O meu atual estado de espírito enófilo está fazendo com que eu
trafegue de forma inigualável e diria até inimaginável pelo universo do vinho
e, com isso, eu chego a uma óbvia conclusão: por ser um universo ele ainda tem
muito a oferecer, muitas galáxias a ser exploradas e muitas surpresas a nos
proporcionar. Eu nunca esperei, como degustador de bebida de Baco, degustar
vinhos germânicos. Para mim o que era acessível eram as proeminentes e
viscerais bandas de rock n’ roll, bem como o seu vistoso futebol quatro vezes
campeão mundial.
Sempre ouvi que naquelas terras produziam e produzem, de
forma prolífica, grandes vinhos, tendo como carro-chefe a casta branca
Riesling. Mas pouco conhecia, pouco sabia, pouco acesso a rótulos eu tinha,
isso nos idos do início da década de 2000, quando eu comecei a flertar com os
rótulos de castas vitis viníferas. A oferta, convenhamos, também era
incipiente, poucos vinhos alemães adentravam o mercado brasileiro e quando
acontecia os valores estavam além do que um reles trabalhador brasileiro, como
eu, poderia ter.
Mas, aos poucos e em silêncio, fui acompanhando o florescer,
que ainda acontece dos rótulos alemães ofertados em terras brasilis. Ainda está
aquém, está um pouco lento, precisamos de mais opções de rótulos com valores mais
amigáveis, com uma relação custo X benefício condizente para que, cada
brasileiro tenha acesso, indistintamente aos rótulos da Alemanha.
Até que um belo dia, um grande e querido amigo de confraria,
me disse que fez uma aquisição de um Pinot Noir alemão. Praticamente o intimei
a leva-lo em nossa próxima degustação, afinal não podíamos deixar de celebrar a
amizade degustando um néctar germânico! E ele, de posse da garrafa, veio até a
minha casa e, ansiosos, mas felizes, nos preparamos para encher as nossas taças
de prazer vínico.
Então o vinho que degustei e gostei veio da região alemã de
Pfalz, um Pinot Noir, conhecida na Alemanha pelo nome de Spätburgunder, e se
chama J. Meyer, da safra 2018. Se trata de um “Qualitätswein bestimmter
Anbaugebiet (QbA)”. E como eu não me atenho apenas a degustação o que já é
significativo, fui buscar algumas informações sobre a Pinot Noir na Alemanha e
descobri que não é apenas a Riesling que faz sucesso por lá, mas a Spätburgunder
também, sobretudo pelo clima frio da Alemanha, onde a Pinot Noir encontra o seu
melhor habitat, sobretudo na emblemática região de Pfalz. Falemos dela e também
das nomenclaturas dos vinhos alemães, que está intimamente ligada a questão da
proposta do vinho.
Pfalz
Localizada no sudoeste da Alemanha e fazendo fronteira com a
Alsácia, na França, Pfalz é famosa por seus vinhos. É a segunda maior das 13
regiões vinícolas do país, com mais de três mil famílias de vinicultores
dedicadas à produção de vinho. Região estreita de 22.000ha, o Platinado se estende
a oeste do Reno, por cerca de 80 km seguindo um eixo norte-sul. Divide-se em
três setores: Mittelhaardt (Haardt média), Deutschen Weinstraße (Rota Alemã do
Vinho) e Südliche Weinstrasse (Rota Sul do Vinho). Os melhores vinhedos ladeiam
as encostas a leste da Floresta do Platinado. A região é famosa pela qualidade
de seus vinhos brancos, particularmente por seus Rieslings, vinhos de caráter,
minerais, geralmente encorpados, mas também muito finos. A produção dos vinhos
tintos é muito limitada, mas sua qualidade é geralmente excelente.
A região vinícola do Palatinado, denominada oficialmente de
Pfalz, pode ser descoberta da melhor maneira pela Rota Alemã do Vinho
(Deutschen Weinstraße). Essa rota turística de vinhos, a mais antiga do gênero
no mundo, liga diversas cidades produtores de vinho, de Bockenheim, ao norte, a
Schweigen, na fronteira com a França. A rota permite conhecer de maneira
agradável a região vinícola entre a floresta Pfälzerwald e o Reno.
