Lembro-me como se fora ontem, na minha época de transição dos
vinhos de mesa, aqueles famosos de garrafão para os vinhos finos, os rótulos
produzidos com castas vitiviníferas. Sei, insisto demasiadamente em evocar
esses momentos em algumas resenhas que figuram neste blog, mas lembro-me, com
uma doce nostalgia desse momento que, como todo enófilo brasileiro passou ou
pelo menos deveria ter passar. Atire a primeira pedra que nunca passou por esse
momento! Mas, diante disso tudo, acredito que os poucos que estão lendo essas
linhas devem estar se perguntando: Por que ele está textualizando,
contextualizando isso justo agora? Será o rótulo de hoje ter alguma relação?
Bem, relação direta não tem, mas a sua casta e a sua nacionalidade me fez
lembrar aqueles tempos de outrora, da minha transição!
Lembro-me, com nitidez absurda, como se tivesse passando um
filme na retina, do primeiro vinho que degustei nesse período transitório há
quase 22 anos atrás: O meu primeiro rótulo foi um Almadén Merlot, não me
recordo a safra, afinal, nem tudo eu conseguiria lembrar-me, mas o rótulo sim,
e como lembro. Lembro-me das primeiras taças e das rejeições iniciais, um vinho
seco, muito seco em relação aos adocicados vinhos de 5 litros, mas insisti,
degustei a segunda taça, a terceira taça... Na quarta taça estava regozijando
de prazer por degustar aquele vinho, estava mais do que adaptado e mais do que
decidido: Eu quero degustar esses vinhos agora! Eles farão parte da minha vida!
E tem sido assim ao longo do tempo, seguindo a minha estrada
em busca de novas e maravilhosas experiências sensoriais, de novos rótulos e
castas, de novos terroirs. Mas naquela época eu estava conhecendo e a Merlot
logo se tornaria a minha casta preferida. Comprei e degustei, avidamente,
vinhos com essa nobre cepa. Degustei tantos que não ousaria dizer quais foram
os rótulos que degustei, um a um. E já naquela época, mesmo sem saber, já sabia
que a Merlot cultivada em nossas terras, em nossos terroirs ganharia
reconhecimento em dimensões nacionais e fama internacional. Demoraria sim, mas
seria questão de tempo! E a constatação de tudo isso viria acontecer com um
rótulo que me arrebatou por inteiro, quando o degustei em 2016, mais de 15 anos
depois da minha primeira experiência com essa casta. O vinho é o Aurora Reserva Merlot 2015.
Esse rótulo chegou a mim graças a uma leitura que fiz de
algumas matérias enaltecendo os prêmios internacionais que o Aurora Merlot 2014
ganhou, inclusive um prêmio que conquistou de melhor Merlot no mundo em um
ranking com 100 vinhos premiados, sendo o Merlot da Aurora o mais bem
posicionado entre os demais Merlots que estavam na lista. Isso me chamou a
atenção e eu precisava tê-lo em minha adega. Infelizmente eu não consegui
encontrar o da safra 2014, mas avistei o da safra 2015 e pensei: Se de fato o
vinho é bom, as safras seguintes também são e não hesitei em leva-lo para casa.
Um vinho estupendo! Frutado, fresco, mas de bom corpo. Maravilhoso! Mas é claro
que não deveria ficar apenas nesse, eu precisava buscar novas safras e seguir o
caminho de novas experiências com o mesmo rótulo.
Então o vinho que degustei e gostei veio do Brasil, a terra do Merlot, da região de Bento Gonçalves e é o Aurora Reserva Merlot da safra 2017. E para corroborar a minha tese do sucesso da Merlot no Brasil e todo o sustentáculo que faz desta cepa tão popular neste país, extraí do “blog Sonoma” um texto muito rico e que revela tais detalhes.
O paranaense Dirceu Vianna Junior, único Master of Wine do Brasil e radicado há muitos anos em Londres,
reuniu em 2010 um grupo de 40 profissionais internacionais, entre eles 15
Masters of Wine, para uma degustação às cegas de vinhos com a variedade Merlot
produzidos em 11 países diferentes. O resultado foi impressionante: entre os 10
melhores classificados pelos especialistas, oito eram brasileiros. Esse é mais
um de tantos reconhecimentos importantes obtidos pelos Merlots produzidos no Brasil
por sua alta qualidade. E qual é o segredo de tanto sucesso?
