Quando falamos da casta Carménère lembramos imediatamente do
Chile e seus terroirs. A cepa ajudou a impulsionar a vitivinicultura daquele
país e hoje ostenta uma posição de destaque entre os países do Novo Mundo do
vinho.
Apesar de a Carménère ter essa representatividade penso que
ainda, sobretudo no Brasil, exista uma rejeição, onde alguns dizem que é um
clone mal acabado da Merlot, ou uma casta inexpressiva e pouco gastronômica.
A história de como a cepa foi “descoberta” no Chile foi meio
inusitada e tem uma relação com a Merlot realmente. Diz a história de que a Carménère
estava, de forma intrusa, entre os vinhedos de Merlot e todos achavam que se
tratava de Merlot. Após estudos científicos comprovou-se que havia Carménère
entre os vinhedos de Merlot, isso em 1994.
Mas eu não queria falar da Carménère que ganhou sucesso no
Chile, mas em rótulos desta casta que estão sendo produzidas no Brasil,
acredite se quiser! Alguns produtores brasileiros estão se aventurando na
concepção desta em nossos terroirs.
E eu tive o privilégio e a alegria de ter degustado um rótulo
vinificado na região tradicional de São Roque, interior de São Paulo, da Adega
Terra do Vinho e se chama Genuíno da safra 2018. As uvas vieram da Serra
Gaúcha, outra emblemática região e foi vinificada em São Roque. Um momento
único de degustação e que maravilhosamente entregou algumas das características
marcantes da Carménère: frutas maduras, couro, carpete e um delicioso toque
herbáceo.
E hoje a história se repetirá, com uma nova experiência com a
Carménère brasileira, concebida na cidade de Nova Pádua, que fica na Serra
Gaúcha, de uma vinícola, ainda pouco conhecida, mas que vem ganhando alguma
projeção nos últimos anos, falo da Vinícola Fabian.
O vinho que degustei e gostei veio, portanto, da Serra
Gaúcha, de Nova Pádua e se chama Fabian, um 100% Carménère, da safra 2018. Não
preciso dizer da minha ansiedade, diria excitação para degustar um Carménère
brasileiro! Jamais esperaria degustar um brasileiro, é no mínimo inusitado. Mas
antes de falar deste rótulo que me surpreendeu por inteiro, não podemos deixar
de falar das regiões, da Serra Gaúcha e Nova Pádua e da emblemática Carménère.
Lá vamos nós!
Serra Gaúcha
Situada a nordeste do Rio Grande do Sul, a região da Serra
Gaúcha é a grande estrela da vitivinicultura brasileira, destacando-se pelo
volume e pela qualidade dos vinhos que produz. Para qualquer enófilo indo ao
Rio Grande do Sul, é obrigatório visitar a Serra Gaúcha, especialmente Bento
Gonçalves.
A região da Serra Gaúcha está situada em latitude próxima das
condições geoclimáticas ideais para o melhor desenvolvimento de vinhedos, mas
as chuvas costumam ser excessivas exatamente na época que antecede a colheita,
período crucial à maturação das uvas. Quando as chuvas são reduzidas, surgem
ótimas safras, como nos anos 1999, 2002, 2004, 2005 e 2006.
A partir de 2007, com o aquecimento global, o clima da Serra
Gaúcha se transformou, surgindo verões mais quentes e secos, com resultados
ótimos para a vinicultura, mas terríveis para a agricultura.
Desde 2005 o nível de qualidade dos vinhos tintos vem subindo
continuamente, graças a esta mudança e também do salto de tecnologia de
vinhedos implantado a partir do ano 2000.
Nova Pádua
A colonização da região iniciou-se em 1886, com a chegada de
imigrantes italianos do Vêneto, na Itália. No início de 1886, sete famílias do
Vêneto chegaram ao Rio Grande do Sul para habitar a 16ª Légua do Campo dos
Bugres, hoje Nova Pádua. Eram as famílias de Francisco Mantovani, comerciante;
Carlos Mantovani, seu irmão e professor; João Zanini, ferreiro; Pedro Sartor,
Francisco Menegat, Pascoal Pauletti e Pedro Menegat, estes agricultores. O nome
do município foi dado em homenagem a cidade italiana de Pádua.
