sábado, 13 de agosto de 2022

Casillero del Diablo Reserva Privada Cabernet Sauvignon 2016

 

Existem alguns tabus no universo do vinho! Tabu, confesso, é uma palavra branda diante de um cenário caótico de intolerância e consequentemente de ódio instaurado em nossa combalida sociedade, doente e que respira sob aparelhos.

Temos que aceitar que o prazeroso e aprazível universo do vinho tem as suas questões a serem exorcizadas, tratadas, afinal, somos, enquanto enófilos e pertencentes a esse grupo social, um recorte dessa sociedade que carece de um pouco mais de amor e compreensão.

E essas questões são diversas ou pelo menos todas perpassam pela questão social, comportamental. O vinho como status social, que personifica a condição financeira de alguns, um grupo privilegiado que está em uma constante luta para que a sua “classe” continue purificada, sempre subjugando aqueles que, arduamente, tentam adentrar no mundo do vinho, sendo esses da base da pirâmide social.

E um dos diversos discursos de defesa incansável da raça ariana do vinho é de que vinhos produzidos em larga escala são incipientes em sua qualidade, os famosos vinhos ruins. Para eles vinho bom é aquele de autor, produzido em número limitado.

Claro e evidente que tais vinhos são dignos de reverência, mas por que os de produção de volume não podem ser? Quais os argumentos? Não sou um exímio na parte técnica, mas posso apresentar argumentos práticos, da degustação nossa de cada dia. Falo da Concha Y Toro, a maior vinícola das Américas e talvez uma das maiores do planeta.

A Concha Y Toro não atua em lojas boutiques, em alguns sites especializados, mas o seu ponto de venda mais importante é o simples supermercado! Aos olhos da “plebe”, de pessoas de todas as classes sociais. E não se enganem que a vinícola chilena não tenha os seus, como dizem, vinhos premium. Só para exemplos temos a linha “Marquês de Casa Concha” e a “Don Melchior”.

O que dizer de tais vinhos? Vinhos ruins? Acho que não! Claro que o paladar é particular, mas quem degustou, como eu alguns rótulos do Marquês de Casa Concha, sabe o quão especial tal vinho pode ser.

Como exemplo degustei o Merlot, Cabernet Sauvignon e o Carmènére e vos digo que são fantásticos! Basta ler as resenhas! E dessa vez vou “desencavar” das profundezas da minha simplória adega um vinho especial, que considero especial, pois já degustei em um passado razoavelmente distante, da linha “Reserva Privada”.

Dessa vez é a linha varietal do “Reserva Privada” que antes era um blend, e cuja variedade é especial quando cultivada nos terroirs chilenos, que é a Cabernet Sauvignon. E, mesmo com as “rugas” e dobradiças do rótulo, as expectativas estão altíssimas como sempre.

O vinho que degustei e gostei veio da emblemática região do Maipo Valley, no Chile e se chama Casillero del Diablo Reserva Privada, um 100% Cabernet Sauvignon, da safra 2015. E para não perder o costume, vamos as histórias do Maipo. Mas antes de falar do Maipo vale dizer também que tive o privilégio de degustar um vinho dessa linha, da safra 2008, um Reserva Privada, mas na “versão” blend, com Cabernet Sauvignon (65%) e Syrah (35%) e a sua resenha pode ser lida aqui.

Vale do Maipo

O Vale de Maipo é a única região vinícola do mundo com vinhedos nos limites urbanos de uma capital, Santiago, de 5,5 milhões de habitantes. O vale abriga o maior número de vinícolas do Chile, muitas delas com uma longa tradição vinícola que remonta ao início da produção chilena, e caves do século 19. Os vinhedos se estendem pelo Andes, onde são produzidos os melhores Cabernets, até o planalto central.

O Maipo está localizado no extremo norte do Valle Central, onde a faixa costeira separa a costa do Oceano Pacífico e, no lado oriental a Cordilheira dos Andes se divide, separando a região de Mendoza do Vale do Maipo. As primeiras vinhas cultivadas na região chilena datam de 1540, contudo, foi apenas em 1800 que a cultura vinícola começou a se expandir notoriamente, tornando-se uma referência entre os vinhos sul-americanos.

Maipo Valley

A região pode ser dividida em três sub-regiões, Maipo Bajo, Central Maipo e Alto Maipo. Os vinhedos cultivados em Alto Maipo, ou Maipo Superior, percorrem a borda oriental da Cordilheira dos Andes, se beneficiando de altitudes entre 400 e 760 metros. Nesta altura, os dias são quentes e as noites frias, proporcionando uma lenta maturação das uvas, isto é, uvas com maiores índices de acidez.

Central Maipo, conhecida também como Maipo Médio, é uma sub-região de clima mais quente do que no Alto Maipo, bem como solos com maiores composições de argila, dando origem a vinhos mais refinados e elegantes.

A uva Cabernet Sauvignon continua sendo a variedade mais cultivada na região, apesar de existirem pequenos cultivos da Carmenère, casta beneficiada graças as temperaturas mais quentes, bem como Merlot, Syrah, Cabernet Franc, Malbec, Chardonnay, Sauvignon Blanc e Semillón.

Por fim, a sub-região do Bajo Maipo está situada em torno das cidades de Talagante e Isla de Maipo, onde apesar de existir o cultivo das vinhas, encontra-se com maior facilidade diversas vinícolas.

Alguns produtores estão localizados perto do rio, onde a brisa fresca proporciona microclimas adequados para o cultivo, principalmente, de uvas brancas, além da Cabernet Sauvignon. Valle del Maipo ganhou sua denominação de origem controlada em 1994, decretada pelo governo chileno.

A região vinícola do Valle del Maipo possui 13 denominações: Alhue (DO), Buin (DO), Calera de Tango (DO), Colina (DO), Isla de Maipo (DO), Lampa (DO), Maria Pinto (DO), Melipilla (DO), Pirque (DO), Puente Alto (DO), Santiago (DO), Talagante (DO) e Til Til (DO).

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi intenso, com muita profundidade, mas brilhante, vivo, além de lágrimas finas, em profusão e muito lentas que desenham as bordas do copo.