Primeiro tem a questão da adaptação da uva ao lugar, ao tipo de solo, de clima e todas as condições que envolvem o cultivo da uva. Neste quesito o relacionamento da Merlot com o Brasil vai muito bem! Tanto que se diz que ela está se tornando a uva emblemática dos vinhos brasileiros, assim como a Malbec é para a Argentina ou a Carménère para o Chile. Na realidade, este sucesso tem sido conquistado, sobretudo pelos Merlots produzidos especificamente na Serra Gaúcha, a maior e mais tradicional região vinícola do Brasil e onde boa parte dos vinhedos já produz há mais de duas décadas, tempo suficiente para esta adaptação e para que as vinhas gerem uma produtividade adequada para obter uvas da mais alta qualidade. A Serra Gaúcha é conhecida por seus altos índices de chuva, que variam de safra para safra e que, nos anos mais chuvosos, prejudica o pleno amadurecimento de muitas variedades, como a Cabernet Sauvignon. A Merlot tem algumas características que a fazem sofrer menos com esta condição climática. Ela é mais resistente e amadurece mais cedo que a maioria das outras variedades tintas, ficando pronta para a colheita antes dos períodos de maior incidência de chuva, o que favorece o pleno amadurecimento de todos os elementos importantes de um bom vinho, como teor de açúcar, polifenóis e antocianos (os que dão cor ao vinho). Tem também o saber fazer dos produtores, que já acumulam conhecimento e experiência sobre esta relação da uva com a terra, que combinadas com as técnicas adequadas de elaboração, geram vinhos da mais alta qualidade e, o que é melhor, com personalidade brasileira.
Em todas as safras são sempre vinhos muito prazerosos de se
beber. O paladar é macio por conta de taninos bem redondos. É típico da Merlot
uma boa acidez, que com o bom amadurecimento das uvas fica muito bem
equilibrada com álcool moderado, em torno de 12% a 13%. Estas três
características juntas permitem beber vinhos jovens e já bem equilibrados,
quando mostram aromas de frutas, como cerejas e ameixas, mescladas a
especiarias e aos tostados, quando amadurecidos em madeira. Diferentemente do
que muitos acreditam, os vinhos brasileiros envelhecem muito bem, sobretudo os
Merlots. Este tripé de taninos, acidez e álcool permite que o vinho permaneça
muito tempo evoluindo em garrafa, revelando depois de alguns anos vinhos ainda
frescos, trocando as frutas frescas por secas e pelas compotas.
E finalmente o vinho!
Na taça apresenta um lindo vermelho rubi intenso, com bordas
violáceas brilhantes, com lágrimas finas e abundantes com desenham as paredes
do copo.
No nariz explodem as frutas vermelhas, em compota, lembrando
morango, framboesa, groselha e cereja. As notas discretas e agradáveis da
madeira e de baunilha se fazem presente, graças aos 6 meses de passagem por
barricas de carvalho.
Na boca é seco, tem certa estrutura, com bom volume, mas, por outro lado é muito elegante e sedoso, sendo fácil de degustar, se reproduzem, como no aspecto olfativo, as notas frutadas, frutas vermelhas, com taninos macios e boa acidez que lhe garante a condição de muito frescor, além das discretas notas amadeiradas que faz com que o vinho tenha uma boa persistência e um longo final.
