos meses que antecedem a vindima, sofre um acúmulo perfeito dos açúcares e materiais corantes na película dos bagos, resultando em vinhos equilibrados e com boa estrutura. Os solos caracterizam-se pela sua diversidade, variando entre os graníticos de "Portalegre", os derivados de calcários cristalinos de "Borba", os mediterrânicos pardos e vermelhos de "Évora", "Granja/Amarelega", "Moura", "Redondo", "Reguengos" e "Vidigueira". Todas estas constituem as 8 sub-regiões da DOC "Alentejo".

História (Passado, presente e futuro)

A história do vinho e da vinha no território que é hoje o Alentejo exige uma narrativa longa, com uma presença continuada no tempo e no espaço, uma gesta ininterrupta e profícua que poucos associam ao Alentejo. Uma história que decorreu imersa em enredos tumultuosos, dividida entre períodos de bonança e prosperidade, entrecortados por épocas de cataclismos e atribulações, numa flutuação permanente de vontades, com longos períodos de trevas seguidos por breves ciclos iluministas e vanguardistas.

É uma história faustosa e duradoura, como o comprovam os indícios arqueológicos presentes por todo o Alentejo, testemunhas silenciosas de um passado já distante, evidências materiais da presença ininterrupta da cultura do vinho e da vinha na paisagem tranquila alentejana. Infelizmente, por ora ainda não foi possível determinar com acuidade histórica quando e quem introduziu a cultura da videira no Alentejo.

Mas ainda assim pode-se afirmar que a história do Alentejo anda de mãos dadas com a história de Portugal e da Península Ibérica, ex-hispânicos, assim como, pertencentes a época de civilizações romana, árabe e cristãs. Em muitos lugares no Alentejo encontrar provas da civilização fenícia existente há 3.000 anos atrás.

Fenícios, celtas, romanos, todos eles deixaram um importante legado da era antes de Cristo, na região que é hoje o Alentejo. Uma terra onde a cultura e tradição caminham lado a lado. Os romanos deixaram nesta região o legado mais importante, escritos, mosaicos, cidades em ruínas, monumentos, tudo deixado pelos romanos, mas não devemos esquecer as civilizações mais antigas que passaram pela zona deixando legados como os monumentos megalíticos, como Antas.


Após os romanos e os visigodos, os árabes, chegaram a esta terra com o cheiro a jasmim, antes da reconquista, que chegaram com a construção de inúmeros castelos, alguns deles construídos sobre mesquitas muçulmanas e a construção de muralhas para proteger a cidade e as cidades que foram crescendo. Desde essa altura até hoje, o Alentejo tem continuado o seu crescimento, um crescimento baseado na agricultura, pecuária, pesca, indústria, como a cortiça e desde o último século até aos nossos dias, com o turismo com uma ampla oferta de turismo rural.


Os gregos, cuja presença é denunciada pelas centenas de ânforas catalogadas nos achados arqueológicos do sul de Portugal, sucederam aos fenícios no comércio e exploração dos vinhos do Alentejo. Por esta época, a cultura da vinha no Alentejo, apesar de incipiente, contava já com quase dois séculos de história. A persistência de uma cultura da vinha e do vinho, desde os tempos da antiguidade clássica, permite presumir, com elevado grau de convicção, que as primeiras variedades introduzidas no território nacional terão arribado a Portugal pelo Alentejo, a partir das variedades mediterrânicas.

É mesmo provável, se atendermos os registros históricos existentes, que a produção alentejana tenha proporcionado a primeira exportação de vinhos portugueses para Roma, a primeira aventura de internacionalização de vinhos portugueses! A influência romana foi tão peremptória para o desenvolvimento da viticultura alentejana que ainda hoje, dois mil anos após a anexação do território, as marcas da civilização romana continuam a estar patentes nas tarefas do dia-a-dia, visíveis através da utilização de ferramentas do quotidiano, como o Podão, instrumento utilizado intensivamente até há poucos anos. Mas foi no aproveitamento das talhas de barro, prática que os romanos divulgaram e vulgarizaram no Alentejo, que a influência romana deixou as suas marcas mais profundas e até hoje é difundida, dada a devida proporção, por alguns abnegados produtores, e claro, a sua população.

Com a emergência do cristianismo, credo disseminado quase instantaneamente por todo o império romano, e face à obrigatoriedade da presença do vinho na celebração eucarística da nova religião, abriram-se novos mercados e novas apetências para o vinho. A fé católica, ainda que indiretamente, afirmou-se como um fator de desenvolvimento e afirmação da vinha no Alentejo, estimulando o cultivo da videira na região.