Já em 1890, todas as 307 colônias estavam tomadas por
imigrantes que fugiam da miséria que assolava a pátria-mãe, a Itália. Todos
provinham das várias cidades da província do Vêneto, e vinham para buscar o seu
desenvolvimento, vinham para vencer. Em 2 de julho de 1888 tiveram a primeira missa,
rezada pelo Padre Alexandre Pelegrini. Em 7 de junho de 1890 foi benta a imagem
de Santo Antônio de Nova Pádua e, desde então, a 16ª Légua tomou o nome de Nova
Pádua.
Em 27 de dezembro de 1892, Nova Pádua recebeu seu primeiro
padre na pessoa do padre Giuseppe Candido Dalmazzi. Devido ao seu rápido
desenvolvimento, Nova Pádua foi promovida a 4º Distrito de Caxias do Sul, no
dia 13 de abril de 1904, pertencendo a esse município até 1926, quando foi
incorporada ao novo município de Nova Trento, em Flores da Cunha.
Em 10 de novembro de 1991, a população de Nova Pádua decidiu
se emancipar através de plebiscito. Sua criação como município foi decretada em
20 de março de 1992, pelo então governador Alceu Collares.
Localizada na Serra Gaúcha, Nova Pádua se orgulha de manter
seus 2.557 habitantes (população estimada pelo IBGE em 2015) em harmonia com o
trabalho e a natureza, marcas fortes do município. Com clima definido, as
quatro estações do ano proporcionam farta produção agrícola, o que eleva a
cidade como referência de hortifrutigranjeiros.
Sua economia é baseada na agricultura familiar, com destaque
para o cultivo da uva, pêssego, maçã, cebola, alho e a criação de aves. A força
do trabalho presente nas pequenas e grandes propriedades rurais gera uma
atmosfera em que se visualiza crescimento e desenvolvimento.
O setor industrial ganha representatividade por meio das 27
vinícolas, que juntas produzem mais de 5,5 milhões de litros de vinho por ano.
Aliada a isso tem a indústria moveleira, o comércio e as cooperativas, que
empregam boa parte da mão-de-obra especializada.
Carménère
Originária de Bordeaux, na França, a Carménère foi uma das
castas mais cultivadas até o começo do século XIX, principalmente nas regiões
de Graves e Médoc. Contudo, na década de 1860, ela foi praticamente dizimada
devido ao ataque do inseto chamado Filoxera, uma praga que devastou grande
parte dos vinhedos da França e de outros países do continente europeu.
Durante muitos anos, acreditou-se que esta uva havia sido
extinta e, só recentemente, nos anos 1990, reapareceu no Chile. Provavelmente a
casta foi trazida para a América do Sul por imigrantes europeus, junto com
outras variedades francesas, durante o século 19.
Em 1994, nos vales vinícolas chilenos, o enólogo francês
Jean-Michel Boursiquot notou que algumas cepas de Merlot demoravam a atingir a
maturidade e passou a estudá-las. Os resultados desses estudos identificaram
que se tratava da “uva perdida de Bordeaux”, a Carménère, plantada no Chile
como se fosse a uva Merlot.
Dessa época em diante, a casta passou a reinar em terras
chilenas, sendo considerada como um verdadeiro presente da França para o país
sul-americano. Apesar de não ser a uva tinta mais cultivada no país, ela é
muito valorizada por ser quase uma “exclusividade” para o Chile.
Esta casta sobreviveu graças ao isolamento geográfico
chileno. O país é cercado pela Cordilheira dos Andes a leste, do Pacífico a
oeste, das areias do deserto de Atacama ao norte e das terras ermas da
Antártica ao sul. As vinhas crescem com segurança, livres de pragas e de
poluição. O Chile, por exemplo, nunca foi atacado pela praga Filoxera,
responsável por dizimar a uva na França.