No nariz entregam delicados, mas evidentes notas de frutas pretas bem maduras, tais como ameixa e groselha negra em total sinergia com as notas amadeiradas, que também estão bem presentes, trazendo complexidade, destacando-se baunilha, cedro, especiarias e terra molhada.

Na boca é extremamente elegante, redondo e fácil de degustar, mas que, ao mesmo tempo, mostra marcante personalidade, pela estrutura, conferida pela casta, a fruta madura protagonizando, como no aspecto olfativo, bem como a madeira, graças aos doze meses em barricas de carvalho, mas em pleno equilíbrio, toques de chocolate meio amargo, caramelo e defumado, com taninos e acidez harmônicos. Final longo e persistente.

Nem tudo que reluz é ouro, não julgar o livro pela capa.... Esses ditos populares, embora caia no senso comum tem um pouco da realidade e podemos sim trazê-las para o universo do vinho! Vinhos de produção de larga escala nem sempre é ruim, bem como os vinhos da “moda” ou aqueles de autor, de pequena produção é o suprassumo do momento. Vinho é vinho e há sim os ruins e bons, dada a percepção de cada um, afinal as descrições sensoriais é particular. Não se deixe levar pelas opiniões de formadores de opinião que, geralmente, estão ali, blindados pela obscuridade da rede social para falar de um produtor “X” ou “Y” para difundir os seus rótulos, divulgar os seus rótulos. Não que isso significa que o referido vinho seja ruim, mas, sim, constata-se um processo perverso de alienação. O Casillero del Diablo Reserva Privada Cabernet Sauvignon é sim especial e expressa o caráter do terroir chileno e a sua imensa capacidade de entregar todos os predicados de uma cepa que definitivamente ganhou a sua importância naquelas terras. Taninos firmes, elegantes, acidez instigante, frutas em sinergia com a madeira. Um vinho maiúsculo. Tem 13,5% de teor alcoólico.

Sobre a Concha Y Toro:

A Viña Concha Y Toro foi fundada no ano de 1833, pelo empresário e político Don Melchor Concha y Toro. Quatro décadas mais tarde, em 1922, a companhia é constituída como uma corporação, ampliando seu estatuto para a produção de vinhos em geral.

Don Melchior

A primeira exportação da vinícola foi realizada em 1933, com as ações da empresa sendo negociadas na Bolsa de Comércio de Santiago. Don Eduardo Guilisasti Tagle assumiu a presidência do Conselho Administrativo da Viña Concha Y Toro em 1957, estabelecendo a base para o projeto de expansão da companhia. 

Em 1966, é lançada a linha Casillero Del Diablo, que se tornaria a gama de mais sucesso da Viña Concha y Toro. O ano de 1987 marca o lançamento da primeira safra do Don Melchor, o primeiro vinho ultra-premium do Chile.

O dia 14 de outubro de 1994 representa um marco para a Viña Concha y Toro, sendo a primeira vinícola do mundo a ter suas ações negociadas na Bolsa de Valores de Nova Iorque. Em 2001 é criada a primeira subsidiária de distribuição da companhia fora do Chile, a Concha Y Toro UK. 

O ano de 2011 traz mais um grande reconhecimento para a vinícola, sendo eleita como a Marca Mais Admirada do Mundo pela Drinks International. Em 2013 a Concha y Toro obtém o Certificado de Sustentabilidade pela organização Wines of Chile. Inaugurando, no ano seguinte, seu Centro de Pesquisa e Inovação.

Outro grande marco para a Viña Concha y Toro é alcançado em 2015, com a companhia sendo reconhecida como a Marca de Vinhos Mais Importante do Mundo, pelos especialistas da Intangible Business.

Mais recentemente, em 2017, Almaviva 2015, um projeto conjunto da Viña Concha y Toro com Baron Philippe de Rothschild S.A., é eleito como Vinho do Ano pelo crítico James Suckling, obtendo a pontuação perfeita, incríveis 100 pontos!

Mais informações acesse:

https://conchaytoro.com/

Referências:

“Vinci”: https://www.vinci.com.br/c/regiao/valle-del-maipo         

“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=MAIPO#:~:text=O%20vale%20abriga%20o%20maior,produzidos%2C%20at%C3%A9%20o%20planalto%20central.

“Turistando Chile”: https://www.turistandochile.com.br/tours_ver/valle-del-maipo

“Viagem e Turismo Chile”: https://viagemeturismo.abril.com.br/cidades/valle-del-maipo/

“Divinho”: https://www.divinho.com.br/blog/maior-vinicola-chile/#:~:text=Hist%C3%B3ria%20da%20Vi%C3%B1a%20Concha%20y,produ%C3%A7%C3%A3o%20de%20vinhos%20em%20geral.


 






sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Casal Mor Reserva tinto 2017

 

Estamos no inverno. Para muitos importadores, atacadistas, donos de supermercados, boutiques de vinho, entre outros, é o “período de degustação de vinhos”, a maior incidência de consumo da nossa poesia líquida, então começa a se manifestar alguns eventos de degustação de vinhos, infelizmente inflacionados nos seus ingressos, bem como algumas promoções de rótulos.

Como se degustássemos vinhos apenas no inverno! Há vinhos para todos os períodos do ano, há propostas de vinhos que “harmonizam” com o inverno, com o verão, com o outono, com a primavera, com tudo. Mas não quero, pelo menos agora, entrar no mérito dessa discussão.

Mas é inegável que os períodos frios as promoções emanam, sobretudo em alguns supermercados que ostentam uma boa adega, apesar de não ter profissionais qualificados para atender a demanda e que se equipara ao seu portfólio de vinhos ofertados.

E com essas promoções surgem também alguns equívocos que podem nos enganar se não tivermos o mínimo de discernimento para entender o tipo de vinho que de fato necessitamos para o momento ou simplesmente aquele rótulo que a gente, no que tange a proposta, a gente se identifica.

Claro que temos de aproveitar e comprar vinho não por demanda, mas sim por oportunidade e bons preços, pelo menos para o tamanho do seu bolso, é preponderante e necessário para enchermos ou diversificarmos a nossa adega, mas primordialmente precisamos saber do que queremos no universo do vinho, o que a gente quer, com qual vinho nos identificamos.

