terça-feira, 10 de março de 2020

Bodegones del Sur Vineyard Select Cabernet Sauvignon 2015

Podemos atribuir ao vinho muitos adjetivos, muitas qualidades: poesia líquida, algo que traz celebração, saudável, agradável, entre outros tantos. Mas poucos, creio, atribuem ao vinho ou associe o mesmo a uma obra de arte, um produto, um alimento que tem o dedo, as mãos, a intervenção, por menos que tem de ser, é verdade, do enólogo que nos entrega um rótulo que personifica a região da qual foi concebido, além de ter o esforço, o esmero, o sofrimento, as lágrimas daqueles simples homens e mulheres que participam intensamente da concepção desta bela e nobre bebida.

Eu adoro quando os produtores usam os rótulos dos seus vinhos como uma verdadeira tela para expressar, de alguma forma, suas vivências, suas emoções, a realidade, mesmo que com pinceladas abstratas ou simplesmente expressar, de forma lúdica, a terra de onde os vinhos, as suas castas foram concebidas. Além da manifestação artística, você traz um caráter mais arrojado e contemporâneo no aspecto estético ao vinho, afinal, além dos quesitos mencionados, há também o fator do marketing para impulsionar as vendas do “produto vinho”. Ah, nada efetivamente contra aos velhos traços austeros de alguns rótulos, sobretudo do Velho Mundo, ainda há espaço para todas as abordagens.

O aspecto visual é comprovadamente, e até me parece óbvio, o primeiro contato do enófilo com o seu potencial vinho, apesar de que não podemos julgar o livro pela capa. Mas o vinho que degustei e gostei me trouxe essa, digamos confirmação. Em minhas incursões necessárias aos supermercados, eu estava decidido em comprar um vinho de um país produtor pouco usual, fugindo, mesmo que momentaneamente, dos chilenos, argentinos e brasileiros.  Avistei um do pequeno Uruguai, mas significativo, gigante produtor de vinhos na América Latina e me interessei, não apenas pelo fato de ser uruguaio, mas pelo atraente preço, por volta dos R$ 35,00, e pela interessante arte exposta no seu rótulo. Parecia que tudo conspirava a favor para a compra e o vinho foi de fato maravilhoso. O vinho é o Bodegones del Sur Vineyard Select, da casta Cabernet Sauvignon, da safra 2015 e a região: a fantástica Canelones. Não posso deixar de falar de icônica região de Canelones que aqui vale narrar, textualizar, melhor dizendo, a sua bela história.

Canelones

A região dita metropolitana do Uruguai, ao redor da capital Montevidéu, concentra o maior número de vinhas e produção de vinho do país, concentrando mais de 70% das vinícolas. Aqui compreendemos os departamentos de Canelones - coração da viticultura uruguaia -, Montevidéu - onde estão os vinhedos mais antigos do país - e San José - quarto departamento em produção. A região é fortemente influenciada pelo Río de la Plata, uma das maiores bacias hidrográficas do mundo. Os solos de Montevidéu e Canelones são gerados a partir de sedimentos e apresentam alta fertilidade. As variedades de uvas plantadas na região são, maioritariamente, Tannat, Merlot, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, um pouco de Syrah e Pinot Noir entre as tintas; Sauvignon Blanc, Chardonnay e Viognier entre as brancas.

Canelones, em especial, é a maior região vitivinícola do país, sendo responsável por 60% da produção. O departamento apresenta uma paisagem plana suavemente ondulada que inclui terrenos dedicados à agricultura intensiva (horticultura, fruticultura e viticultura) e pecuária. Apresenta uma grande variedade de solos, geralmente ricos e densos, entre os quais alguns que contêm granito rosa com mais de 600 milhões de anos. Possui temperaturas amenas, tanto no verão como no inverno. Localizada bem ao sul, essa  região não poderia ter localização melhor. Por sua visão pioneira, o Uruguai foi eleito o país do ano, em 2013, pela revista inglesa The Economist. Entre as principais razões estão o fato de realizar reformas que não se limitam a melhorar apenas a própria nação, mas atitudes que podem beneficiar o mundo.