O tempo só confirmou o que nós, simples enófilos de coração,
já havia absorvido pela taça e pela alma: que o Merlot brasileiro sempre teve a
nossa cara, o DNA original de nossa terra, do saber fazer de abnegados
produtores e enólogos que moldaram a Merlot a imagem e semelhança de nossos
terroirs, a tipicidade plena e vigorosa para nossa deleite, enchendo a nossa
taça e deixando um pouco os nossos dias melhores, com a celebração de se
degustar bons Merlots brasileiros. Como mencionado no blog Sonoma, não duvido e
compartilho da opinião de que o Merlot brasileiro, em pouco tempo, terá a mesma
importância que a Malbec na Argentina e o Carmènére no Chile. É apenas mostrar
o nosso Merlot para os brasileiros, indistintamente, sem credo ou questão
social para todos os brasileiros democraticamente, com vinhos mais acessíveis,
com preços justos a todos os brasileiros. Opções de rótulos têm, só falta
vontade política para eles chegarem às mesas de todos os brasileiros. E o
Aurora Merlot Reserva é, sem dúvida alguma, um dos melhores de sua categoria
neste país, a cada aurora de uma nova safra que chega às gôndolas de
supermercado ou lojas especializadas. Um vinho frutado, elegante, redondo,
fácil de degustar, mas com a personalidade única e marcante de um autêntico
Merlot do Brasil, ufanismos à parte. Tem 12,5% de teor alcoólico.
Sobre a Vinícola Cooperativa Aurora:
A Vinícola Aurora é um sonho compartilhado por imigrantes que
enfrentaram os mais diversos problemas quando chegaram ao Rio Grande do Sul.
Com a veia colaborativa, a empresa cresceu e se tornou um dos expoentes do
vinho gaúcho. A história da cooperativa começou em 1931, quando famílias de
produtores de uvas do município de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, com pouco
dinheiro, mas com muita vontade de prosperar, reuniram-se para lançar a pedra
fundamental da empresa.
Na primeira colheita, foram contabilizados 317 mil quilos de
uva. Hoje, quase 85 anos depois, a empresa processa mais 60 toneladas da fruta
e tem 1.100 famílias associadas. A biografia da Aurora, desde as suas raízes, é
permeada por números de sucesso. No cerne da vinícola há solidariedade entre os
pares, se no início do século os imigrantes italianos se uniram para produzir
com maior força e formar uma rede de ajuda mútua, hoje, não é diferente. É
nesse universo, da produção em sociedade, que a Revista Sabores adentra para
desmitificar as oito décadas da empresa.
No Centro de Bento Gonçalves, local que abriga a histórica
Cantina da empresa. De longe é possível ver a grande movimentação, não só de
trabalhadores de vinícola, mas, principalmente, de turistas. Pioneira em abrir
as portas aos visitantes, a cada ano, a Aurora recebe 150 mil pessoas em suas
instalações. É uma multidão de curiosos querendo saber como são produzidos os
232 rótulos da empresa. Ao percorrer os corredores da vinícola, o visitante
conhece em detalhes todas as etapas para a elaboração de um vinho. Desde as
esteiras que recebem as uvas na época de colheita, até as pipas gigantes com
mais de 50 anos de uso. Não só os produtos alcoólicos que movimentam a cooperativa.
A linha de produção ainda tem coolers e suco de uvas. O suco da marca Casa de
Bento, produzido pela vinícola, é um dos mais vendidos da empresa. Do total de
uvas processadas, 60% viram suco. Hoje, bem no coração de Bento Gonçalves, a
Vinícola Aurora é a maior do Brasil. Mais de 1.100 famílias se associaram à
cooperativa, sendo a produção orientada por técnicos que, diariamente, estão em
contato com o produtor – fornecendo toda a assistência necessária. A equipe
técnica se responsabiliza pelo acompanhamento permanente do processo industrial
e pela qualidade final dos produtos, sempre com a atenção voltada para o
desenvolvimento de uma tecnologia de ponta. A conquista da posição que ocupa há
mais de duas décadas foi possível graças à constante modernização de seu parque
industrial, à alta tecnologia de suas unidades e aos rigorosos padrões exigidos
nos processos de produção. O cuidado extremo com a rotina produtiva, observado
a partir da plantação das mudas ao engarrafamento do produto, faz parte da
receita de crescimento constante do empreendimento durante todos esses anos.
Mais informações acesse:
http://www.vinicolaaurora.com.br/br
Referências de pesquisa:
“Blog Sonoma”: https://blog.sonoma.com.br/uvas/o-sucesso-da-merlot-no-brasil/
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