Já pensou em um degustar um vinho cuja casta é ícone em
Portugal e no mundo inteiro, produzido em terras brasileiras? Confesso que
jamais esperaria passar por esse sublime momento, ainda mais levando a
assinatura de uma das minhas vinícolas brasileiras preferidas e logo uma das
melhores do Brasil e do mundo: A vinícola Miolo! Ela é preferida ou uma das
minhas preferidas não apenas pela qualidade de seus rótulos, mas também pelo
fato de ter um forte apelo sentimental com esse produtor. Lembro-me, com afeto
e carinho, que quando comecei a flertar com os vinhos de uvas vitis viníferas,
aquela famosa transição com os vinhos de mesa, lá estavam os vinhos da Miolo
para me ajudar e consolidar esse momento muito importante na vida de um jovem
enófilo.
E além desse momento especial da vinícola Miolo em minha vida
tive também à relevância de se degustar um Touriga Nacional legitimamente
brasileiro! A Touriga Nacional sempre esteve presente em minhas degustações,
representados pelos rótulos portugueses e majoritariamente em blends, em
cortes. Mas dessa vez veio em varietal! Que momento especial para mim que
jamais esperaria encontrar um Touriga Nacional 100% e brasileiro! Mas que fique
claro que antes desse vinho especial eu havia degustado um, mas de Portugal, da
emblemática região do Dão, um Touriga Nacional bem interessante chamado Cova do
Frade da safra 2015 e agora um tupiniquim!
Então o especial vinho que degustei e gostei veio da Campanha
Gaúcha, do Brasil, é da Vinícola Miolo e é uma edição especial e limitada de
uma parceria da vinícola com o e-commerce Wine, uma das mais representativas do
Brasil, e se chama Miolo Family Vineyard 30 anos da casta Touriga Nacional da
safra 2019. E, diante da improvável degustação de um vinho brasileiro da casta
Touriga Nacional, há um trabalho de quase 10 anos da Miolo que foi a primeira
vinícola a implantar o cultivo dessa cepa em nossas terras.
A Touriga Nacional foi plantada em 2002, em espaldeira, no
vinhedo Seival, na Campanha Gaúcha, região que se destaca pelo grande potencial
no setor vitivinícola, em especial aos vinhos tintos, tendo recebido a Indicação
geográfica ainda em 2020. A Vinícola Seival está localizada em Candiota/RS, na
região da Campanha Meridional reconhecida como uma das regiões mais promissoras
para o cultivo de uvas por estar no paralelo 31° - faixa do planeta onde se
encontram algumas das melhores regiões vitivinícolas do mundo. A peculiaridade
do terroir encontrado no Seival se tornou marcante para os vinhos produzidos na
região com o plantio de variedades portuguesas emblemáticas e, claro, inclui-se
a Touriga Nacional, que agregam diferentes características para os vinhos
brasileiros e para o portfólio de rótulos do Grupo Miolo. E já que estou
falando da Touriga Nacional e das promissoras regiões que compõe a Campanha
Gaúcha, nada mais prudente do que falar sobre elas.
Campanha Gaúcha
Entre o encontro de rios como Rio Ibicuí e o Rio Quaraí,
forma-se o do Rio Uruguai, divisa entre o Brasil, Argentina e Uruguai. Parte da
Campanha Gaúcha também recebe corpo hídrico subterrâneo, o Aquífero Guarani
representa a segunda maior fonte de água doce subterrânea do planeta, dele
estando 157.600 km2 no Rio grande do Sul. A Campanha Gaúcha se espalha também
pelo Uruguai e pela Argentina garante uma cumplicidade com os hermanos do outro
lado do Rio Uruguai. Os costumes se assemelham e os elementos locais emprestam
rusticidade original: o cabo de osso das facas, o couro nos tapetes, a tesoura
de tosquia que ganha novas utilidades.
No verão, entre os meses de dezembro a fevereiro, os dias
ficam com iluminação solar extensa, contendo praticamente 15 horas diárias de
insolação, o que colabora para a rápida maturação das uvas e também ajuda a
garantir uma elevada concentração de açúcar, fundamental para a produção de
vinhos finos de alta qualidade, complexos e intensos.
As condições climáticas são melhores que as da Serra Gaúcha e
tem-se avançado na produção de uvas europeias e vinhos de qualidade. Com o bom
clima local, o investimento em tecnologia e a vontade das empresas, a região
hoje já produz vinhos de grande qualidade que vêm surpreendendo a vinicultura
brasileira.
Há mais de 150 anos, antes mesmo da abolição da escravatura,
a fronteira Oeste do Rio Grande do Sul já produzia vinhos de mesa que eram
exportados para os países do Prata (Uruguai, Argentina e Paraguai) e vendidos
no Brasil.
