Será que um raio cai duas vezes no mesmo lugar? O que é bom
merece bis? Por que estou trazendo à tona esses ditados populares? Tanta
pergunta que merece a resposta que até me parece simples: Sim, degustarei um
rótulo a qual já tive uma agradável e especial experiência e que irei repetir.
Mas terá uma diferença: a safra. A Colheita será diferente! O
que estará guardado para mim? O mais do mesmo? Terei novidades nesta safra?
Será esta a melhor que a anterior que degustei? Será? Será? Perguntas que podem
gerar alguma tensão, mas que na realidade só aguça ainda mais a curiosidade em
degustar a “nova versão” desse rótulo que vem ganhando alguma fama.
Sim, fama! Certamente a linha “Valtier” é um dos rótulos mais
vendidos de um conhecido e-commerce de venda de vinhos do Brasil,
principalmente pelo seu atraente custo X benefício imbatível.
Apesar da popularidade do rótulo a região de onde este vinho
veio ainda é pouco conhecida entre nós, brasileiros enófilos, arriscaria dizer
que não está sequer entre as regiões mais famosas da Espanha.
Utiel-Requena, apesar de seus registros históricos antigos de
produção de vinhos sempre produziu seus rótulos para consumo apenas na região,
não desbravando o mundo, outros mercados consumidores, tendo apenas essa
“aventura” de uns poucos anos para cá.
O Brasil está na rota e atualmente se encontra com alguma
facilidade, principalmente graças a este famoso e-commerce, alguns rótulos de
Utiel-Requena, dos mais simples até os mais complexos, como, diria, a linha
“Valtier”.
A região se orgulha de cultivar a sua casta mais famosa, a
Bobal que, definitivamente caiu nas minhas graças e a cada dia venho me
enamorando pelas suas mais emblemáticas e atraentes características.
A linha “Valtier” traz um blend
extremamente interessante, onde protagoniza a filha pródiga de Utiel-Requena, a
Bobal, com a mais popular casta espanhola, a Tempranillo. E se revelou
fantástica, com complexidade, explosão de frutas maduras e personalidade.
E graças a esses quesitos e a grande satisfação em ter
degustado o Valtier Reserva 2013, o raio cairá sim duas vezes no mesmo lugar,
porque tudo que é bom merece bis, então, sem mais delongas, vamos às
apresentações. O vinho que degustei e gostei veio da região emergente espanhola
chamada Utiel-Requena e se chama claro, Valtier Reserva da safra 2015, com as
castas Bobal (50%) e Tempranillo (50%).
E para não perder o costume vamos de história, vamos, cada
vez mais, difundir a região de Utiel-Requena e a sua casta Bobal, com as suas
histórias.
Utiel-Requena
Recentemente, foram descobertos registros arqueológicos que
comprovam que, desde o século V a.C., era praticada a vitivinicultura na região
de Utiel-Requena. Sítios arqueológicos como El Molón, em Camporrobles, Las
Pilillas, em Requena e Kelin, em Caudete atestam o passado vinícola da região.
Quando do domínio romano sobre a região, estes introduziram novas técnicas de
vinificação, propiciando a melhora dos vinhos ali produzidos.
Utiel-Requena têm sua história também ligada ao período
conhecido como Reconquista: a retomada, a partir do século VIII, do controle
europeu dos territórios da Península Ibérica, dominados pelos árabes (mouros)
desde o século VI. Muitas das cidades da região foram fundadas e/ou possuem
grande influência islâmica em suas construções, bem como vestígios de
fortalezas e construções mouras, como a cidade de Chera, por exemplo.
Em 1238, a região cai sob o domínio do reino de Castela. No
século seguinte, após conflitos envolvendo este reino e seu vizinho, Aragão,
ocorre a união entre a rainha Isabel (Castela) e Fernando (Aragão), conhecidos
como os Reis Católicos, e, após a conquista dos demais reinos ibéricos por
estes (exceto Portugal), constitui-se o Reino da Espanha. Utiel-Requena,
consequentemente, torna-se domínio espanhol.
Durante o século XIX, eclodem na Espanha as Guerras
Carlistas, que dividem a população espanhola entre os partidários do
absolutismo e do liberalismo; reflexo de outras manifestações do mesmo cunho
ocorridas Europa afora. Utiel (absolutista) e Requena (liberal), assim como as
demais cidades da região, assumem posições antagônicas, situação somente
resolvida com a conclusão da Primeira Guerra Carlista.