Eu estive em mais uma de minhas incursões nos supermercados em um que, de um tempo para cá, vem ofertando ótimos e interessantes rótulos a preços bem convidativos, em qualquer estação do ano, e encontrei um da região da Bairrada.

Para começar encontrar um rótulo da região portuguesa da Bairrada já não é fácil, comparando com as regiões badaladas do Alentejo, Vinhos Verdes, Porto, entre outros, e a um preço inacreditavelmente baixo, em torno dos R$ 27,90!

Bem por mais que isso te excite, a um primeiro olhar, algumas interrogações surgem na sua cabeça. Será que o vinho é bom? Será que vale a pena pagar tão pouco por ele e ter uma péssima recepção na taça? Hesitei por um longo período em que estive no supermercado. Olhei outros rótulos, fui a outras seções, mas sempre voltava ao ponto de partida com a garrafa em minhas mãos.

Decidi compra-lo, afinal, o valor é, como constatei, baixo, se o vinho não agradasse pelo menos não gastaria tanto, apesar da frustração que sempre tem quando o vinho não corresponde, mas, como comprar vinho é sempre correr riscos, em qualquer situação e circunstâncias, lá vamos nós.

Viajei um pouco na grande rede para buscar referências sobre o vinho, embora isso não garanta alguma coisa, e li alguns comentários muito positivos acerca do rótulo. Mas independente dos comentários e de alguma preocupação, estava animado em degusta-lo. Ele repousou um tempo na adega até que chegou o momento de desarrolhá-lo. Era contagiante a minha animação, mas admito que estava apreensivo também.

O aroma era envolvente, algo floral e frutado dominou o ar, a cor brilhosa e escura mas manifestava algum reflexo violáceo e o paladar...voilá! Acertei! O vinho que degustei e gostei veio da fantástica Bairrada e se chama Casal Mor composta pelas castas Tinta Roriz (50%), Baga (35%) e Touriga Nacional (15%) da safra 2017. Antes de falar do vinho, não quero me antecipar, falemos um pouco da Bairrada e, apesar de ainda não ser tão popular em nossas terras, da sua importância para o cenário vitivinícola de Portugal.

Bairrada

Localizada na região central de Portugal e se estendendo até o Oceano Atlântico, especificamente entre as cidades de Coimbra e Águeda, a região vinícola da Bairrada – cujo nome é uma referência ao solo argiloso que a compõe – tem clima temperado bastante favorável às vinhas.

A Bairrada é uma daquelas regiões portuguesas com grande personalidade. Apesar de sua longa história vínica, a certificação da região é recente. A Denominação de Origem Controlada (DOC Bairrada) para vinhos tintos e brancos é de 1979 e para espumantes de 1991. A Região Demarcada da Bairrada possui também uma Indicação Geográfica: IG Beira Atlântico.

António Augusto de Aguiar estudou os sistemas de produção de vinhos e definiu as fronteiras da região. Em 1867, vinte anos mais tarde, fundou a Escola Prática de Viticultura da Bairrada. Destinada a promover os vinhos da região e melhorar as técnicas de cultivo e produção de vinho.

O primeiro resultado prático da escola foi a criação de vinho espumante em 1890. E foi com os espumantes que a região conquistou o mundo. Frutados, com um toque mineral e boa estrutura esses vinhos tornaram-se referencias e, até hoje, fazem da Bairrada uma das maiores regiões produtoras de espumantes de Portugal. Com o passar do tempo, as criações tintas ganharam espaço.

Muito por conta do que os produtores têm feito com a Baga, casta autóctone da região. O grande responsável pelo fortalecimento internacional da região é o engenheiro Luís Pato. Conhecido como o Mr. Baga, Pato tem um trabalho minucioso sobre as uvas, tudo para conseguir um vinho autêntico com o mínimo de interferência externa. A uva Baga, uma das principais uvas nativas de Portugal, é capaz de oferecer enorme complexidade aos rótulos que compõe.

Demonstrando muita classe e estrutura, a variedade da casta de tintos é única no seu valor e possui um fantástico potencial de envelhecimento, que atua com o vinho na garrafa durante anos após sua fabricação. Além de refinados e inimitáveis, os vinhos produzidos com esta variedade de uva apresentam muita personalidade e distinção. No passado, a Baga era conhecida por ser empregada na produção de vinhos rústicos, excessivamente ácidos e tânicos e de pouca concentração. Porém, após a chegada do genial Luís Pato, conhecido como o “revolucionário da Bairrada” e maior expoente desta variedade, a casta da uva Baga foi “domesticada”.

A localização da DOC Bairrada e suas características de clima e solo fazem dela uma região única. Paralelamente, o plantio das vinhas é feito em lotes descontínuos de pequenas proporções e faz divisa com outras culturas e outros usos de solo. Com isso, seus vinhos são de terroir, ou seja, o local onde a uva é plantada influencia diretamente em suas particularidades. Delimitada a Sul, pelo rio Mondego, a Norte pelo rio Vouga, a Leste pelo oceano Atlântico e a Oeste pelas serras do Buçaco e Caramulo, a região é composta por planalto de baixa altitude.

O solo é predominantemente argilo-calcário, mas há algumas poucas regiões com solos arenosos e de aluvião. O clima é mediterrânico moderado pelo Atlântico. A região recebe forte influência marítima do oceano Atlântico. Os invernos são frescos, longos e chuvosos e os verões são quentes, suavizados pela presença de ventos frequentes nas regiões junto ao mar. A área se beneficia de grande amplitude térmica na época do amadurecimento das uvas. A variação que pode chegar aos 20ºC de diferença entre o dia e a noite.

O Decreto-Lei n.º 70/91 estabeleceu as castas autorizadas e recomendadas para produção de vinhos na DOC Bairrada. A lei descreve as diretrizes para elaboração dos vinhos tintos, rosés, brancos e espumantes. Para a produção de tintos e rosés com o selo DOC Bairrada, as castas recomendadas são Baga (ou Tinta Poeirinha), Castelão, Moreto e Tinta-Pinheira. No conjunto ou separadamente, deverão representar 80% do vinhedo, não podendo a casta Baga representar menos de 50%. As castas autorizadas são Água-Santa, Alfrocheiro, Bastardo, Jaen, Preto-Mortágua e Trincadeira.