Pfalz possui uma grande variedade de solos: arenito (na maior
parte da região), calcário erodido, ardósia, rocha basáltica e loess (sedimento
fértil de cor amarela que só existe em algumas partes da Europa e da China),
entre outros - o que permite o cultivo de amplo sortimento de castas de uvas tintas
e brancas. Comparado a outras regiões alemãs, o clima de Pfalz é mais quente,
porém ameno. Não há invernos rigorosos e verões de altíssimas temperaturas. A
chuva acontece na medida certa e tudo isto beneficia o cultivo das uvas,
influenciando diretamente na qualidade destas.
Em Pfalz são cultivadas 45 castas de uva branca e 22 de uva
tinta. Aproximadamente 25% dos vinhedos do local são cultivados com a variedade
Riesling, por isso, Pfalz é considerada a maior produtora destas uvas em todo o
mundo. Entretanto, 40% dos vinhedos são de frutas tintas, e a região é a maior
produtora de vinhos tintos do país. Além da Riesling, as uvas brancas
Gewürztraminer e Scheurebe são destaque na região. Entre as tintas cultivadas
em Pfalz temos Dornfelder, Portugieser, Spätburgunder (Pinot Noir) e Regent,
além das mundialmente conhecidas Cabernet Sauvignon, Merlot, Tempranillo e
Syrah. Em Pfalz a Pinot Noir dá os melhores resultados dentre as regiões
alemãs.
Nomenclatura e definições dos vinhos alemães
O medo do desconhecido é o principal empecilho do vinho
alemão. Devido aos conceitos, às expressões e ao idioma, o país possui um dos
rótulos mais difíceis do mundo para compreender. Esse conteúdo vai além da
safra, região de origem, teor alcoólico, uva e o nome do produtor, pois trazem
dados como categoria de qualidade, número do teste de controle de qualidade,
tipo e estilo do vinho. Aliás, existem alguns dados que são obrigatórios e
outros que são apenas opcionais. O vinho alemão passa por um rigoroso teste de
controle de qualidade (A.P.NR.), desenvolvido pela Sociedade Alemã de
Agricultura (DLG). Além disso, seus exemplares são divididos em categorias de
qualidade. Essa categorização depende de dois fatores: maturidade e qualidade
das uvas, e a especificidade e tipicidade da região. As categorias de qualidade
podem ser consideradas um sinônimo das Denominações de Origem, por também
conter regras e normas específicas como área delimitada, uvas autorizadas,
entre outros.
Deutscher Wein: São os vinhos mais simples de todas as
categorias. Os vinhos podem ser produzidos com uvas colhidas em vinhedos de
todo o território alemão.
Landwein: Assim como a Deutscher Wein, também possui vinhos
simples, quando relacionado aos de outras categorias. Pode ser comparado aos
IGP’s de outros países europeus. 85% das uvas devem ser provenientes de
vinhedos de regiões reconhecidas pela categoria.
Qualitätswein bestimmter Anbaugebiet (QbA): É considerada a
categoria dominante no país. As uvas precisam ser autorizadas e atingir um grau
mínimo exigido de maturação. As uvas devem ser permitidas pela categoria e
provenientes de uma das treze regiões vitícolas específicas. Além disso, o nome
da região precisa estar estampado no rótulo. Os rótulos podem conter termos que
indicam o nível de doçura do vinho como:
Trocken: vinho seco.
Halbtrocken: vinho meio-seco ou ligeiramente doce.
Feinherb: um termo não oficial para descrever vinhos
semelhantes ao Halbtrocken.
Liebliche: vinho doce.
Em setembro de 1994, foi permitida a criação de uma subcategoria
QbA, a Qualitätswein garantierten Ursprungs (QGU). Comparada a uma Denominação
de Origem Controlada e Garantida, a QGU abrange uma região, vinha ou aldeia
específica, que expressa além de alta qualidade, tipicidade. Nessa categoria,
os vinhos passam por rigorosas análises sensoriais e analíticas.
Qualitätswein mit Prädikat (QmP) ou Prädikatswein
As uvas devem ser permitidas pela categoria e provenientes de
uma das treze regiões vitícolas específicas. Além disso, o nome da região
precisa estar estampado no rótulo. As uvas devem atingir um grau específico de
maturação, açúcar e teor alcoólico natural. Os rótulos precisam estampar alguns
atributos específicos referentes ao nível de maturação das uvas e ao método de
colheita:
Kabinett: colheita realizada com uvas completamente maduras.
