Eu já falei, até de forma deliciosamente demasiada, da
importância da vinícola Miolo para a minha história, a minha trajetória no
universo dos vinhos. A construção contínua do enófilo Bruno tem, sem sombra de
dúvida, como sustentáculo, como pilar, a Miolo.
Aquela transição dos famosos vinhos de mesa, de uvas
americanas, dos garrafões para os vinhos finos. Os receios, os medos... Será
que vou gostar desses vinhos secos? Será que valerá a pena investir um pouco
mais caro, com o dinheiro que não tem, nesses vinhos e a decepção bater como um
tsunami nas minhas estruturas sensoriais? Muita coisa passou na minha cabeça
naquela época, a pouco mais de 20 anos e cá estou materializando esse momento
importante em minha vida vínica.
Mas não vou entrar nesse detalhe que, em algumas resenhas
deste humilde blog, teci com todo o carinho e nostalgia, mas falar de uma casta
que também foi de extrema importância para esse momento em minha vida enófila:
A Cabernet Franc.
A Cabernet Franc, apesar de ser oriunda de terras francesas,
ganhou muita popularidade no Brasil nos anos 1970 e parte dos anos 1980,
gozando de um triste declínio nos anos seguintes, mas que na virada da década
de 1990 e 2000 figurou com importância na minha vida.
Quando dessa minha transição, juntamente com a Merlot, a
Cabernet Franc foi muito importante para moldar as minhas estruturas
sensoriais, mas ainda assim, não foi tão permanente quanto a casta, igualmente
excepcional, Merlot. Degustava um rótulo da Cabernet Franc, me arrebatava,
adorava, depois ficava algum tempo sem degustar e quando desarrolhava uma, era
maravilhoso. Lembro, com muita alegria e nostalgia quando degustei o meu
primeiro: quem está na faixa dos 40 anos deve lembrar-se do Chateau Duvalier e
do seu Cabernet Franc! Ah foi o meu primeiro!
Depois fui degustando um ou outro até que ele se afastou de
minha vida enófila. Até que em 2017 estava em um evento de degustação destinado
aos rótulos brasileiros e avistei, em um stand, uma vinícola mineira, com
alguns rótulos e entre eles tinha um da casta Cabernet Franc que me levou de
volta para o passado. Era o Dom de Minas Cabernet Franc 2014 e que vinho legal!
E depois dessa degustação mais um hiato!
Mas quando recebi, de um clube de vinhos de uma loja de
e-commerce famoso, alguns rótulos, adivinhe, da Miolo, uma edição especial, da
casta Cabernet Franc e isso muito me animou. A safra denuncia ser de um jovial
vinho e que aguentaria um pouco mais, porém, dada a minha expectativa,
precisava rememorar tempos bons do meu início enófilo e degustar, novamente, um
Cabernet Franc brasileiro!
Dos 2 rótulos que recebi, o Miolo Family Vineyard Touriga Nacional da safra 2019, já fora degustado e o retorno foi espetacular, o que me
estimulou a degustar o Miolo Family Vineyard Cabernet Franc também da safra
2019. Opa, já apresentei o “artista do espetáculo”, do vinho que degustei e
gostei. Que vinho especial! Delicioso, fácil de degustar, de marcante
personalidade.
A Cabernet Franc foi plantada em 1978, em espaldeira, no
vinhedo Almadén, na Campanha Gaúcha, região que se destaca pelo grande
potencial no setor vitivinícola, em especial aos vinhos tintos, tendo recebido
a Indicação geográfica ainda em 2020.
Mas não falarei, pelo menos ainda do vinho, mas da história
de sua região, Campanha Gaúcha, região esta, responsável pela recuperação da
Cabernet Franc no Brasil e da história da casta em nossas terras.
Cabernet Franc
É praticamente unânime dizer que esta variedade de uva seja
nativa da icônica região de Bordeaux, considerando que lá ela participa da
composição de vinhos raros, únicos e de considerável valor agregado. Frequentemente
está mais presente em blends com outras uvas, principalmente com a Cabernet
Sauvignon e a Merlot. Junto com as duas, forma o famoso “corte bordalês”,
celebrizado na região que lhe cedeu o nome.
Possui parentesco com a Cabernet Sauvignon e com a Merlot. É
um pai/mãe da Cabernet Sauvignon. Uma das principais características dos vinhos
com a Cabernet Franc são os aroma herbáceos e vegetais. Em climas mais frios
produz vinhos com aromas de frutas frescas, como cereja e morango, já em climas
mais quentes, os aromas tendem a morangos maduros e framboesa negra.
Em comparação à Cabernet Sauvignon, pode-se observar que a
Cabernet Franc tem a casca mais fina, além de menor acidez, mais intensidade de
aromas e menos taninos. Ainda é uma uva resistente, amadurece antes da Cabernet
Sauvignon (aproximadamente uma semana mais cedo) – o que a torna muito bem
adaptável a regiões mais frias, a exemplo do Vale do Loire, os vinhos desta
variedade são mais interessantes quando o solo é composto por areia, calcário e
argila, não apresentam coloração muito profunda, podendo ter corpo leve ou
médio, ótimo frescor e textura macia e seus aromas são bastante característicos,
remetendo a frutas como framboesa e groselha, bem como a pimenta e leves toques
vegetais e algumas variedades ainda contam com notas de violeta.