Canelones

E Canelones está sendo conduzida sob essa visão. Em meio a um processo de desenvolvimento enoturístico, a região já possui até projeto de promoção do turismo e do vinho desenhado pelo Ministério do Turismo com a colaboração da Comarca de l’Alt Penedès, Espanha. Há produtores que se juntaram para ajudar nesse incentivo e criaram a Associação Los Caminos del Vino, que reúne diversas vinícolas familiares abertas para visitantes, onde podem ver as vinhas de perto, acompanhar as diferentes etapas da vinificação e, finalmente, provar o vinho e a comida típica do lugar.

Uma das opções de passeio para quem aprecia um bom vinho e sua história é o Museo de la Uva y el Vino Nacional. Banhada pelo Oceano Atlântico, a região também oferece praia e muitos atrativos para descanso, como spas, resorts e clubes de primeira linha. Não dá para deixar de experimentar as delícias locais, visitar as fazendas e restaurantes rurais. Além de muito saboroso, é enriquecedor para qualquer paladar. Ainda como opção de lazer com vinho, nos dias 7 e 8 de novembro, comemora-se no Uruguai o Dia do Enoturismo e cada região fez programações específicas.

E agora o vinho!

Na taça traz um exuberante vermelho rubi intenso, quase escuro, com alguns reflexos violáceos, com uma bela formação de lágrimas finas e abundantes.

No nariz é muito frutado, frutas vermelhas maduras, tais como cereja e groselha, com notas florais agradáveis que traz uma boa sensação de frescor, com um toque bem integrado da madeira, notas de chocolate meio amargo e especiarias.

Na boca é seco, intenso, estruturado, mas equilibrado e macio, que surpreende no palato, com taninos agradáveis, mas marcados, presentes, a presença da fruta insiste deliciosamente na composição do vinho, além de uma acidez equilibrada, trazendo, mais uma vez, a sensação de frescor, a madeira dá um toque mais complexo ao vinho, mas discretamente graças a passagem, de cerca de 30% a 40% do vinho, por barricas de carvalho por 6 meses. Final persistente e frutado.

A arte grita aos olhos, o rótulo traz a beleza das manifestações artísticas, mas é com o líquido que nos regozijamos com um vinho tão expressivo, de marcante personalidade, que expressa com fidelidade o terroir de Canelones. Definitivamente os vinhos uruguaios produzidos com a casta Cabernet Sauvignon tem classe, são arrojados e contemporâneos em todos os aspectos. E, para o meu deleite, fiquei sabendo, ao redigir esse texto, de que a safra de 2015 no Uruguai foi uma das melhores dos últimos 30 anos daquele país! Um prazer inominável! E já que falamos de arte, seguem alguns nomes dos principais artistas do Uruguai, mais precisamente de Montevidéu, que deixaram suas impressões artísticas nos rótulos da Bodegones del Sur. Merecem serem lembrados:

Ricardo Pickenhayn

Ele nasceu em 1960 nas ilhas do Rio da Prata. Suas obras compartilham a fusão da razão e da metafísica, retratando um clima surreal, mais próximo das formas puras do que de outras inspirações. Seu estilo único enfatiza a valorização da forma como forma e da cor como cor em cima de qualquer outra coisa.

Diego Donner

Ele nasceu em Montevidéu, Uruguai, em 1959. Sua obra não ocupa um único nível, a menos que seja paradoxalmente. Registros de tempo, prazos, palimpsesto ou graffiti, como inscrição, desenho e pintura, se sobrepõem em Donner como camadas que o tempo deixa em seu trabalho à medida que passa.

Walter Deliotti

Nasceu em Montevidéu, Uruguai, em 1925. Sua obra tem um fluxo natural, instantâneo, imperceptível e inevitável. As cores muitas vezes vagam e giram involuntariamente em sua paleta para fornecer a inspiração necessária e quando ele é capaz de expressá-las, ele cria uma felicidade inesperada na qual ele enfrenta o novo desafio. Suas obras são genuínas, espontâneas, cheias de criatividade e caráter.