A primeira vinícola registrada do Brasil ficava na Campanha
Gaúcha. Com paredes de barro e telhado de palha, fundada por José Marimon, a
vinícola J. Marimon & Filhos iniciou o plantio de seus vinhedos em 1882, na
Quinta do Seival, onde hoje fica o município de Candiota.
E o mais interessante é que, desde o início da elaboração de
vinhos na região, os vinhos da Campanha Gaúcha comprovam sua qualidade
recebendo medalha de ouro, conforme um artigo de fevereiro de 1923, do extinto
jornal Correio do Sul de Bagé.
Touriga Nacional: A rainha portuguesa
Sua baixa produtividade natural quase lhe custou a
sobrevivência no território quando uma praga chamada filoxera arrasou com as
plantações europeias em meados do século XIX. Nesse momento, muitos produtores
portugueses decidiram replantar seus vinhedos com variedades que produzissem
mais. Felizmente para a vitivinicultura mundial, a Touriga Nacional sobreviveu
em regiões como o Douro e o Dão e, em tempos de moderna vitivinicultura, já na
segunda metade do século XX, ganhou novo vigor, com os enólogos e agrônomos
tendo maior entendimento de suas características e trabalhando para, pouco a
pouco, melhorar sua produtividade sem descaracterizá-la.
Uma das referências mais antigas à Touriga Nacional está no
livro “O Portugal Vinícola”, lançado no século XIX pelo renomado agrônomo
português Cincinnato da Costa, onde ele diz que nos anos de 1800, quase todos
os vinhedos do Dão eram plantado com esta variedade, a porcentagem chegava a
90% do total das terras plantadas.
Suas qualidades, no entanto, só foram ser reconhecidas
nacional e internacionalmente há pouco tempo. Por ser uma uva nobre, e,
portanto, de produção reduzida, até 1980 ela era preterida por outras castas
portuguesas de maior produção. Só quando os consumidores e produtores de vinho
em Portugal começaram a exigir uma produção de qualidade superior em vez da
primazia da quantidade em larga escala é que a Touriga ganhou novo status. A
Touriga Nacional também é conhecida como Tourigo, Mortágua, Preto Mortágua ou
Elvatoiriga. Preto de Mortágua é o nome de uma pequena e antiga vila na zona do
Dão. Isso combinado com o fato de outro vilarejo da região ser chamado de
Tourigo reforça a ideia de que essa casta existe por lá há muitos séculos.
O que os cientistas são capazes de comprovar com maior
facilidade é que dela são derivadas as variedades conhecidas como Touriga Fina
e Touriga Macho. No entanto, seu parentesco com a Touriga Franca (conhecida
como Touriga Francesa até a virada deste século) é impreciso. Não se sabe se a
Franca é uma subvariedade (ou mutação) da Nacional ou uma combinação da
Nacional com outra uva.
Os cachos da Touriga Nacional são delicados e compactos. Seus
bagos são pequenos, com formato arredondado, bem definido e coloração negro
azulada. Sua pele tem boa espessura, o que ajuda na obtenção de cores intensas.
Sua polpa é rígida e suculenta. Seu aroma é profundo, variando entre o floral e
o frutado, mas característico, e inconfundivelmente nobre. Assim, em poucas
palavras, pode-se definir os aspectos físicos da nobre uva portuguesa.
Apesar de fértil, ou seja, se adapta bem a diversos terrenos,
a Touriga tem baixa produtividade devido ao seu caráter de elevado vigor
fisiológico. Seu cultivo exige cuidados especiais, já que sua maturação é
intermediaria; virtudes como rusticidade e forte resistência a pragas,
entretanto, fazem dela uma casta especial.
A Touriga Nacional é versátil e produz vinhos diversos, mas
sempre elegantes. Bom teor alcoólico, ótima concentração de cor, elevada
complexidade, taninos finos, sabores intensos, volume, equilíbrio e aromas
florais distintos são características comuns a vinhos elaborados com esta cepa.
Espumantes, tintos secos finos, vinhos licorosos – são variados os gêneros da
bebida dos deuses que essa uva é capaz de resultar. O potencial de guarda das
bebidas produzidas com a uva símbolo de Portugal é excelente, elas evoluem em
garrafa com bastante desenvoltura. O estágio em madeira de carvalho, por outro
lado, lhe dá mais qualidades aromáticas e melhora sua estrutura, além de
arredondar seus taninos com maior velocidade, o que torna a bebida pronta para
consumo em pouco tempo.
E agora o vinho!
Na taça apresenta um intenso rubi escuro, mas brilhante, com
tons arroxeados, com uma grande formação de lágrimas que mancham e desenham
lindamente as paredes do copo.
No nariz traz aromas de frutas negras tais como ameixa, amora
e cereja preta, com toques amadeirados, graças a passagem por 6 meses em
barricas de carvalho, com discretas notas de pimentão e de flores, típico da
Touriga.