Utiel-Requena localiza-se na porção leste do território
espanhol, dentro da província de Valencia. Situa-se numa zona de transição
entre a costa mediterrânea e os platôs da região da Mancha. Seus vinhedos
localizam-se predominantemente entre os rios Turia e Cabriel.
A região possui um dos climas mais severos de toda a Espanha. Os verões costumam ser longos e quentes (máximas por vezes de 40 graus), enquanto os invernos são muito frios, com ocorrência frequente de geadas e granizo (mínimas podem chegar a -10 graus).
No entanto, as vinhas encontram-se adaptadas a tais rigores e
oscilações e, como atenuante, sopra do Mar Mediterrâneo o Solano, vento frio que
ajuda a suavizar o efeito dos quentes verões da região. O solo possui cor
escura, de natureza calcária e pobre em matéria orgânica.
Utiel-Requena é uma DOP (Denominación de Origen Protegida –
Denominação de Origem Protegida) pertencente à Comunidade Valenciana, a qual
possui certa autonomia em relação ao governo central espanhol. Não possui
sub-regiões.
Tradicionalmente, Utiel-Requena é a terra da Bobal, cepa
tinta autóctone (originária da região) bastante adaptada aos rigores do clima
da região. Ocupa 75% da superfície total dos vinhedos, também sendo bem
adaptada ao calcário típico do seu solo.
São produzidos rosés e tintos, em sua maioria varietais,
desta cepa; os primeiros costumam ser muito aromáticos, remetendo geralmente a
frutas negras e muito fresco no paladar. Os tintos, por sua vez, geralmente são
muito bem estruturados e potentes, com aromas de frutas maduras, especiarias e
notas de couro.
Possuem bom potencial de envelhecimento. Uma curiosidade:
quando da expansão da filoxera pelo continente europeu, as vinhas de Bobal
demonstraram grande resistência à praga, ao contrário da maior parte do vinhedo
do continente, o que permitiu à região manter por algum tempo as plantações sem
a enxertia com a videira americana, e também propiciou um grande aumento das
vendas e exportações de seus vinhos, avidamente procurados por consumidores
“puristas”, em busca de vinhos oriundos de videiras sem a enxertia.
Também se faz presente a cepa Tempranillo, plantada cerca de
10% das vinhas da região. Outras cepas tintas permitidas pela legislação:
Garnacha (Grenache) Tinta, Garnacha Tintorera, Cabernet Sauvignon, Mertlot,
Syrah, Pinot Noir, Petit verdot e Cabernet Franc.
Diante da predominância tinta, naturalmente a participação
das vinhas brancas na composição da denominação é baixa: cerca de 6%. A cepa
mais cultivada é a também autóctone Tardana, de amadurecimento tardio. Produz
vinhos de cor amarela, pálidos com reflexos dourados. Os aromas geralmente
remetem a frutas como abacaxi e maçã. Frescos e equilibrados no paladar,
costumam ser bem estruturados e de boa persistência na boca. Outras variedades
brancas plantadas são: Macabeo, Merseguera, Chardonnay, Sauvignon Blanc,
Parellada, Verdejo e Moscatel de grano menudo.
Bobal
As primeiras notícias da Bobal datam do século XIV. Da costa
de Valência, esta uva estabeleceu-se com sucesso em outras regiões do interior
da Espanha. Lugares como Utiel-Requena, Ribera e Manchuela, todas Denominação
de Origem Controlada, tem a Bobal como uma das suas principais variedades,
chegando seu cultivo ser quase que majoritário.
A Bobal é pouco cultivada fora da Espanha, há plantações dela
nas regiões de Languedoc-Roussillon, no sul da França, e da Sardenha, na
Itália. Dentro dessas regiões é também conhecida por requena, espagnol,
benicarlo, provechón, valenciana, carignan d’espagne, balau, requenera,
requeno, valenciana tinta ou bobos. Seu nome é derivado da palavra latina
Bovale, que significa touro, e refere-se à semelhança que os seus cachos têm
com a cabeça de um touro.
É uma uva de porte médio para grande, com bagos redondos e
cheios de sumo; além disso, apresentam quantidade razoável de taninos e sabores
de chocolate e frutos secos. Seus cachos, por sua vez, são muito grandes, bem
compactados e pesados.