Sobre a Establecimiento Juanicó:

No Paralelo 34, na exótica América do Sul, no Uruguai, na pequena cidade de Juanicó, a Família Deicas fundou sua vinícola. O estabelecimento Juanicó ocupa principalmente o registro 12.132, que integrou em uma área maior a Estancia Chacra San José anexa a Nuestra Señora de los Desamparados, mais conhecida como Estancia La Calera . Os jesuítas incorporaram essa propriedade ao seu domínio antes de 1740, para as propriedades de consumo da população de religiosos, índios catequizados e suas famílias. Pouco se sabe de suas obras e para que fins foram dados. É muito visível a exploração leiteira com os seus acessos laterais, que também servia para tosquia, pois há notícias da existência de numerosas ovelhas e de um curso de água vizinho conhecido desde então por Arroyo de la Lana.

A principal obra de construção é a atual “Cava de Prelude” que nos tempos da Companhia de Jesus poderia ter sido usada como posto ou refúgio. Ao mesmo tempo em que expulsava a Companhia de Jesus em 1767, a Coroa espanhola aplicou a Junta de Temporalidades para administrar e transferir as propriedades dos Jesuítas. O Título de Propriedade do Estabelecimento Juanicó inclui os mesmos proprietários que sucederam à Junta de Temporalidades, confirmando assim a passagem dos Jesuítas por estas terras. Em 1830, a propriedade passou para as mãos de Don Francisco Juanicó, um imigrante Minorcan de Mahón, associado a Don André Cavaillon. Nos tempos de Dom Francisco e seus descendentes, entre os quais se destaca o Cándido Juanicó, já se registram consideráveis​​safras de videira. Famílias pioneiras da República Oriental do Uruguai sucederam aos Juanicó no início do século XX. Destacam-se os sobrenomes Seré e principalmente Methol, protagonistas do desenvolvimento do laticínio no País.

Em 1945-1946, a Ancap adquiriu o registro de 12.132 para aí implantar as cepas de Cognac que o governo francês cedeu ao Estado uruguaio para a produção do famoso Conhaque Juanicó. A partir de 1979, a propriedade voltou a mãos privadas e a Família Deicas reorientou a viticultura do Estabelecimento para a produção de vinhos finos para exportação.

Mais informações acesse:

https://juanico.com/

Referências:

“Winepedia”: https://www.wine.com.br/winepedia/enoturismo/roteiros-do-vinho-canelones/

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/montevideu-canelones-e-san-jose_12655.html

“Bodegones del Sur”: http://bodegonesdelsur.com/vinos/?page_id=683&lang=en

Degustado em: 2017

 








3 comentários:

  1. Grande confrade Bruno, que bela partilha amigo, linha Bodegones é fantástica, adorei sua resenha sobra Casta Cabernet uruguaio, não tive o prazer em degustar mas seu relatório degustativo me fez colocar como prioridade no inverno, vinho mais encorpado, barricado e teor elevado merece atenção na temporada outono/inverno, parabéns amigo e saúde 🍇🍷🍷

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  2. Grande confrade Bruno, que bela partilha amigo, linha Bodegones é fantástica, adorei sua resenha sobra Casta Cabernet uruguaio, não tive o prazer em degustar mas seu relatório degustativo me fez colocar como prioridade no inverno, vinho mais encorpado, barricado e teor elevado merece atenção na temporada outono/inverno, parabéns amigo e saúde 🍇🍷🍷

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    1. Concordo com você confrade! Essa linha de vinhos, desse produtor é muito boa mesmo! Lembro que você degustou um Tannat barricado deles e que eu não achei por aqui ainda. Agora, com o outono e o vindouro inverno temos que nos ater aos estruturados para nos aquecer e um Cabernet e Tannat uruguaio são mais do que necessários. Saúde!

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