Para os vinhos brancos as castas recomendadas são Maria-Gomes (também conhecida como Fernão Pires), Arinto, Bical, Cercial e Rabo-de-Ovelha, no conjunto ou separadamente com um mínimo de 80% do encepamento: e as autorizadas são Cercialinho e Chardonnay. O vinho base para espumantes naturais devem ser elaborados através das castas recomendadas Arinto, Baga, Bical, Cercial, Maria-Gomes e Rabo-de-Ovelha; ou das autorizadas Água-Santa, Alfrocheiro-Preto, Bastardo, Castelão, Cercialinho, Chardonnay, Jean, Moreto, Preto-Mortágua, Tinta-Pinheira e Trincadeira.

Em 2012 foi publicada a Portaria n.º 380/2012, que atualiza a lista de castas permitidas para elaboração dos vinhos DOC Bairrada.  Foi incluída recentemente uma autorização para o cultivo das castas internacionais Cabernet Sauvignon, Syrah, Merlot, Petit Verdot e Pinot Noir e das portuguesas Touriga Nacional, Castelão, Rufete, Camarate, Tinta Barroca, Tinto Cão e Touriga Franca. Vinhos elaborados com castas que não estejam relacionadas no Decreto-Lei, não podem receber o selo de DOC Bairrada e são rotulados com o selo Vinho Regional Beira Atlântico.

E agora finalmente o vinho!

Na taça apresenta um vermelho rubi intenso, púrpura, de cor reluzente e bonita, com lágrimas finas, em profusão e ligeiras.

No nariz traz razoável destaque de frutas vermelhas frescas como framboesa, morango, com discretas notas amadeiradas, devido aos três meses de passagem por barricas de carvalho, além de baunilha e algum toque floral.

Na boca é saboroso, meio seco, é elegante, redondo, alcoólico, que traz certo volume de boca e personalidade, mas não compromete o conjunto, tendo taninos sutis e domados, com acidez equilibrada, notando-se também a fruta vermelhas e a madeira, discretamente, proporcionando a sensação de café. Tem um final com um leve dulçor, típico da Baga e curto.

Com inverno ou sem inverno, com promoção ou sem promoção, o Casal Mor Reserva simplesmente surpreendeu! E estamos acostumados a ouvir e até ver por aí sendo ofertados os poucos vinhos da Bairrada a preços estratosféricos e esse rótulo a um preço 10 vezes menor, em alguns casos, é, repito, simplesmente surpreendente. É um vinho fácil de degustar, equilibrado e redondo, o tempo lhe foi gentil e generoso, afinal já exibe cinco anos de vida, mas não se engane que esteja apenas elegante, mas com personalidade, graças também ao blend que, convenhamos, é avassalador, com Tinta Roriz trazendo a estrutura, a Baga complexidade e a Touriga Nacional as notas frutadas e florais. Surpreendente! Tem 13% de teor alcoólico.

Sobre as Caves Primavera:

As Caves Primavera foram fundadas em 1944 por dois irmãos, Lucénio e Vital de Almeida. A empresa começou como Vinícola Primavera, chamava-se Vinícola precisamente porque não possuía uma cave, e as suas primeiras instalações foram no centro da aldeia de Aguada de Baixo, a sensivelmente 800 metros das instalações atuais.

A história das Caves Primavera só foi possível devido ao esforço, dedicação e trabalho de dois grandes homens, os irmãos Lucénio e Vital de Almeida. Os fundadores iniciaram a sua atividade desde muitos jovens. Lucénio e Vital de Almeida eram homens sérios, confiantes, com enorme dedicação e que faziam uma dupla fortíssima. Sempre motivados pelos seus sonhos, conseguiram fazer com que o nome Primavera estivesse associado a algo mais do que apenas a estação do ano. Foram homens de bem, únicos, humildes, benfeitores da região, que nunca serão esquecidos.

Dois homens, Lucénio e Vital Rodrigues de Almeida foram e serão sempre os principais responsáveis pelo sucesso das Caves Primavera. Foram eles que levantaram voo e iniciaram um novo ciclo no mundo dos vinhos e deram uma nova dimensão à expressão “aí vem a Primavera”.

Primeiramente a atividade centrou-se na produção de vinhos tranquilos (inicialmente até era dedicada à produção de “pirolitos” que era uma bebida não alcoólica, com uma esfera de vidro a servir de tampão). À medida que foi crescendo, passou a diversificar a sua atividade e a necessitar de um espaço maior. Em 1954 foram inauguradas as instalações atuais, e a empresa incorporou a produção e comercialização de espumantes e licores.

A empresa passou então por uma fase de grande crescimento: alargamento da cave e a automatização de processos nos anos 1970, onde a empresa cresceu muito graças ao desenvolvimento das ex-colónias, tendo já uma vertente exportadora que se acentuou a partir de 1975, com a independência dos atuais Palops; modernização da empresa, com anos de grande fulgor comercial e aposta nos produtos engarrafados nos anos 1980; inauguração do centro de vinificação nos anos 1990, onde hoje é produzida a totalidade dos produtos Bairrada e Beiras que é comercializado e onde decorre anualmente a vindima entre Setembro e Outubro de cada ano.

Nos últimos anos foram realizadas pequenas alterações ao layout da empresa, acrescentando inovações em áreas essenciais – laboratório, zona de enchimento, equipamentos para degorgment, obtendo a certificação de qualidade da norma ISO 9001 (primeira certificação em 1999, hoje em dia certificados na norma ISSO 9001:2015), consolidando, com isso, o crescimento nos mercados externos, com destaque para os mercados escandinavos. A exportação representa atualmente cerca de 40% da nossa faturação total.