Dá-se muito bem com climas mediterrâneos. Elabora diferentes
tipos de vinhos, com especial destaque para os vinhos rosés, sempre jovens, com
muita cor e com boa acidez; a Bobal ainda é responsável pelos aromas frutados
destas bebidas. Os tintos desta uva são pouco alcoólicos, mas muito saborosos e
de coloração cereja escura profunda e boa estrutura de taninos.
Por sua versatilidade e acidez adequada, a Bobal pode ainda
ser ainda utilizada para produzir espumantes. As peles grossas de Bobal têm uma
elevada quantidade de uma substância que dá cor intensa aos vinhos, bem como
presenteia a bebida com uma presença importante de taninos finos, esse é um dos
motivos que tem dado a esta uva um destaque especial na produção espanhola,
principalmente na região de Manchuela, cujo status de Denominação de Origem deu
respaldo ao cultivo da Bobal e aos vinhos elaborados com ela frente ao mercado
interno e externo.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um rubi intenso, com halos granada, devido ao
tempo, oito anos de garrafa e pela longa passagem por carvalho, com algum
brilho e boa profusão de lágrimas lentas e finas.
No nariz traz aromas envolventes de frutas vermelhas bem
maduras, com destaque para ameixas, amoras, framboesas e até mesmo morangos, em
uma sinergia adorável com o carvalho, bem integrado ao vinho, devido aos vinte
e quatro meses estagiando em barricas, com notas defumadas, de couro,
estrebaria, tabaco, baunilha, além de especiarias, ervas, por exemplo, além de
terra molhada, tudo envolto em muita complexidade.
Na boca é seco, marcante, de personalidade, mas, por outro
lado, o tempo de vida lhe conferiu maciez e elegância. As frutas, como no
aspecto olfativo, ganha protagonismo, com destaque para um delicioso ameixa
maduro. O carvalho, devido ao tempo em barricas, se faz presente, contudo
igualmente integrado como no olfativo. Traz taninos presentes, mas domado,
dócil, com acidez de baixa para média, denotando que poderia ter ainda algum
tempo em garrafa, com final de média persistência.
O raio caiu duas vezes no mesmo lugar e fez um significativo
estrondo em minhas experiências sensoriais. A minha taça foi o para-raios e o
meu coração se viu na mais perfeita sintonia com esse momento, mais uma vez,
especial. A linha “Valtier” definitivamente merece a sua condição de “fama”
entre os brasileiros e sabe conduzir a representação típica da região de
Utiel-Requena. Um vinho de incrível custo X benefício e que prova para todos os
preconceituosos de plantão no universo do vinho que sim, podemos ter vinhos
especiais e de marcante personalidade a preços acessíveis para todos os
enófilos, de forma indistinta. Que o caminho continue a ser percorrido e que
possamos sempre viajar pelas várias vindimas que esse vinho puder conceder. Tem
13% de teor alcoólico.
Sobre a Hacienda y Viñedos Marqués del Atrio:
A família Rivero está de fato relacionada ao mundo do vinho
há mais de um século. Nos anos 40, Amador Rivero, pai dos atuais proprietários,
Agapito e Jesús Rivero, começou então a cultivar videiras e a produzir vinho
profissionalmente em sua vinícola Faustino Rivero Ulecia, em Arnedo (na região
de La Rioja).
Em 2003, a Família Rivero decidiu construir uma nova
vinícola, Hacienda y Viñedos Marqués del Atrio, S.L., pois o aumento da
vinícola em Arnedo não era possível e a oferta de uvas na área era limitada.
A família escolheu a região de Mendavia, no vale do Ebro,
porque garante uma qualidade suprema das uvas, necessária para atender às
exigências do mercado.
A Rivero Family não vende apenas vinhos com a DOCa Rioja, mas
em 1988 começou a vender vinho engarrafado com DO Navarra produzido em Corella
(em Navarra) e em 1997 vinhos com DO Utiel-Requena produzido em Requena (em
Valência).
Em 2001, pretendendo atender à demanda de vinhos varietais
únicos e de consumo diário, a vinícola começou, portanto a vender vinhos
regionais. Em 2007, foi dado outro passo e a venda de Cava foi iniciada,
aproveitando dessa forma a oportunidade de expansão na indústria do vinho.
Mais informações acesse:
https://grupomarquesdelatrio.com/en/
Referências:
“Clube dos Vinhos”: https://www.clubedosvinhos.com.br/os-prazeres-da-uva-bobal/
Blog “O Mundo e o Vinho”: http://omundoeovinho.blogspot.com/2015/11/utiel-requena.html
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