Os períodos de festas de fim de ano vêm chegando. As pessoas
decidem ficarem legais e boazinhas talvez “contaminadas” pelo natal e ano novo,
o cidadão fica meio maleável às coisas da vida. Eu nunca me importei com essas
festas de fim de ano, não tem nenhuma relevância no que tange as quaisquer
mensagens edificadoras, apenas um viés mercadológico, de consumo exacerbado e nada
mais.
Não vou entrar na complexidade da questão, contudo não posso
negligenciar que as iguarias gastronômicas são excelentes! Come-se
maravilhosamente e demasiadamente nesses dias e para nós, enófilos de plantão,
torna-se um desafio harmonizar um rótulo com essa grande demanda de pratos, com
a diversidade de sabores e aromas.
E para quem não é um especialista em harmonizações como eu,
ao longo desses anos, tem sido complicado escolher um vinho, uma casta, uma
região, que seja, que pudesse ser uma espécie de “coringa” que harmonize muito
bem com os diversos pratos sem ter que escolher diversos rótulos para cada tipo
de comida.
Levou algum tempo escolher aquele vinho legal que tivesse
esse “perfil” mais versátil. Mas sem querer eu consegui chegar a um rótulo, ou
melhor, uma casta que sintetizasse o meu propósito. Eis que surgiu a já
conhecida e maravilhosa Pinot Noir. Sim! Pinot é delicada, frutada, leve, na
maior parte das propostas, e ideal para o período de clima quente como em
dezembro, por exemplo.
Acho que cheguei a degustação “perfeita” para o natal e,
claro que para este difícil e complicado ano de 2021 a Pinot Noir figuraria na
minha degustação do dia do famigerado Papai Noel comercial. E já estou no
terceiro ano seguido, tornando-se uma “nova tradição”. Os dois anos anteriores
os vinhos Fazenda Santa Rita Pinot Noir 2017 e o francês do Languedoc, Domaine
de la Motte 2018, foram os contemplados e o rótulo de hoje é especial também.
Esse rótulo vem da Alemanha! A minha segunda experiência com
a Spätburgunder, como é chamada a Pinot Noir naquelas bandas. O primeiro que
degustei fora com um grande amigo Paulo Roberto e se chama J. Meyer Pinot Noir da safra 2018. Então precisava ter uma nova experiência sensorial. Na realidade
esse vinho já estava na minha adega há algum tempo, já estava quando o meu bom
amigo Paulo trouxe esse rótulo germânico em minha casa, somente aguardava para
abri-lo em um momento especial, conveniente, diria.
E eis que o dia chegou e na temperatura mais do que adequada, apesar da dificuldade de manter resfriado em dias quentes em Niterói, Rio de Janeiro, ele estava no ponto para ser degustado, deleitado. A rolha anunciou sua liberdade da garrafa, a bebida inundou a minha taça e... voilá! O vinho que degustei e gostei veio da icônica região de Pfalz, na Alemanha e se chama Ernst Loosen, da casta Pinot Noir, da safra 2017. E como a Alemanha tem sido desbravada, vagarosamente por mim, ao longo desse curto período de tempo, nada mais do que pertinente falar sobre a região que veio o vinho e das classificações dos vinhos alemães que ainda é um assunto muito novo em nossas terras. Ah surgiu também o nome Ernst Loosen, de um viticultor alemão que vem ganhando notoriedade ao longo dos anos e convém claro falar sobre ele também e falarei no desfecho dessa resenha. Chegarei lá!
Pfalz
Localizada no sudoeste da Alemanha e fazendo fronteira com a
Alsácia, na França, Pfalz é famosa por seus vinhos. É a segunda maior das 13
regiões vinícolas do país, com mais de três mil famílias de vinicultores dedicadas
à produção de vinho. Região estreita de 22.000ha, o Platinado se estende a
oeste do Reno, por cerca de 80 km seguindo um eixo norte-sul. Divide-se em três
setores: Mittelhaardt (Haardt média), Deutschen Weinstraße (Rota Alemã do
Vinho) e Südliche Weinstrasse (Rota Sul do Vinho).