Mais informações acesse:

https://www.cavesprimavera.pt/

Referências:

Mistral: https://www.mistral.com.br/regiao/bairrada

Reserva85: https://reserva85.com.br/vinho/indicacao-geografica-ig-denominacao-de-origem-do/regioes-demarcadas-de-portugal/bairrada/

 

 

 

 

 








quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Terra do Vinho Cabernet Sauvignon 2017

 

Sempre ouvi que para degustar um rótulo com a conhecida “rainha das uvas tintas”, a Cabernet Sauvignon, tem que ser na “versão” encorpada, amadeirada. Esses são, na visão da maioria, os melhores rótulos com a Cabernet Sauvignon.

Respeito a opinião alheia, afinal, todos têm a sua visão particular, a sua percepção do vinho, onde a opinião pode ser divergente de um mesmo vinho, de uma mesma safra. Isso é salutar, mas tem certas visões, opiniões que vagam por aí, principalmente pelas redes sociais, que assumiram um caráter de tabu.

E tabu definitivamente tem de ser quebrado, a famosa quebra de paradigma que devemos ter no universo, por vezes, conservador e até intolerante do vinho. Há algum tempo atrás ouvi de um formador de opinião que o Malbec, por exemplo, tem de ser encorpado, amadeirado e que esta proposta revela a identidade, o DNA, como ele disse, da cepa na emblemática região argentina de Mendoza.

E citou o vinho que estava expondo (na realidade, além de formador de opinião, ele possui algumas lojas de vinhos em São Paulo, muito conhecidas, inclusive) o tradicional Catena que trazia essa proposta de Malbec mais encorpado.

Aquilo me inquietou e decidi subverter e procurar Malbecs sem passagem por barricas de carvalho e focado mais na fruta, na essência, sem tanta intervenção ou o mínimo possível. Encontrei alguns rótulos e tive uma surpresa positiva acerca da qualidade, da tipicidade deles.

Sim! É possível! Claro que a missão é mais difícil, afinal, o marketing é muito forte, quase inquisitivo para que se deguste um Malbec, um Cabernet Sauvignon amadeirado, encorpado, logo caro. O mercado brasileiro está cheio deles! E isso acabou por firmar uma cultura, diria, equivocado, pois, penso, há outras propostas de vinhos com essas variedades que pode entregar o que a gente espera ou mais!

Então quando estava a pensar em enveredar na aventura, na missão de encontrar alguns Cabernets com uma proposta mais direta, de um vinho jovem, sem passagem por barrica de carvalho, um rótulo chegou a mim, não fui até ele.

E foi, mais uma vez, um carinho presente do amigo Luciano Feliputti, da loja Pemarcano Vinhos, especializada em vinhos da tradicional região paulista de São Roque. Então, com essa generosa cortesia, além da aventura de degustar um Cabernet Sauvignon mais despretensioso, sem madeira e que entregava um toque mais frutado, priorizando a essência da variedade, algumas “estreias” também viria a acontecer.

Será minha primeira experiência de um Cabernet Sauvignon da região de São Roque. Não vou tecer maiores comentários sobre a região em questão, pois felizmente tenho tido algumas experiências com vinhos da região, mesmo que embora recentes, mas especiais. Não há como esconder a alegria de degustar vinhos de pequenos produtores brasileiros, porém de uma região gigante em sua história para a vitivinicultura nacional.

Então sem mais delongas, vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio, como disse, de São Roque e se chama Adega Terra do Vinho, um 100% Cabernet Sauvignon da safra 2017. E como disse que São Roque está mais presente em minha vida enófila, direi que tive o privilégio de já ter degustado um rótulo deste produtor e, claro, gostei muito. Foi o Genuíno Carménère da safra 2017. E, por uma grata coincidência, fora a minha primeira experiência com um Carménère brasileiro o que ainda não é comum em nossas terras. Então antes dos detalhes do vinho sigamos com a história de São Roque, que é uma maravilha à parte.

São Roque: A terra do vinho!

A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de 1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns anos após a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em 1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.

Na região de São Roque, podem-se identificar referências à vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII. Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade, através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e por fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.

Portanto realmente não se podem esperar grandes referências desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.

Outro fator que pode ter influenciado e não ter feito prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de então, que era a descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância econômica para a metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira a uva e o vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos colonizadores.

Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838, quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras. Em março de 1846, seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a passagem de Dom Pedro II, Antônio Joaquim começou a se destacar no cenário político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de cidade no dia 22 de abril de 1864.

Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865, quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do vinho.

Dr. Eusébio Stevaux

Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884, começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.

O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França), curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.

Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:

1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas, plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para consumo próprio.

2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense, ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro (talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na região de São Roque);

3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950: processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e desempenho melhores.

Podemos dividir esta fase primeiramente num período de início do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a massificação da produção entra num processo de decadência.

4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de 1980). São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”, sendo que os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas) fabricam seu vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras partes do Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).

Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.

E agora finalmente o vinho!

Na taça dispõe de um vermelho intenso, escuro, com tonalidades arroxeadas que marcam no bojo do copo, com lágrimas grossas, lentas e em média intensidade.

No nariz traz aromas intensos de frutas vermelhas bem maduras, algo herbáceo e notas de especiarias, aquele típico pimentão, mas sentido de forma discreta.

Na boca é seco, redondo, equilibrado, leve, a fruta madura é percebida, como no aspecto olfativo, conferindo-lhe sabor e ainda alguma jovialidade, graças também a boa acidez, com taninos delicados e domados, além de toques vegetais, de terra molhada. Tem um final cheio e prolongado.

A minha primeira experiência com um varietal da casta Cabernet Sauvignon, da cidade de São Roque, trouxe algo óbvio, pelo menos para mim: Que vinho, na multiplicidade de suas propostas e nuances, não podem ser tipificados por “pior”, ou “melhor,” entre si. Não há como comparar um Catena, com passagem por madeira, com aquele Malbec sem passagem por barrica, não porque o Catena seja infinitamente melhor, mas porque não possuem as mesmas propostas. E assim o é com o Terra do Vinho Cabernet Sauvignon. Não se pode comparar com os chilenos Gran Reserva, por exemplo, que passam por madeira. Terra do Vinho Cabernet Sauvignon entrega aromas de frutas vermelhas, um toque vegetal discreto, notas de especiarias, tudo o que um Cabernet Sauvignon, no ápice de sua essência pode entregar. Tem 12,5% de teor alcoólico.