A sua coloração é mais inclinada para o vermelho rubi, de
média intensidade, sendo também de corpo leve ou médio. Outro ponto
interessante é sua habilidade em preservar a acidez da fruta, trazendo frescor
ao produto final.
Cabernet Franc no Brasil
A história da Cabernet Franc no Brasil vem de longa data. De
fato, foi introduzida no Rio Grande do Sul pela Estação Agronômica de Porto
Alegre, por volta de 1900. Nos anos 1920, os Irmãos Maristas já a cultivavam
comercialmente em Garibaldi. A grande difusão da cepa, contudo, ocorreu nas
décadas de 1970 e 1980, tornando-se a base dos vinhos finos tintos brasileiros
nesse período. Mais tarde, acabou sendo relegada a segundo plano e gradualmente
substituída pela Cabernet Sauvignon e pela Merlot. Até poucos anos atrás,
chegou a ser vendida pelo preço de uva comum.
Não obstante, é uma planta vigorosa, de média maturação, que
se adapta bem a solos calcários. E mais, a vinha de Cabernet Franc floresce e
amadurece seus frutos mais cedo do que outras variedades. Assim, ela se adapta
bem às condições da Serra Gaúcha onde, sabidamente, há anos em que o
amadurecimento é mais complicado devido às condições climáticas, principalmente
quando se tem incidência de chuva próxima à época de colheita. Fato é que, em
vinhedos trabalhados com atenção e cuidado, conseguem-se uvas de boa qualidade,
com potencial para produzir vinhos com tipicidade e de padrão excepcional.
Gráficos da Embrapa mostram que, em 1985, produziu-se pouco
mais de 10 mil toneladas de Cabernet Franc e que, em 2001, esse número havia caído
para aproximadamente 2,5 mil toneladas. Os números refletem o que aconteceu com
a cepa no Brasil: as vinhas foram praticamente erradicadas no Rio Grande do Sul
– tanto na Serra Gaúcha, quanto na Campanha – e depois reintroduzidas
gradativamente, através de outros clones mais saudáveis.
A boa notícia é que essas novas vinhas já vêm produzindo, e
produzindo bem. Atualmente, temos poucos, mas muito bons, rótulos dessa
variedade sendo feitos no sul, tanto no Vale dos Vinhedos, quanto na Campanha
Gaúcha, em Flores da Cunha e, principalmente, em Pinto Bandeira. O melhor de
tudo é que a Cabernet Franc tem sido aproveitada para vinhos em um estilo mais
concentrado e de fruta mais madura.
Campanha Gaúcha
Entre o encontro de rios como Rio Ibicuí e o Rio Quaraí,
forma-se o do Rio Uruguai, divisa entre o Brasil, Argentina e Uruguai. Parte da
Campanha Gaúcha também recebe corpo hídrico subterrâneo, o Aquífero Guarani
representa a segunda maior fonte de água doce subterrânea do planeta, dele
estando 157.600 km2 no Rio grande do Sul. A Campanha Gaúcha se espalha também
pelo Uruguai e pela Argentina garante uma cumplicidade com os hermanos do outro
lado do Rio Uruguai. Os costumes se assemelham e os elementos locais emprestam
rusticidade original: o cabo de osso das facas, o couro nos tapetes, a tesoura
de tosquia que ganha novas utilidades.
No verão, entre os meses de dezembro a fevereiro, os dias
ficam com iluminação solar extensa, contendo praticamente 15 horas diárias de
insolação, o que colabora para a rápida maturação das uvas e também ajuda a
garantir uma elevada concentração de açúcar, fundamental para a produção de
vinhos finos de alta qualidade, complexos e intensos.
As condições climáticas são melhores que as da Serra Gaúcha e
tem-se avançado na produção de uvas europeias e vinhos de qualidade. Com o bom
clima local, o investimento em tecnologia e a vontade das empresas, a região
hoje já produz vinhos de grande qualidade que vêm surpreendendo a vinicultura
brasileira.
Há mais de 150 anos, antes mesmo da abolição da escravatura,
a fronteira Oeste do Rio Grande do Sul já produzia vinhos de mesa que eram
exportados para os países do Prata (Uruguai, Argentina e Paraguai) e vendidos
no Brasil.
A primeira vinícola registrada do Brasil ficava na Campanha
Gaúcha. Com paredes de barro e telhado de palha, fundada por José Marimon, a
vinícola J. Marimon & Filhos iniciou o plantio de seus vinhedos em 1882, na
Quinta do Seival, onde hoje fica o município de Candiota.
E o mais interessante é que, desde o início da elaboração de
vinhos na região, os vinhos da Campanha Gaúcha comprovam sua qualidade
recebendo medalha de ouro, conforme um artigo de fevereiro de 1923, do extinto
jornal Correio do Sul de Bagé.
E agora o vinho!