Gera vinhos mais leves e com baixo teor alcoólico.
Spätlese: colheita tardia, ou seja, as uvas são colhidas em
um período posterior ao considerado ideal. Gera vinhos concentrados e com
intenso aroma, mas não especificamente com o paladar adocicado.
Auslese: uvas colhidas muito maduras, mas apenas os cachos
selecionados. Gera vinhos nobres, com intensidade tanto no aroma quanto no
paladar. A doçura no paladar não é uma regra.
Eiswein: uvas sobreamadurecidas como a Beerenauslese, porém
colhidas e prensadas congeladas. Gera vinhos nobres e singulares, com alta
concentração.
Trockenbeerenauslese (TBA): uvas sobreamadurecidas,
infectadas por Botrytis cinerea, que secam por um determinado tempo adquirindo
características próximas a de uvas passas. Gera vinhos doces, ricos e nobres.
Beerenauslese (BA): uvas sobreamadurecidas, infectadas por
Botrytis cinerea, com seleção criteriosa dos bagos. Essas uvas são colhidas
apenas em safras excepcionais. Gera vinhos longevos, ricos e doces.
E agora o vinho!
Na taça tem um lindo vermelho rubi, brilhante, bem intenso
para um Pinot Noir, mas com aquele tom tipicamente grená com algumas formações de
finas lágrimas em média intensidade.
No nariz tem aquela indefectível presença de frutas
vermelhas, tais como framboesa e morango, com um discreto toque herbáceo, algo
de especiarias.
Na boca é muito frutado, as frutas vermelhas aparecem divinamente, com alguma estrutura, mas macio, delicado e elegante, com taninos polidos e uma boa acidez evidenciando o seu frescor. Tem um final longo, persistente.
Mais um degrau para a nossa história enófila, mais um canto deste vasto universo explorado. O meu primeiro Pinot Noir alemão! Um Pinot Noir como deve ser: frutado, macio, elegante, agradável, sobretudo em uma tarde outonal de sábado e com uma grande companhia do meu fraternal amigo que diretamente foi responsável por degustar esse néctar de Baco e Dionísio. Toques sutis de frutas maduras, algo mais “ousado” para um Pinot Noir, tais como alguma estrutura, um pouco de especiarias, algo mais expressivo talvez, mas sem perder a majestade de um genuíno Pinot Noir. Um vinho especial para um momento especial e que possamos navegar para mares nunca dantes navegados e que possamos nos inebriar de momentos únicos: boas degustações e grandes amizades. Celebremos sempre! Tem 13,5% de teor alcoólico.
Sobre a Moselland:
A princípio, no século XIX, muitos produtores individuais da
Alemanha se uniram por necessidade econômica para formar pequenas cooperativas
vitícolas: eles pretendiam trabalhar com mais eficiência, unindo forças.
Em seguida, em 1969, as principais cooperativas se fundiram
com a Hauptkellerei Koblenz para formar a maior cooperativa vitícola do estado
de Rheinland-Pfalz. Desse modo, o resultado foi a criação da Moselland,
localizada em Bernkastel Kues, que por mais de um quarto de século, foi um nome
garantiu alta qualidade.
Sendo assim, na Moselland, a qualidade começa bem na vinha.
Os viticultores são especialistas em gerenciamento de vinhedos, desde o plantio
até a colheita, assim produzem uvas da mais alta qualidade que são entregues em
nas estações de prensagem e coleta, ao lado das vinhas. Além disso, a equipe
altamente qualificada assume o processo de vinificação usando os mais modernos
maquinários.
Mais informações acesse:
Referências:
Vinho sem Segredo: https://vinhosemsegredo.com/2011/05/02/nomenclatura-do-vinho-alemao-i/
Winepedia: https://www.wine.com.br/winepedia/dicas/como-ler-rotulos-alemanha/
“Art des
Caves”: https://blog.artdescaves.com.br/conheca-pfalz-regiao-que-mais-produz-vinhos-alemanha
“Carpevinum”: https://www.carpevinum.com.br/loja/noticia.php?loja=677095&id=255
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