A origem do nome “Carménère” está relacionada à cor de sua
pele, que exibe tonalidade forte de carmim, palavra francesa que, em português,
significa um vermelho intenso. Essa coloração característica da uva é
facilmente transferida para os vinhos elaborados com ela.
Os vinhos de
Carménère apresentam uma combinação de aromas de frutas pretas e vermelhas
maduras, terra molhada e pimenta preta. Em boca são suaves, com pouco tanino,
baixa acidez e muito álcool. Veja outros aspectos do vinho em nossa seção de
Análise Sensorial.
A Carménère precisa de certa atenção. Se não colhida na época
exata, origina vinhos ásperos, com pouca expressão frutada e um herbáceo
excessivo. A pirazina, substância existente na casca da uva, não completa seu
processo químico e deixa aroma de pimentão no vinho. Isso também acontece muito
com a Cabernet Sauvignon.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um rubi intenso, escuro e fechado, com alguma
viscosidade que mancha o bojo, com lágrimas finas, lentas e em profusão.
No nariz não apresenta uma exuberância aromática, mas se
mostra complexo, com uma bela combinação de frutas vermelhas e pretas bem
maduras, em compota, com notas amadeiradas bem delicadas, graças aos 12 meses
em barricas de carvalho, com toques de baunilha, leve tostado e chocolate. Traz
especiarias, herbáceo, pimentão discreto, além de couro, tabaco, carpete e algo
de terra molhada.
Na boca é elegante, macio, saboroso, o protagonismo das
frutas, percebidos no olfato, entregam no paladar, com a madeira também
evidente, mas muito discreta. Traz chocolate, tostado, baunilha, taninos
amáveis, domados, com acidez baixa, típico da cepa, mostrando uma incrível
qualidade no que tange a sua tipicidade. Tem um final de média persistência, de
retrogosto frutado.
Com cinco anos de garrafa, está no ápice de sua condição: um
vinho frutado, frutas maduras em compota, acidez saborosa, salivante e vivaz,
com taninos presentes, mas macios e domados. Assim é o vinho: equilibrado, pois
revela elegância, mas com austeridade e personalidade. O Brasil ainda está
longe da produção da Carménère, mas não tenho dúvidas que a Serra Gaúcha se
revelará forte na produção da casta em seu terroir. Espero que possa degustar
um novo Carménère da Serra Gaúcha, do Brasil. Tem 13,1% de teor alcoólico.
Sobre a Vinhos Fabian:
A família imigrou da Itália para o Brasil no final do século
dezenove. A tradição vitivinícola herdada dos ancestrais foi favorecida pelo
clima encontrado na região dos Vinhos dos Altos Montes, no município de Nova
Pádua, na Serra Gaúcha.
A localização entre colinas de 780m de altitude proporciona
amplitude térmica, fator relacionado a uma boa formação de componentes que determinam
a qualidade do vinho. A paixão pela produção de uvas e vinhos, fez com que a
família elaborasse no ano de 1985, a primeira safra da vinícola.
A vinícola investe em tanques de aço inox, barricas de
carvalho e equipamentos italianos. Aplica uma enologia moderna com o objetivo
de extrair ao máximo as virtudes de cada variedade de uva a vinificar. A
ascendência francesa traz consigo o símbolo da flor-de-lis que caracteriza a
marca Fabian.
Mais informações acesse:
https://vinhosfabian.com.br/index.html
Referências:
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=SERRAGAUCHA
“Prefeitura de Nova Pádua”: https://www.novapadua.rs.gov.br/secao.php?pagina=1
“Reserva 85”: https://reserva85.com.br/vinho/castas-uva-vitis-vinifera/carmenere/
“Vinho Blog”: http://blog.vinhosite.com.br/uva-carmenere-conheca-sobre-os-vinhos/
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