Os melhores vinhedos ladeiam as encostas a leste da Floresta do Platinado. A região é famosa pela qualidade de seus vinhos brancos, particularmente por seus Rieslings, vinhos de caráter, minerais, geralmente encorpados, mas também muito finos. A produção dos vinhos tintos é muito limitada, mas sua qualidade é geralmente excelente.
A região vinícola do Palatinado, denominada oficialmente de
Pfalz, pode ser descoberta da melhor maneira pela Rota Alemã do Vinho (Deutschen
Weinstraße). Essa rota turística de vinhos, a mais antiga do gênero no mundo,
liga diversas cidades produtores de vinho, de Bockenheim, ao norte, a
Schweigen, na fronteira com a França. A rota permite conhecer de maneira
agradável a região vinícola entre a floresta Pfälzerwald e o Reno.
Pfalz possui uma grande variedade de solos: arenito (na maior
parte da região), calcário erodido, ardósia, rocha basáltica e loess (sedimento
fértil de cor amarela que só existe em algumas partes da Europa e da China), entre
outros - o que permite o cultivo de amplo sortimento de castas de uvas tintas e
brancas. Comparado a outras regiões alemãs, o clima de Pfalz é mais quente,
porém ameno. Não há invernos rigorosos e verões de altíssimas temperaturas. A
chuva acontece na medida certa e tudo isto beneficia o cultivo das uvas,
influenciando diretamente na qualidade destas.
Em Pfalz são cultivadas 45 castas de uva branca e 22 de uva
tinta. Aproximadamente 25% dos vinhedos do local são cultivados com a variedade
Riesling, por isso, Pfalz é considerada a maior produtora destas uvas em todo o
mundo. Entretanto, 40% dos vinhedos são de frutas tintas, e a região é a maior
produtora de vinhos tintos do país. Além da Riesling, as uvas brancas
Gewürztraminer e Scheurebe são destaque na região. Entre as tintas cultivadas
em Pfalz temos Dornfelder, Portugieser, Spätburgunder (Pinot Noir) e Regent,
além das mundialmente conhecidas Cabernet Sauvignon, Merlot, Tempranillo e
Syrah. Em Pfalz a Pinot Noir dá os melhores resultados dentre as regiões
alemãs.
O medo do desconhecido é o principal empecilho do vinho
alemão. Devido aos conceitos, às expressões e ao idioma, o país possui um dos
rótulos mais difíceis do mundo para compreender. Esse conteúdo vai além da
safra, região de origem, teor alcoólico, uva e o nome do produtor, pois trazem
dados como categoria de qualidade, número do teste de controle de qualidade,
tipo e estilo do vinho. Aliás, existem alguns dados que são obrigatórios e
outros que são apenas opcionais.
O vinho alemão passa por um rigoroso teste de controle de
qualidade (A.P.NR.), desenvolvido pela Sociedade Alemã de Agricultura (DLG).
Além disso, seus exemplares são divididos em categorias de qualidade. Essa
categorização depende de dois fatores: maturidade e qualidade das uvas, e a
especificidade e tipicidade da região. As categorias de qualidade podem ser
consideradas um sinônimo das Denominações de Origem, por também conter regras e
normas específicas como área delimitada, uvas autorizadas, entre outros.
Deutscher Wein: São os vinhos mais simples de todas as
categorias. Os vinhos podem ser produzidos com uvas colhidas em vinhedos de
todo o território alemão.
Landwein: Assim como a Deutscher Wein, também possui vinhos
simples, quando relacionado aos de outras categorias. Pode ser comparado aos
IGP’s de outros países europeus. 85% das uvas devem ser provenientes de
vinhedos de regiões reconhecidas pela categoria.
Qualitätswein bestimmter Anbaugebiet (QbA): É considerada a
categoria dominante no país. As uvas precisam ser autorizadas e atingir um grau
mínimo exigido de maturação. As uvas devem ser permitidas pela categoria e
provenientes de uma das treze regiões vitícolas específicas. Além disso, o nome
da região precisa estar estampado no rótulo. Os rótulos podem conter termos que
indicam o nível de doçura do vinho como:
Trocken: vinho seco.
Halbtrocken: vinho meio-seco ou ligeiramente doce.
Feinherb: um termo não oficial para descrever vinhos
semelhantes ao Halbtrocken.
Liebliche: vinho doce.
