sábado, 20 de março de 2021

Carte Noire Malbec e Merlot 2013

 

A Malbec é da Argentina! É inegável! Podem parar! Engana-se quem pensa isso! Claro que os grandes rótulos dessa importante cepa são argentinos, atualmente são os melhores e maiores produtores de vinhos da casta Malbec do mundo. E já vem de algum tempo, diga-se de passagem. Mas a França tem a paternidade da Malbec e guarda, em suas terras, histórias emblemáticas que envolvem os extremos de momentos de glória e tragédia, tendo a própria Argentina exercendo um protagonismo no caminho da Malbec que culminou com o sucesso dos dias contemporâneos. Porém, admito que, em um passado razoavelmente distante, eu também desconhecia essa história e atribuía, diante ápice da minha insegurança, que a Malbec era dos hermanos.

A Malbec tem as suas origens em uma região chamada Cahors, no sudoeste francês e que fica muito próximo a mais conhecida das regiões vitivinícolas daquele país, Bourdeaux. Não me recordo quando descobri que a casta pertencia a região francesa de Cahors, sequer conhecia a existência desse local na França. Provavelmente foi uma descoberta de forma mais despretensiosa do mundo, garimpando outras informações. Quando descobri foi muito relevante, levando em consideração a importância que a história do vinho tem para mim e me pus a ler, a descobrir rótulos disponíveis para venda aqui no Brasil.

Depois da intensa leitura sobre Cahors, decidi buscar vinhos da casta Malbec dessa região, como um bom enófilo ávido por novidades e experiências sensoriais agradáveis comecei a procurar e percebi que a oferta não é muito grande e os poucos rótulos disponíveis são muito caros para a minha realidade econômica. Pensei, um tanto quanto frustrado: Jamais terei a alegria, o prazer de degustar um Malbec de Cahors! Parecia muito distante das minhas possibilidades. Após essa triste constatação decidi esquecer e não procurar mais rótulos e tão pouco ler sobre a região francesa de Cahors. Queria abstrair de minha mente.

Porém a vida parece lhe conceder oportunidades e navegando o site de uma conhecida loja virtual de venda de vinhos, mais uma vez despretensiosamente, procurando vinhos aleatoriamente, eis que, diante de meus olhos que, incrédulos, testemunhou um vinho da região de Cahors, um corte de Malbec e Merlot, a um preço extremamente competitivo, atraente, em comparação aos valores que tinha pesquisado quando havia conhecido a região francesa. Na realidade foi um misto de animação e receio: como um vinho dessa região custar tão pouco em comparação com os outros vinhos da região disponíveis para venda no Brasil? Muita coisa passou pela minha cabeça, as perguntas ecoavam de forma insistente, mas necessária: seria bom esse vinho? Por que é tão barato? Fiz como sempre algumas pesquisas sobre o rótulo, não tinham muitas referências sobre o mesmo, além do próprio site da loja virtual e, diante da situação que se descortinava diante dos meus olhos, resolvi arriscar e comprar o vinho que estava na faixa dos R$ 49,90!

Decidi, quando da chegada do vinho, não levar muito tempo para degusta-lo até porque a safra do mesmo é ano de 2013, com 8 anos de vida! Outro fator admito, que me chamou atenção, o tempo de safra do vinho. Adoro esses vinhos evoluídos! Eis então que o momento tão esperado chegou! Estou radiante, inspirado, a começar pelas linhas que constroem essa resenha. Finalmente degustarei um vinho do berço da Malbec, Cahors. O ritual foi fielmente seguido para dar um ar de celebração ao momento tão especial. A rolha se desprende da garrafa e a bebida inunda a taça e...voilá! Inacreditável! Soberbo! Que vinho especial, quanta diferença, a Malbec em sua diferente percepção em relação a fama que adquiriu do outro lado do oceano, nas terras argentinas. O vinho que degustei e gostei veio da região de Cahors, na França e se chama Carte Noire, um AOC (Appellation d'origine contrôlée) que é o equivalente ao DOC (Denominação de Origem Controlada), com o corte das castas Malbec (80%) e Merlot (20%) da safra 2013. E como a história não pode faltar e foi com ela que cheguei a este rótula, vamos falar um pouco de Cahors.

Cahors, o berço da Malbec

De Cahors na França vem a famosa uva Malbec muito plantada na Argentina e hoje uva símbolo de lá.  Mas ela não é argentina. A uva Malbec é alóctone da Argentina e autóctone de Cahors. Sim Cahors é o seu verdadeiro berço, onde ela nasceu e recebeu o nome de Côt. Pelo que contam os registros de época, as primeiras plantações de Malbec, uva conhecida na região como “Côt” datam de 92 d.C. O vinho é frequentemente citado como o mais antigo da Europa e foi conhecido devido a sua cor intensa como o vinho “negro” de Cahors. Os vinhos de Cahors desde a idade média são longevos e escuros com forte personalidade. As plantações ocupam atualmente cerca de 4.300 hectares, sendo a produção máxima permitida de 50 hectolitros por hectare.

Na região, a uvas permitidas para vinhos tintos são a Côt (Malbec), a Tannat, a Cabernet Franc e a Gamay em Coteaux du Quercy. Cahors permanece com a marca da antiga Côt que se revela em personalidade forte insistente, arrojada e com expressão mais rústica, compensando em longevidade. Oferece assim, robustez, estrutura e boa guarda. A uva é liberada para os cortes de Bordeaux, mas pouco utilizada por lá, hoje em dia.A região de Cahors fica a cerca de 230 KM de Bordeaux no departamento de Lot, na região Sud-Est da França fazendo fronteira com o departamento da Dordogne.

