Podemos atribuir ao vinho muitos adjetivos, muitas
qualidades: poesia líquida, algo que traz celebração, saudável, agradável,
entre outros tantos. Mas poucos, creio, atribuem ao vinho ou associe o mesmo a
uma obra de arte, um produto, um alimento que tem o dedo, as mãos, a
intervenção, por menos que tem de ser, é verdade, do enólogo que nos entrega um
rótulo que personifica a região da qual foi concebido, além de ter o esforço, o
esmero, o sofrimento, as lágrimas daqueles simples homens e mulheres que participam
intensamente da concepção desta bela e nobre bebida.
Eu adoro quando os produtores usam os rótulos dos seus vinhos
como uma verdadeira tela para expressar, de alguma forma, suas vivências, suas
emoções, a realidade, mesmo que com pinceladas abstratas ou simplesmente
expressar, de forma lúdica, a terra de onde os vinhos, as suas castas foram
concebidas. Além da manifestação artística, você traz um caráter mais arrojado
e contemporâneo no aspecto estético ao vinho, afinal, além dos quesitos
mencionados, há também o fator do marketing para impulsionar as vendas do
“produto vinho”. Ah, nada efetivamente contra aos velhos traços austeros de
alguns rótulos, sobretudo do Velho Mundo, ainda há espaço para todas as
abordagens.
O aspecto visual é comprovadamente, e até me parece óbvio, o
primeiro contato do enófilo com o seu potencial vinho, apesar de que não
podemos julgar o livro pela capa. Mas o vinho que degustei e gostei me trouxe
essa, digamos confirmação. Em minhas incursões necessárias aos supermercados,
eu estava decidido em comprar um vinho de um país produtor pouco usual,
fugindo, mesmo que momentaneamente, dos chilenos, argentinos e
brasileiros. Avistei um do pequeno
Uruguai, mas significativo, gigante produtor de vinhos na América Latina e me
interessei, não apenas pelo fato de ser uruguaio, mas pelo atraente preço, por
volta dos R$ 35,00, e pela interessante arte exposta no seu rótulo. Parecia que
tudo conspirava a favor para a compra e o vinho foi de fato maravilhoso. O
vinho é o Bodegones del Sur Vineyard Select, da casta Cabernet Sauvignon, da
safra 2015 e a região: a fantástica Canelones. Não posso deixar de falar de
icônica região de Canelones que aqui vale narrar, textualizar, melhor dizendo,
a sua bela história.
Canelones
A região dita metropolitana do Uruguai, ao redor da capital
Montevidéu, concentra o maior número de vinhas e produção de vinho do país,
concentrando mais de 70% das vinícolas. Aqui compreendemos os departamentos de
Canelones - coração da viticultura uruguaia -, Montevidéu - onde estão os
vinhedos mais antigos do país - e San José - quarto departamento em produção. A
região é fortemente influenciada pelo Río de la Plata, uma das maiores bacias
hidrográficas do mundo. Os solos de Montevidéu e Canelones são gerados a partir
de sedimentos e apresentam alta fertilidade. As variedades de uvas plantadas na
região são, maioritariamente, Tannat, Merlot, Cabernet Sauvignon, Cabernet
Franc, um pouco de Syrah e Pinot Noir entre as tintas; Sauvignon Blanc,
Chardonnay e Viognier entre as brancas.
Canelones, em especial, é a maior região vitivinícola do
país, sendo responsável por 60% da produção. O departamento apresenta uma
paisagem plana suavemente ondulada que inclui terrenos dedicados à agricultura
intensiva (horticultura, fruticultura e viticultura) e pecuária. Apresenta uma
grande variedade de solos, geralmente ricos e densos, entre os quais alguns que
contêm granito rosa com mais de 600 milhões de anos. Possui temperaturas
amenas, tanto no verão como no inverno. Localizada bem ao sul, essa região não poderia ter localização melhor.