Em setembro de 1994, foi permitida a criação de uma
subcategoria QbA, a Qualitätswein garantierten Ursprungs (QGU). Comparada a uma
Denominação de Origem Controlada e Garantida, a QGU abrange uma região, vinha
ou aldeia específica, que expressa além de alta qualidade, tipicidade. Nessa
categoria, os vinhos passam por rigorosas análises sensoriais e analíticas.
Qualitätswein mit Prädikat (QmP) ou Prädikatswein
As uvas devem ser permitidas pela categoria e provenientes de
uma das treze regiões vitícolas específicas. Além disso, o nome da região
precisa estar estampado no rótulo. As uvas devem atingir um grau específico de
maturação, açúcar e teor alcoólico natural. Os rótulos precisam estampar alguns
atributos específicos referentes ao nível de maturação das uvas e ao método de
colheita:
Kabinett: colheita realizada com uvas completamente maduras.
Gera vinhos mais leves e com baixo teor alcoólico.
Spätlese: colheita tardia, ou seja, as uvas são colhidas em
um período posterior ao considerado ideal. Gera vinhos concentrados e com
intenso aroma, mas não especificamente com o paladar adocicado.
Auslese: uvas colhidas muito maduras, mas apenas os cachos
selecionados. Gera vinhos nobres, com intensidade tanto no aroma quanto no
paladar. A doçura no paladar não é uma regra.
Eiswein: uvas sobreamadurecidas como a Beerenauslese, porém
colhidas e prensadas congeladas. Gera vinhos nobres e singulares, com alta
concentração.
Trockenbeerenauslese (TBA): uvas sobreamadurecidas,
infectadas por Botrytis cinerea, que secam por um determinado tempo adquirindo
características próximas a de uvas passas. Gera vinhos doces, ricos e nobres.
Beerenauslese (BA): uvas sobreamadurecidas, infectadas por
Botrytis cinerea, com seleção criteriosa dos bagos. Essas uvas são colhidas
apenas em safras excepcionais. Gera vinhos longevos, ricos e doces.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta o típico e lindo vermelho rubi, claro, com
reflexos violáceos, em tons vivazes e brilhantes, com lágrimas finas e em
profusão.
No nariz explodem em aromas de frutas vermelhas frescas,
mesmo com seus quatro anos de vida, de safra, tais como amora, cereja,
framboesa e morango, em plena sinergia com a madeira, além de toques terrosos,
que lembra floresta, florais e de especiarias.
Na boca ressalta-se a fruta vermelha mesclando, de forma
equilibrada, com as notas discretas da madeira e baunilha, graças aos 50% do
lote que passou por longos 15 meses em barricas de carvalho e a outra metade em
tanque de inox pelo mesmo período. Revela-se um vinho harmonioso, fresco,
saboroso, com estrutura média, complexo, de bom volume de boca, com taninos
vivos, presentes, mas delicados, com grande acidez e um final prolongado e
frutado.
Um cantinho desse planeta fértil em produção vitivinícola
vem, aos poucos, com paciência e deleite, sendo explorado. Cada rótulo, cada
casta, cada região vem demonstrando, de forma significativa seu potencial, sua
magnífica história. É um grande prazer degustar, sentir os aromas, a
experiência sensorial a toda prova, adicionando, claro, o fator histórico, da
cultura dessas regiões que são definitivas para as degustações e todas as
impressões. Ah e as harmonizações com as iguarias gastronômicas natalinas? Digo
que, mais uma vez, foi uma acertada escolha. Trata-se de um vinho com longos 15
meses por barricas de carvalho, cerca de 50% do lote, que trouxe complexidade e
até estrutura ao vinho, mas que se equilibrou maravilhosamente com a
delicadeza, enaltecendo a fruta e a elegância tão comum e típica da Pinot Noir.
Então celebre a vida, as pessoas que ama e pratique boas ações em todos os dias
do ano e tenha sempre ao lado um bom e digno vinho! Tem 12,5% de teor
alcoólico.
Sobre a Vinícola Ernst Loosen:
Ernst Loosen nasceu em uma grande tradição de vinificação
alemã e, dessa forma, a propriedade no rio Mosel é familiar há mais de 200
anos. Em 1988, sendo assim, Ernst assumiu a frente dos negócios. Ele concluiu
os estudos na renomada escola de vinificação da Alemanha em Geisenheim e, em
seguida, lançou uma revisão autodirigida dos grandes vinhos do mundo.