Sobre a Adega Terra do Vinho:

Em meados de 1966, a família Oliveira Santos decidiu dedicar-se a sua grande paixão: o Mundo do Vinho e abriu a Cantina Vieira Santos.

Empenho, dedicação e amor eram palavras de ordem dos irmãos, especialmente para o Moacyr. A Cantina cresceu, mudou e hoje se chama Adega Terra do Vinho. Como patriarca, certamente o Moacyr não imaginou que seu trabalho chegaria tão longe com o mesmo espírito e garra.

Sr. Moacyr

A paixão pelos vinhos fez nascer a pequena Adega do Moacyr com seus vinhos artesanais. Hoje a adega cresceu, mas continua trazendo, em cada garrafa, a mesma paixão.








sábado, 6 de agosto de 2022

Don Giovanni Nature

 

Quando falamos em referência, excelência em espumantes, não há como negligenciar a qualidade dos espumantes brasileiros. Isso parece ser um senso comum entre os enófilos e talvez não convém aprofundar no assunto que já não cabe, inclusive discussões, a não ser de cunho histórico e outras análises mais contemporâneas como panorama mercadológico etc. No fim das contas a discussão sempre vem à tona, independentemente do prisma que ela assumiria.

Mas eu gostaria de falar, primordialmente, na qualidade de nossos espumantes que atualmente está em plenas condições de rivalizar com os rótulos emblemáticos borbulhantes que estão espalhados pelo planeta, vide: Prosecco, na Itália, Cavas, da Espanha, e ele: o Champanhe, na França.

Não quero aqui criar essas polêmicas que visa mais o embate intolerante do que afirmações de qualidade de cada espumante, de cada região, de cada proposta, mas enaltecer, de certa forma, o panorama favorável de tipicidade, de valorização da cultura do terroir de cada região em que os espumantes são concebidos.

E os nossos rótulos, em todas as camadas de propostas, estão dando um verdadeiro show e entregam perfeitamente o que se espera de um espumante, de cada região de forma plena e sincera.

Embora os preços, altos, ainda sejam um triste entrave para um acesso democrático dos espumantes aos brasileiros, aos brasileiros de todas as camadas sociais. O custo Brasil, a carga tributária e da ganância de alguns comerciantes dão conta desse cenário.

Costumo, diante disso, dizer que só faltam os brasileiros conhecerem os vinhos brasileiros, mas os brasileiros de todas as camadas sociais, indistintamente e não apenas a classe aristocrática que usa vinho para status social e que, formadores de opinião que são, demagogicamente difunde a democracia do vinho, da cultura do vinho entre os brasileiros. Revoltante!

Eu até gostaria de fazer uma espécie de mea-culpa e admitir que não degusto, como deveria, mais espumantes. Mas tenho algum histórico de bons espumantes e, aos poucos, venho criando um, como costumam dizer, “minutagem” de espumantes nacionais, em especial.

Porém, claro e evidente, percebo que há um longo caminho a ser percorrido, sobretudo que as propostas são infinitas! O universo do vinho, como sempre digo e não me cansarei de dizer, é vasto e infinito.

E o espumante de hoje é de uma vinícola que conheci há pouco tempo e, pela proposta do rótulo, um “Nature”, produzido pelo método tradicional e que, pelo preço bem atraente, valeu a aquisição. Falo da Don Giovanni. Uma vinícola que conheci um programa de televisão, que passa no antigo Canal Globosat que hoje se chama “Mais na Tela”, chamado “Vinhos BR” que, claro, fala de alguns dos principais produtores de vinho do Brasil. Naveguei em seu site e encontrei esse espumante que não demorei muito em degustar.

O vinho que degustei e gostei vem da emblemática região de Pinto Bandeira, no velho Rio Grande do Sul, e se chama Don Giovanni Nature composto pelo blend Chardonnay (75%) e Pinot Noir (25%) e não é safrado. E com esse rótulo, diga-se de passagem, excelente, vem algumas novidades, pelo menos para mim: “Nature”. Vamos tecer a história e conceito de cada um e falar, claro, um pouco também da história de Pinto Bandeira.

O método natural do espumante ou champenoise

O método tradicional consiste principalmente em uma dupla fermentação do mosto, a primeira em grandes recipientes, e a segunda em garrafas, dentro das caves ou adegas, fazendo o processo de remuage (rotação das garrafas) regularmente.

A primeira fermentação, chamada fermentação alcoólica, é idêntica à que ocorre com os vinhos comuns, ou seja, os “não efervescentes”, ditos tranquilos. O vinho básico costuma ser vinificado em tanques de concreto, aço inoxidável ou madeira, mas alguns produtores preferem fazer a vinificação em barricas de carvalho (com muitos anos de uso).

No momento de engarrafar, a esse vinho básico, é acrescentado um composto denominado liqueur de tirage, uma solução de vinho adoçado com açúcar (de cana ou beterraba) ou suco de uva concentrado (aproximada 24 g/l de açúcar) e leveduras selecionadas, para iniciar a segunda fermentação.

Esse composto, dentro garrafa, provoca o início da segunda fermentação. É ela que gera as bolhas de dióxido de carbono, fruto da transformação química dos açúcares em álcool mais gás carbônico.

A garrafa então é tapada com uma cápsula metálica parecida com as de cerveja. Contudo, nessa segunda fermentação, ocorre o surgimento de borras que deverão ser retiradas do vinho. Assim, o próximo passo é conduzir o vinho para o período de descanso em garrafa, que pode ser de pouco mais de um ano chegando até 10 anos, ou mais. Normalmente os Champagne safrados, ou millésimes, permanecem mais tempo em garrafa antes de serem lançados ao mercado.

Para retirar as borras, faz-se a remuage. O processo consiste em dispor as garrafas em cavaletes especiais, ditos pupitres, com o gargalo para baixo. A cada dia, as garrafas são giradas em um quarto de volta. Isso tem como objetivo descolar as borras (resíduos) da parede da garrafa e fazê-las descer para o gargalo. Em muitos lugares, essa prática é feita ainda manualmente, enquanto os grandes produtores já o fazem com equipamentos automatizados, como os giropalets.