Cahors

Cahors sofreu forte influência de seu poderoso vizinho, Bordeaux, em sua dramática história. O vinhedo foi criado pelos romanos e, durante a Idade Média, seu prestígio teve expressivo crescimento. O casamento de Eleanor de Aquitânia com Henrique II, rei da Inglaterra, abriu as portas do grande mercado consumidor inglês, antes dominado pelos vinhos de Bordeaux. No entanto, os poderosos produtores e comerciantes bordaleses, sentindo-se ameaçados, mobilizaram-se para pressionar Londres e conseguiram arrancar do rei da Inglaterra alguns privilégios exorbitantes, o que resultou num duro golpe para os produtores gascões. Além de sofrerem pesada taxação, os vinhos do sudoeste só podiam chegar à capital inglesa depois que toda a produção bordalesa estivesse vendida. Tal regra durou cinco séculos (foi interrompida apenas em três curtos períodos) e o vinho da região sentiu o golpe. Esta conduta só foi abolida em 1776, pelo liberal ministro de finanças de Luís XVI, Jacques Turgot, quando se iniciou um novo ciclo dourado dos fermentados de Cahors. Apesar da Revolução Francesa e das guerras do Império já no século XIX, 75% do vinho da região era exportado e um terço das terras agriculturáveis eram dedicadas à vinha, que cobria a impressionante área de 40 mil hectares. A região enfrentou bem a praga do oídio (de 1852 a 1860) e a superfície plantada subiu ainda mais, chegando a 58 mil ha. Para se ter uma ideia da queda que viria mais tarde, a área do vinhedo de Cahors hoje é de apenas 4.200 ha. Mas o território teve pior sorte ao enfrentar a filoxera no final do século XIX. Como se sabe, todos os vinhedos atacados no mundo tiveram de ser replantados, desta vez, de forma enxertada. Então, as vinhas de Malbec reagiram muito mal a esta nova situação, dando origem a fermentados medíocres, com qualidade muito abaixo da que tinha anteriormente. Apenas no final dos anos 1940, depois de muita pesquisa, chegou-se ao clone 587 da Malbec, que teve muito boa adaptação. Assim se retomou, então, sua marcha ascendente até chegarmos a 1971, quando Cahors é declarada região AOC (Appellation d'Origine Contrôlée, denominação de origem controlada).

As normas dessa denominação determina que o vinho deve ser composto de, pelo menos, 70% de Malbec, sendo o restante feito com a tânica Tannat e a macia Merlot. A Cabernet Sauvignon e a Cabernet Franc não são permitidas. O vinho é bastante escuro e encorpado, com boa fruta e mais austero e seco do que o Malbec argentino. Dependendo da sub-região, pode ser mais leve e para consumo mais precoce, ou mais estruturado e passível de longa guarda.

Malbec de Cahors X Malbec de Mendoza

E agora finalmente o vinho!

Na taça um lindo e envolvente vermelho rubi intenso, quase escuro, com alguns reflexos violáceos, além de lágrimas grossas e abundantes, desenhando as paredes do copo.

No nariz traz notas de frutas negras, tais como cereja e groselha negra, com algum toque terroso e de tabaco, couro revelando alguma rusticidade.

Na boca é seco, as frutas se fazem presentes, mas não em evidência, com alguma estrutura graças a Malbec, mas macio e fácil de degustar certamente pelo tempo de safra bem como o percentual da Merlot que o torna versátil. Apresenta taninos presentes e pronunciados, mas domados, com acidez média, percebendo também o couro com um final de média persistência.

Mais uma página da minha história de um simples enófilo foi escrita de forma singular. Degustar um vinho a base da casta Malbec de Cahors, o berço da Malbec, foi uma experiência sensorial relevante e especial. Uma página foi escrita, mas tenho a avidez, a necessidade de que novos capítulos sejam escritos e que venham novos rótulos da emblemática e tradicional Cahors para que possamos desbravá-la por intermédio de sua bebida, do líquido nobre e poético, que inspira, que nos traz o prazer sensorial que proporciona o mais puro e genuíno deleite. Carte Noire trouxe para mim uma nova percepção, uma nova personificação da Malbec que não conhecia, com a estrutura, as notas de frutas maduras, a rusticidade e a plenitude de um vinho que, mesmo com seus 8 anos de vida, se revelou pleno e vivo, como a história de sua região, que, embora não tenha a fama da Malbec argentina, onde ganhou um novo lar e uma nova concepção, mostra ainda que tradição e modernidade está, a cada dia, fazendo Cahors renascer e mostrar toda a sua força e importância, com vinhos de muita tipicidade. Tem 12% de teor alcoólico.


Sobre a Vinovalie:

A Vinovalie Les Vignerons foi criada em 2006 e é formada por quatro cooperativas de vinhos dentro da França: Vignerons Rabastens, Cave de Técou (Tarn), Cave de Fronton (Haute-Garonne) e Côtes D’Olt (Lot) e alguns Châteaux como o Les Bouysses. Cada etapa do processo de criação dos vinhos é baseada na paixão e no know-how complementares dos homens: viticultores, adegas e enólogos.

O consumidor está no centro das áreas de inovação. Cientes do papel a desempenhar, a vinícola está empenhada numa abordagem típica de I&D, desde o trabalho na vinha à distribuição dos vinhos.

Mais informações acesse:

https://www.vinovalie.com/

Referências de pesquisa:

Portal “Enoestilo”: https://www.enoestilo.com.br/cahors-o-berco-malbec-2000-anos-de-historia/ e https://www.enoestilo.com.br/mapas-vinho-dicas-regiao-de-cahors/

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/cahors-outra-terra-da-malbec_439.html

 

 






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