Ele viajou para a Áustria, Borgonha e Alsácia, até a
Califórnia. O que ele descobriu, portanto foi que todos compartilham uma
dedicação à produção de vinhos intensos e concentrados que proclamam
corajosamente sua herança.
Eles também têm uma visão mundana que lhes permite manter o
respeito pela tradição, enquanto a temperam com a razão. Isso lhes dá a
liberdade de reconhecer então que nem todas as tradições merecem ser observadas
obstinadamente e permitem o uso criterioso das técnicas modernas de vinificação
quando isso melhora a qualidade.
É essa visão de mercado global à qual Ernst atribui com
entusiasmo, uma filosofia que equilibra enfim o antigo com o novo. É uma
maneira de pensar que lhe permitiu ir além do fácil e familiar, do
experimentado e não necessariamente tão verdadeiro, para assim fazer vinhos que
se destacam como verdadeiramente distintos e de classe mundial.
Desde que Ernst Loosen assumiu o controle da propriedade,
reconheceu muito potencial que não estava sendo utilizado. Seu pai e seu avô
estavam mais envolvidos na política do que na produção de vinho, então nada
havia sido feito para manter as vinhas ou atualizar o porão.
Ironicamente, Ernst viu que o desinteresse de seus
antepassados havia lhe dado exatamente o que ele precisava para produzir o
tipo de vinho rico e corajoso que ele prefere.
Como seus antecessores não estavam dispostos a investir em
novas vinhas para o que era essencialmente um hobby em família, Ernst herdou
pois um bom número de vinhas com mais de 100 anos – vinhas perfeitamente
adequadas ao estilo de baixo rendimento e altamente concentrado que ele queria
produzir.
E a propriedade não sucumbiu às tendências dos anos 60 e 70,
no momento em que muitos produtores estavam replantando suas vinhas Riesling
com variedades de menor qualidade e alto rendimento. A negligência de seu pai
na adega também acabou trabalhando sem dúvida alguma a favor de Ernst.
Sem nenhum equipamento de alta tecnologia para tentá-los,
Ernst e seu mestre de adega não tiveram escolha a não ser fazer vinhos de
maneira minimalista, com muito pouco manuseio e fermentações longas e lentas.
Desde que Ernst assumiu, os seus vinhos receberam inúmeros
prêmios e críticas brilhantes na imprensa. Assim sendo, a propriedade tornou-se
membro da prestigiada VDP, a associação alemã das melhores vinícolas do país, e
foi nomeada uma das 10 melhores propriedades da Alemanha por quase todas as publicações
de vinhos do mundo.
Ernst foi nomeado então o enólogo do ano na Alemanha na
edição de 2001 do Weinguide Deutschland da Gault Millau e homem do ano da
revista Decanter em 2005. Assim como foi o enólogo branco do ano do International
WINE Challenge em 2005.
Anteriormente, em 1995, Ernst e seu irmão mais novo, Thomas,
lançaram um segundo rótulo, Riesling, chamado “Dr. L”. Contratando produtores
locais, eles podem obter frutas de alta qualidade para fazer um vinho
não-embalado e com sabor muito característico da região.
Dr. L Riesling exibe os sabores de ardósia limpas e limonadas
do Mosel Médio a um preço muito acessível. É uma introdução maravilhosa ao
alemão Riesling e aos vinhos da propriedade Dr. Loosen.
“Ernst Loosen inseriu o vinho alemão no cenário mundial do
século XXI” (Jancis Robinson).
Mais informações acesse:
Referências:
“Vinho sem Segredo”: https://vinhosemsegredo.com/2011/05/02/nomenclatura-do-vinho-alemao-i/
“Winepedia”: https://www.wine.com.br/winepedia/dicas/como-ler-rotulos-alemanha/
“Art des
Caves”: https://blog.artdescaves.com.br/conheca-pfalz-regiao-que-mais-produz-vinhos-alemanha
“Carpevinum”: https://www.carpevinum.com.br/loja/noticia.php?loja=677095&id=255
“Center Gourmet”: https://centergourmet.com.br/ernst-loosen-pfalz-edition-pinot-noir-rose-2020/