Na boca é seco, de corpo médio a estruturado, mas muito
equilibrado e redondo apesar de ser um vinho jovem, com taninos presentes e
domados, acidez vivaz trazendo um caráter de frescor ao vinho, além das notas
amadeiradas e um toque de baunilha. Final de média persistência.
O passado e presente não precisam se dissipar, vivem de mãos
dadas e em plena convergência, não precisamos viver de nostalgias e virar o
rosto para o presente e temer o futuro. Não precisamos negligenciar o passado,
esquecê-lo somente pelo fato de ter, como discurso, o futuro. A Miolo sempre
foi uma referência para mim enquanto enófilo e foi e tem sido e sempre será muito
importante para a minha formação, para o que entendo como um apreciador de
vinhos. O Miolo Family Vineyard é resultado de novos tempos em que o vinho
nacional cresce vertiginosamente, apesar de todos os entraves que vigoram nesse
país, proporcionando um momento ímpar para a minha vida, para os meus sentidos,
para a minha experiência sensorial: degustar um Touriga Nacional pela primeira
vez! Um vinho untuoso, imponente, mas fácil de degustar mostrando versatilidade
nas harmonizações e muito equilíbrio entre taninos, acidez e graduação
alcoólica. Um vinho jovem, de dois anos de safra, a personalidade se faz
presente, mas que, muito bem feito, se revela harmonioso. Mais um ponto para o
vinho brasileiro. Tem 14% de teor alcoólico. Ah não me sentindo satisfeito
resolvi explorar um pouco mais a Touriga Nacional brasileira e decidi adquirir,
em um estágio diferenciado, mais um Miolo Touriga, agora o Single Vineyard.
Mas essa é outra história que certamente irei contar em outro
capítulo das minhas degustações...
Sobre a Vinícola Miolo:
A história da família Miolo no Brasil começa em 1897. Entre
os milhares de imigrantes italianos que vieram ao país em busca de
oportunidades, estava Giuseppe Miolo, um jovem que já tinha nas veias a paixão
pela uva e pelo vinho, vindo da localidade de Piombino Dese, no Vêneto. Ao
chegar ao Brasil, Giuseppe foi para Bento Gonçalves, município recém-formado
por imigrantes italianos. Entregou suas economias em troca de um pedaço de
terra no vale dos vinhedos, chamado Lote 43. Já em 1897, o imigrante começou a
plantar uvas, dando início a tradição vitícola da família no Brasil.
Na década de 70, a família foi pioneira no plantio de uvas
finas, fazendo com que os netos de Giuseppe Miolo, Darcy, Antônio e Paulo,
ficassem muito conhecidos na região pela qualidade de suas uvas. No final da
década de 80, uma crise atingiu as cantinas dificultando a comercialização de
uvas finas e forçando a família Miolo, a partir de 1989, a produzir o seu
próprio vinho para a venda a granel para outras vinícolas. Surge a Vinícola
Miolo, com apenas 30 hectares de vinhedos. Em 1992 a primeira garrafa assinada
pela família foi um Merlot safra 1990, que na partida inicial teve 8 mil
garrafas produzidas. Em 1994 é lançado o Miolo Seleção, que logo se torna o vinho
mais distribuído da Miolo.
A paixão pela vitivinicultura e o desejo de levar mundo afora
o vinho fino brasileiro foi o que inspirou a família Miolo a tomar a decisão de
expandir o negócio. Inicia-se em 1998 o Projeto Qualidade. Desde então o
crescimento da empresa foi significativo: com investimentos constantes na
terra, tecnologia, recursos humanos e no próprio consumidor, iniciou-se também
o Projeto de Expressão do terroir brasileiro.
Instalado na Estância Fortaleza do Seival, localizada no Sul
do Brasil, no município de Candiota, próximo à divisa com o Uruguai, o “Projeto
Seival”, nos anos 2000. Em 2001 a Família Miolo juntamente com a família
Benedetti (Lovara) iniciam o projeto Terranova no Vale do São Francisco,
adquirindo a antiga propriedade do Sr. Mamoro Yamamoto chamada Fazenda Ouro
Verde. Em 2009 a Família Miolo, juntamente com a família Benedetti e a família
Randon, adquirem a Vinícola Almadén pertencente a Pernod Ricard. Sendo também
uma das mais importantes do segmento de vinhos no mercado nacional,
introduzindo a colheita mecânica, pioneira no Brasil.
Mais informações acesse:
Referências:
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=CAMPANHA
“Vinhos da Campanha”: https://www.vinhosdacampanha.com.br/campanha-gaucha/
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/touriga-nacional-o-tesouro-nacional-portugues_11850.html
“Clube dos Vinhos”: https://www.clubedosvinhos.com.br/touriga-nacional-a-nobre-uva-portuguesa/
Nenhum comentário:
Postar um comentário