Finalmente, para retirar o depósito de borra, é realizada a degola (dégorgement, em francês). Para tal, congela-se o gargalo em um preparado de salmoura a 25ºC negativos. Nesse momento, a cápsula é retirada e a borra é expulsa pelo gás sob pressão. A pequena perda de volume de vinho é substituída por uma mistura de vinho e açúcar, chamado licor ou vinho de dosagem, também conhecido, principalmente na França, como liqueur d’expédition.

Normalmente, esse licor é um composto de vinho (de reserva), açúcar e SO2, como antioxidante e antimicrobiano. Sua função, além de recompor o volume da garrafa, é definir o estilo do espumante conforme a concentração de açúcar. Essa quantidade de açúcar presente no licor vai determinar se o espumante de método champenoise será Brut Nature (menos de 3 g/l), Extra-Brut (até 6 g/l), Brut (menos de 12 g/l), Extra-Sec (entre 12 e 17 g/l), Sec (entre 17 e 32 g/l), Demi Sec (entre 32 e 50 g/l) ou Doux (mais de 50 g/l). E há também alguns produtores que não utilizam o licor de expedição.

Nos últimos anos, muitas vinícolas passaram a produzir espumantes do tipo Nature. Essa bebida nobre extrai o sabor mais puro das uvas e do processo de fermentação, criando um resultado surpreendente.

Nature

O Nature passa pelo método tradicional de produção, conhecido como champenoise. Contudo, a diferença é que a categoria não passa pela etapa de correção de sabor – momento em que um licor de expedição, feito a partir do próprio vinho e do açúcar, é adicionado na bebida.

O interessante desse espumante é que ele geralmente vai ter uma qualidade maior de ingredientes. Como não passa pela correção de sabor, é importante que seja feito com perfeição.

Para ganhar o título de Nature, a bebida precisa conter até 3 gramas de açúcar por litro, enquanto o Brut pode conter entre 6 e 15 gramas por litro. Por isso, o sabor do espumante é mais seco. O tempo de maturação do vinho também é maior, o que resulta em um volume de boca considerável. Ou seja: é mais cremoso do que os outros estilos. Normalmente as variedades utilizadas para esse tipo de espumante é a Chardonnay e a Pinot Noir.

Pinto Bandeira

Primórdios

O fenômeno migratório europeu ao território americano que caracteriza no final do século XIX e o início do século XX está ligado a transformações sociais, políticas e econômicas da época em ambos os continentes. No que diz respeito à imigração italiana ao sul o Brasil pode-se afirmar que, na Itália, a população experimentava as consequências da revolução industrial, caracterizada pelos altos impostos e pelo desemprego e, no Brasil, mais especificamente no Rio Grande do Sul, onde a maior parte do território era desabitada e a mão-de-obra era basicamente escrava, a imigração representava a real possibilidade de superação de tais problemas.

O porto de Gênova, ao norte da Itália, era o local da partida. A travessia, que durava pouco mais de um mês, era feita em navios sobrecarregados. Chegavam ao Rio de Janeiro e, após a quarentena na Casa dos Imigrantes, os viajantes eram transportados a vapores até Porto Alegre, numa viagem de mais ou menos dez dias. Ao chegarem eram alojados em construções precárias ou dormiam nas ruas e praças próximas ao porto. Da capital gaúcha seguiam em pequenas embarcações para Montenegro, São Sebastião do Caí e Rio Pardo. A viagem até a serra era feita em dois ou três dias, a pé, no lombo de cavalos ou em carretas, por intermédio de estreitos caminhos abertos, por eles mesmos, na densa mata.

No ano de 1876 instala-se em Pinto Bandeira o primeiro grupo de italianos. De posse de seus lotes e instrumentos de trabalho, separados das famílias vizinhas pela densa mata, era necessário enfrentar as adversidades: iniciar o desmatamento, construir a provisória casa e realizar os primeiros plantios. Até o ano de 1880, vários grupos chegaram ocupando terras localizadas na Linha Jansen, na Linha Jacinto e na Linha Silva Pinto, hoje Linha Anunciata. E com os italianos, vieram também a cultura do cultivo.

Em 1º de maio de 1902, Antônio Joaquim Marques de Carvalho Júnior, Intendente do município de Bento Gonçalves, em conformidade com o artigo 14 da Lei Orgânica Municipal, decretou a mudança do nome da localidade. A partir desta data, de Silva Pinto passa a chamar-se Nova Pompeia.

O nome Nova Pompeia foi alterado para Pinto Bandeira pelo Decreto nº 7.842, de 30 de junho de 1938, quando às vésperas da deflagração da Segunda Guerra Mundial, foi proibida a língua italiana no país e, consequentemente, todos os nomes de origem italiana foram abolidos. Assim, em homenagem ao militar rio-grandense Rafael Pinto Bandeira, o distrito passa a denominar-se Pinto Bandeira.

Pinto Bandeira foi emancipado de Bento Gonçalves em 16 de abril de 1996 pela Lei Estadual nº 10.749/1996. As primeiras eleições ocorreram em 1° de outubro de 2000, elegendo como prefeito Severino João Pavan. A instalação do Município deu-se em 1º de janeiro de 2001. Em 2003, uma liminar do STF, determinou a que Pinto Bandeira retornasse à condição de distrito de Bento Gonçalves.

Em 30 de junho de 2010, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a localidade recuperou novamente sua autonomia política. As eleições municipais aconteceram em 07 de outubro de 2012. João Feliciano Menezes Pizzio foi eleito prefeito. Em 1º de janeiro de 2013, o Município foi reinstalado.

Outro fato histórico ocorreu em Pinto Bandeira: a Indicação de Procedência (IP) de vinhos tranquilos e espumantes, reconhecida em 2010. O município tem ganhado projeção nacional e internacional pela produção de excelentes espumantes. A Indicação de Procedência garante que no mínimo 85% das uvas devem ser produzidas na área delimitada - que compreende os municípios de Pinto Bandeira, Farroupilha e Bento Gonçalves. Junto com a experiência e habilidade dos produtores da região, Pinto Bandeira se destaca, no Brasil e fora dele, pela sua produção de vinhos e espumantes.