Na taça revela um intenso vermelho rubi, brilhante, com
reflexos violáceos, com uma boa concentração de lágrimas finas.
No nariz o destaque fica para explosão de aromas frutados, de
frutas vermelhas, tais como morango, framboesa, morango e ameixa, com discretas
notas amadeiradas, graças aos 6 meses de passagem por barricas de carvalho, em
um pleno equilíbrio, além de toques herbáceos, de especiarias, meio
apimentados, diria.
Na boca é delicado, com uma textura macia, cheio, um bom
volume de boca, mostrando certa estrutura, mas muito fácil de degustar, as
notas frutadas são evidentes o que corrobora o seu frescor, graças também a sua
equilibrada acidez, com taninos domados. A madeira também é percebida, como no
aspecto olfativo, bem como as especiarias, destaque para um fundo herbáceo. Tem
um final persistente e frutado.
Um vinho que trouxe momentos nostálgicos maravilhosos, mas
que, no atual momento, me proporcionou o que há de melhor para as minhas
experiências sensoriais: Um vinho intenso, de personalidade, mas fácil de
degustar, por ser extremamente elegante, frutado e com alguma complexidade, que
a breve passagem por barricas de carvalho proporcionou. Depois de algum hiato,
a Cabernet Franc trouxe à tona para os meus sentidos o quão importante foi para
a minha história vínica, entregando o que eu já esperava, mas com aquele
“tempero” de novidade que me embriagou de prazer. História, degustações,
celebrações, tudo mesclado pela poesia líquida enchendo a taça e a minha
satisfação. Que venham mais e mais degustações da delicada Cabernet Franc! Tem
13,5% de teor alcoólico muito evidente, mas muito bem integrado ao conjunto do
vinho.
Sobre a Vinícola Miolo:
A história da família Miolo no Brasil começa em 1897. Entre
os milhares de imigrantes italianos que vieram ao país em busca de
oportunidades, estava Giuseppe Miolo, um jovem que já tinha nas veias a paixão
pela uva e pelo vinho, vindo da localidade de Piombino Dese, no Vêneto. Ao
chegar ao Brasil, Giuseppe foi para Bento Gonçalves, município recém-formado
por imigrantes italianos. Entregou suas economias em troca de um pedaço de
terra no vale dos vinhedos, chamado Lote 43. Já em 1897, o imigrante começou a
plantar uvas, dando início a tradição vitícola da família no Brasil.
Na década de 70, a família foi pioneira no plantio de uvas
finas, fazendo com que os netos de Giuseppe Miolo, Darcy, Antônio e Paulo, ficassem
muito conhecidos na região pela qualidade de suas uvas. No final da década de
80, uma crise atingiu as cantinas dificultando a comercialização de uvas finas
e forçando a família Miolo, a partir de 1989, a produzir o seu próprio vinho
para a venda a granel para outras vinícolas. Surge a Vinícola Miolo, com apenas
30 hectares de vinhedos. Em 1992 a primeira garrafa assinada pela família foi
um Merlot safra 1990, que na partida inicial teve 8 mil garrafas produzidas. Em
1994 é lançado o Miolo Seleção, que logo se torna o vinho mais distribuído da
Miolo.
A paixão pela vitivinicultura e o desejo de levar mundo afora
o vinho fino brasileiro foi o que inspirou a família Miolo a tomar a decisão de
expandir o negócio. Inicia-se em 1998 o Projeto Qualidade. Desde então o
crescimento da empresa foi significativo: com investimentos constantes na
terra, tecnologia, recursos humanos e no próprio consumidor, iniciou-se também
o Projeto de Expressão do terroir brasileiro.
Instalado na Estância Fortaleza do Seival, localizada no Sul
do Brasil, no município de Candiota, próximo à divisa com o Uruguai, o “Projeto
Seival”, nos anos 2000. Em 2001 a Família Miolo juntamente com a família
Benedetti (Lovara) iniciam o projeto Terranova no Vale do São Francisco,
adquirindo a antiga propriedade do Sr. Mamoro Yamamoto chamada Fazenda Ouro
Verde. Em 2009 a Família Miolo, juntamente com a família Benedetti e a família
Randon, adquirem a Vinícola Almadén pertencente a Pernod Ricard. Sendo também
uma das mais importantes do segmento de vinhos no mercado nacional,
introduzindo a colheita mecânica, pioneira no Brasil.
Mais informações acesse:
Referências:
“Wine”: https://www.wine.com.br/winepedia/sommelier-wine/serie-uvas-cabernet-franc/
“Blog Famiglia Valduga”: https://blog.famigliavalduga.com.br/cabernet-franc-day-o-que-voce-precisa-saber-sobre-o-assunto/
“Werle Comercial”: https://www.werlecomercial.com.br/falando-de-uva-tudo-sobre-a-cabernet-franc
“Vinho Básico”: https://www.vinhobasico.com/2017/01/30/cabernet-franc/
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/cabernet-franc_10078.html
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=CAMPANHA
“Vinhos da Campanha”: https://www.vinhosdacampanha.com.br/campanha-gaucha/
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