Com tantas influências culturais o Alentejo sofreu com algumas crises e a primeira se deu exatamente entre os cristãos e muçulmanos. Embora os mulçumanos tenham se mostrando tolerante com os costumes dos povos conquistados, consentindo na manutenção da cultura da vinha e do vinho, sujeitando-a a duros impostos, mas autorizando a sua subsistência, logo nasceu uma intolerância crescente para com os cristãos e os seus hábitos, manifesta no cumprimento rigoroso e vigoroso das leis do Corão.

Inevitavelmente, a cultura do vinho foi sendo progressivamente negada e a vinha gradualmente abandonada, reprimida pelas autoridades zelosas das regiões ocupadas. Com a invasão muçulmana a vinha sofreu o primeiro revés sério no Alentejo. A longa reconquista cristã da península ibérica, riscada de Norte para Sul, geradora de incertezas e inseguranças, com escaramuças permanentes entre cristãos e muçulmanos, sem definição de fronteiras estáveis, maltratou ainda mais a cultura da vinha, uma espécie agrícola perene que, por forçar à fixação das populações, foi sendo progressivamente abandonada.

Foi só após a fundação do reino lusitano, concorrendo através do poder real e das novas ordens religiosas, que a cultura do vinho regressou com determinação ao Alentejo. Poucos séculos mais tarde, já em pleno século XVI, a vinha florescia como nunca no Alentejo, dando corpo aos ilustres e aclamados vinhos de Évora, aos vinhos de Peramanca, bem como aos brancos de Beja e aos palhetes do Alvito, Viana e Vila de Frades.

Em meados do século XVII, eram os vinhos do Alentejo, a par da Beira e da Estremadura, que gozavam de maior fama e prestígio em Portugal. Desventuradamente, foi sol de pouca dura! A crise provocada pela guerra da independência, logo secundada por nova crise despertada pela criação da Real Companhia Geral de Agricultura dos Vinhos do Douro, instituída pelo Marquês de Pombal como justificação para a defesa dos vinhos do Douro em detrimento das restantes regiões, com arranques coercivos de vinhas em muitas regiões, deu matéria para a segunda grande crise do vinho alentejano, mergulhando as vinhas alentejanas no obscurantismo.

A crise foi prolongada. Foi preciso esperar até meados do século XIX para assistir à recuperação da vinha no Alentejo, com a campanha de desbravamento da charneca e a fixação à terra de novas gerações de agricultores. Nasceu então mais uma época dourada para os vinhos do Alentejo, período que infelizmente viria a revelar ser de curta duração. O entusiasmo despertou quando se soube que um vinho branco da Vidigueira, da Quinta das Relíquias, apresentado pelo Conde da Ribeira Brava, ganhou a grande medalha de honra na Exposição de Berlim de 1888, a maior distinção do certame, tendo sido igualmente apreciados e valorizados vinhos de Évora, Borba, Redondo e Reguengos.

Pouco anos mais tarde, decorria o ano de 1895, edificou-se a primeira Adega Social de Portugal, em Viana do Alentejo, pelas mãos avisadas de António Isidoro de Sousa, pioneiro do movimento associativo em Portugal. Desafortunadamente, este período de glória viria a terminar abruptamente. Duas décadas passadas, já na primeira metade do século XX, sobreveio um conjunto de acontecimentos políticos, sociais e econômicos que contribuíram decidida e decisivamente para a degradação da viticultura alentejana.

Antônio Isidoro de Sousa

Ao embate da filoxera, somou-se a primeira das duas grandes guerras mundiais, as crises econômicas sucessivas, e, sobretudo, a campanha cerealífera do estado novo que suspendeu e reprimiu a vinha no Alentejo, apadrinhando a cultura de trigo na região que viria a apelidar como "celeiro de Portugal". A vinha foi sendo sucessivamente desterrada para as bordaduras dos campos, para os terrenos marginais em redor de montes, aldeias e vilas, para as pequenas courelas em redor das povoações, reduzindo o vinho à condição de produção doméstica para autoconsumo. Em poucos anos o vinho no Alentejo, salvo raras exceções, desapareceu enquanto empreendimento empresarial.

Foi sob o patrocínio solene da Junta Nacional do Vinho, já no final da década de 1940, que a viticultura alentejana ganhou a primeira oportunidade de recobro, ainda que de forma titubeante.

O movimento associativo foi preponderante para o ressurgimento da atividade vitícola no Alentejo. Em 1970, sob os auspícios da Comissão de Planeamento da Região Sul, foi anunciado o estudo "Potencialidades das sub-regiões alentejanas", coadjuvado dois anos mais tarde pelo estudo "Caracterização dos vinhos das cooperativas do Alentejo. Contribuição para o seu estudo", do professor Francisco Colaço do Rosário, ensaios acadêmicos determinantes para o reconhecimento regional e nacional do potencial do Alentejo. Associando várias instituições ligadas ao setor e tirando proveito das sinergias criadas, o Alentejo conseguiu estabelecer um espírito de cooperação e entreajuda entre os diversos agentes.