A altitude de Pinto Bandeira, cerca de 800 metros, é praticamente o dobro do Vale dos Vinhedos. Os terroirs também são muito semelhantes. Há mais morros e menos regiões planas. Com isto, o sol beneficia mais as encostas nas faces norte. Algumas vinícolas têm seus vinhedos nas faces norte, mantêm as matas nas faces sul, tornando a região um pouco mais úmida.

As castas de uvas plantadas são as mesmas utilizadas no Vale dos Vinhedos e toda a região. Para os tintos, as francesas Cabernet Sauvignon, Merlot, Malbec, Tannat, Carménère e algumas italianas, Sangiovese e Montepulciano. Para os espumantes Chardonnay e Pinot Noir. O terroir é propício às experimentações, e alguns viticultores cultivam várias e diferentes castas.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um amarelo palha intenso e brilhante que parece tender para o ouro, límpido com perlages finos e intensos.

No nariz tem intensos aromas de frutas brancas e cítricas, além de aromas provenientes da maturação, com 24 meses em contato com as leveduras antes da degola (Dégorgement) que remetem ao pão tostado, pão com manteiga, panificação mesmo, com notas delicadas de flores, que traz uma agradável sensação de frescor e leveza.

Na boca é seco, não faz nenhuma concessão ao dulçor, o que me agrada, com certa austeridade e complexidade, mas que, ao mesmo tempo entrega frescura, refrescância, com cremosidade, untuosidade que enche a boca, conferindo-lhe textura firme, com uma acidez instigante e que saliva a boca, com as notas frutadas e um final incrivelmente prolongado que lembra limão, laranja e fermento.

Práticas naturais, sustentáveis, quase rústicas reverberam a necessidade de originalidade, de expressão máxima de terroir, trazendo novidades calcadas em preceitos antigos, ancestrais. O nosso espumante definitivamente se firmou como uma bebida nossa, com tipicidade e mesmo que tragam métodos de vinificação da França, berço da vitivinicultura mundial, o Brasil, no que tange aos seus borbulhantes, vem se destacando como um dos melhores produtores deste vinho no planeta. E a Don Giovanni, com a sua veia tradicional, o seu know how e respeito ao terroir de Pinto Bandeira, revela, sintetiza essa grata realidade que, um dia, espero, que se mostre a todos os brasileiros, indistintamente, difundindo a cultura do nosso mais emblemático vinho. Tem 12,6% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Don Giovanni:

Em 1827 chegou ao Brasil o imigrante italiano Karl Dreher. Um de seus filhos, Carlos Dreher Filho, em 1910 iniciou no porão de sua casa, em Bento Gonçalves, a produção de vinhos tintos. Depois de uma viagem à Europa, com conhecimentos adquiridos, iniciou e tornou-se um dos pioneiros na produção do vinho branco na região.

Em 1950 surgiu o famoso Conhaque Dreher, produzido a partir da destilação do vinho. Foi um grande sucesso e logo passou a ser consumido em todo Brasil. Em 1970 a transmissão pela TV da Copa do Mundo do México, em que o Brasil se sagrou Tricampeão do Mundo, teve o patrocínio do Conhaque Dreher – “De pai para filho, desde 1910! ”

Em 1973, já com a proibição de utilização da denominação de origem controlada Cognac, a empresa foi vendida para a americana Heublin, que comprou também na mesma época a Drury’s e a Old Eight. O local onde hoje está instalada a Don Giovanni era um centro de experimentação e desenvolvimento de uvas viníferas e vinificação.

Em 1980 Beatriz Dreher Giovannini e seu marido Ayrton Giovannini recompraram a propriedade e transformaram em um lugar de veraneio. Estavam ali lembranças de sua infância.

Algum tempo depois decidiram voltar a produzir vinhos. Reformaram toda a propriedade e transformaram a casa principal em uma pousada. No entorno da casa estão ainda os vinhedos de 60 anos, de uvas americanas, utilizadas na produção do Conhaque Dreher.

Beatriz recuperou a receita antiga de família, e voltou a produzir com as mesmas uvas, um brandy excepcional, que pode ser degustado na visita à vinícola. Com mais de 50 hectares, sendo 14 de vinhedos, na sua maioria Pinot Noir e Chardonnay.

A elaboração de espumantes representa 80% da produção da vinícola. Os espumantes são elaborados pelos métodos tradicional (champenoise) e Asti. O foco da vinícola está nos espumantes produzidos pelo método tradicional, que maturam por diferentes tempos. A produção anual gira em torno de 100.000 garrafas.

A cave foi transformada em enoteca, onde são guardados vinhos desde a safra de 1990. Atualmente, a Vinícola Don Giovanni conta com 5 degustações, algumas realizadas dentro da cave, um local cheio de história. Além das experiências de degustação a vinícola conta com experiências gastronômicas no Restaurante Nature Vinho e Gastronomia.

Mais informações acesse:

https://www.dongiovanni.com.br/

Referências:

Blog do Milton: http://www.blogdomilton.com.br/post/br/2017-12-viagens-vinhos-historia-pinto-bandeira-rio-grande-do-sul

Revista Adega: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/champenoise-tradicional-ou-classico-os-metodos-de-fazer-champagne_11987.html

Site da Prefeitura Municipal de Pinto Bandeira: https://www.pintobandeira.rs.gov.br/secao.php?id=2

Site Vinho Brasileiro: https://vinhobrasileiro.org/enoturismo/ip-regiao-de-pinto-bandeira

Embrapa: https://www.embrapa.br/uva-e-vinho/indicacoes-geograficas-de-vinhos-do-brasil/ig-registrada/ip-pinto-bandeira

Portal bom Vivant: https://www.portalbonvivant.com.br/post/2018/12/12/espumante-nature-apresentamos-quatro-sugest%C3%B5es-que-vale-a-pena-voc%C3%AA-provar

Gaúcha ZH: https://gauchazh.clicrbs.com.br/destemperados/bebidas/noticia/2017/10/nature-um-espumante-puro-ckboenhcu004dmmslca2k2gtc.html