Com a criação do PROVA (Projeto de Viticultura do Alentejo), em 1977, foram criadas as condições técnicas para a implementação de um estatuto de qualidade no Alentejo, enquanto a ATEVA (Associação Técnica dos Viticultores do Alentejo), fundada em 1983, foi arquitetada para promover a cultura da vinha nos diferentes terroirs do Alentejo.

Em 1988 regulamentaram-se as primeiras denominações de origem alentejanas, fundamento para o estabelecimento, em 1989, da CVRA (Comissão Vitivinícola Regional Alentejana), garante da certificação e regulamentação dos vinhos do Alentejo.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi intenso, escuro, quase profundo, exibindo discretos tons violáceos, sendo caudaloso, manchando as bordas do copo e com lágrimas finas, lentas e abundantes.

No nariz se mostra intenso para as frutas vermelhas bem maduras, como ameixas, cerejas, com as notas amadeiradas também predominando, graças aos 12 meses em barricas de carvalho, impondo um tostado médio, com nuances especiadas, além de tabaco, couro, estrebaria, terra molhada e baunilha.

Na boca é seco, estruturado, com alguma robustez mesmo com seus 6 anos de safra, volumoso, cheio, untuoso, alcoólico, mas saboroso, elegante e equilibrado, pois entrega uma sinergia maravilhosa entre as frutas vermelhas maduras e a madeira, conferindo este último toques de caramelo, defumado, chocolate. Taninos marcados e presentes, com acidez correta e um final persistente e frutado.

Tão complexa e envolvente como a história do Alentejo, que se confunde com a história rica do Portugal vitivinícola, é igualmente complexo e especial o Vinha Longa Reserva! Um vinho que expressa, em seu caráter e tipicidade, a história do Alentejo. Vivo e pleno entrega frutas vermelhas maduras e o aporte da madeira traz a tal complexidade de que esperamos de um alentejano com notas defumadas, de tosta média, caramelo, chocolate e aquele toque terroso extremamente envolvente. Que venham mais e mais rótulos do Alentejo para que se mantenha viva em nossas taças. Tem 14,5% de teor alcoólico.

Ah e aqui cabe um pouquinho de curiosidade sobre o nome do vinho, “Vinha Longa”: O nome da gama de vinhos da Ferreira Malaquias, Vinha Longa, é inspirado nas grandes expansões típicas do Alentejo. Carrega Alentejo até no nome!

Sobre a Vinícola Ferreira Malaquias:

A Ferreira Malaquias, foi fundada em 1896, é uma empresa familiar, e está presente no negócio do vinho a quatro gerações, e sempre soube ao longo da sua história renovar o seu compromisso e dedicação, através de uma visão de longo prazo.

Fundada por José Ferreira Malaquias em 1896, já no final do século XIX se afirmava como um comerciante e exportador de vinhos de sucesso, com a sua atividade de comercialização de vinhos de lote da região do Dão.

Num passado recente a Ferreira Malaquias, cumpriu um vasto plano de investimento, com a visão de apresentar ao mercado, nacional e exportação, vinhos de qualidade e caráter, com diferentes estilos e absoluto respeito pelo “terroir” de origem.

Hoje têm no seu portfólio, as mais reconhecidas regiões vitivinícolas de Portugal - Vinhos Verdes (Minho), Douro, Alentejo e Tejo, e continuando a sua histórica ligação, que vem desde a sua fundação, aos vinhos da região do Dão.

O ano de 2013, fica marcado pelo reforço de investimento na enologia, com a entrada de um prestigiado grupo de enólogos, que veio revolucionar com conhecimento, detalhe e tecnologia, todos os vinhos da Ferreira Malaquias, expressão maior de toda a arte de construir os melhores blends e revelar a personalidade de cada região.

Acrescentar diferencial na qualidade em todas as suas marcas, tem sido confirmado, de forma sistemática, pelo reconhecimento do mercado interno e exportação, e atribuição de múltiplos prémios a nível internacional.

Mais informações acesse:

https://ferreiramalaquias.pt/

Referências:

“Clube dos Vinhos Portugueses”: https://www.clubevinhosportugueses.pt/turismo/roteiros/vinhos-da-sub-regiao-da-vidigueira-denominacao-de-origem-alentejo/

“Rota dos Vinhos de Portugal”: http://rotadosvinhosdeportugal.pt/enoturismo/alentejo-2/borba/

“Vinhos do Alentejo”: https://www.vinhosdoalentejo.pt/pt/vinhos/historia-dos-vinhos/

“Visita Alentejo”: https://www.visitalentejo.pt/pt/o-alentejo/cultura/historia/