Por sua visão pioneira, o Uruguai foi eleito o país do ano, em 2013, pela
revista inglesa The Economist. Entre as principais razões estão o fato de
realizar reformas que não se limitam a melhorar apenas a própria nação, mas
atitudes que podem beneficiar o mundo.
E
Canelones está sendo conduzida sob essa visão. Em meio a um processo de
desenvolvimento enoturístico, a região já possui até projeto de promoção do
turismo e do vinho desenhado pelo Ministério do Turismo com a colaboração da
Comarca de l’Alt Penedès, Espanha. Há produtores que se juntaram para ajudar
nesse incentivo e criaram a Associação Los Caminos del Vino, que reúne diversas
vinícolas familiares abertas para visitantes, onde podem ver as vinhas de
perto, acompanhar as diferentes etapas da vinificação e, finalmente, provar o
vinho e a comida típica do lugar.
Uma
das opções de passeio para quem aprecia um bom vinho e sua história é o Museo
de la Uva y el Vino Nacional. Banhada pelo Oceano Atlântico, a região também
oferece praia e muitos atrativos para descanso, como spas, resorts e clubes de
primeira linha. Não dá para deixar de experimentar as delícias locais, visitar
as fazendas e restaurantes rurais. Além de muito saboroso, é enriquecedor para
qualquer paladar. Ainda como opção de lazer com vinho, nos dias 7 e 8 de
novembro, comemora-se no Uruguai o Dia do Enoturismo e cada região fez
programações específicas.
E
agora o vinho!
Na
taça traz um exuberante vermelho rubi intenso, quase escuro, com alguns
reflexos violáceos, com uma bela formação de lágrimas finas e abundantes.
No
nariz é muito frutado, frutas vermelhas maduras, tais como cereja e groselha,
com notas florais agradáveis que traz uma boa sensação de frescor, com um toque
bem integrado da madeira, notas de chocolate meio amargo e especiarias.
Na
boca é seco, intenso, estruturado, mas equilibrado e macio, que surpreende no
palato, com taninos agradáveis, mas marcados, presentes, a presença da fruta
insiste deliciosamente na composição do vinho, além de uma acidez equilibrada,
trazendo, mais uma vez, a sensação de frescor, a madeira dá um toque mais
complexo ao vinho, mas discretamente graças a passagem, de cerca de 30% a 40%
do vinho, por barricas de carvalho por 6 meses. Final persistente e frutado.
A
arte grita aos olhos, o rótulo traz a beleza das manifestações artísticas, mas
é com o líquido que nos regozijamos com um vinho tão expressivo, de marcante
personalidade, que expressa com fidelidade o terroir de Canelones.
Definitivamente os vinhos uruguaios produzidos com a casta Cabernet Sauvignon
tem classe, são arrojados e contemporâneos em todos os aspectos. E, para o meu
deleite, fiquei sabendo, ao redigir esse texto, de que a safra de 2015 no
Uruguai foi uma das melhores dos últimos 30 anos daquele país! Um prazer
inominável! E já que falamos de arte, seguem alguns nomes dos principais
artistas do Uruguai, mais precisamente de Montevidéu, que deixaram suas
impressões artísticas nos rótulos da Bodegones del Sur. Merecem serem
lembrados:
Ricardo
Pickenhayn
Ele
nasceu em 1960 nas ilhas do Rio da Prata. Suas obras compartilham a fusão da
razão e da metafísica, retratando um clima surreal, mais próximo das formas
puras do que de outras inspirações. Seu estilo único enfatiza a valorização da
forma como forma e da cor como cor em cima de qualquer outra coisa.
Diego
Donner
Ele
nasceu em Montevidéu, Uruguai, em 1959. Sua obra não ocupa um único nível, a
menos que seja paradoxalmente. Registros de tempo, prazos, palimpsesto ou
graffiti, como inscrição, desenho e pintura, se sobrepõem em Donner como
camadas que o tempo deixa em seu trabalho à medida que passa.
Walter
Deliotti
Nasceu
em Montevidéu, Uruguai, em 1925. Sua obra tem um fluxo natural, instantâneo,
imperceptível e inevitável. As cores muitas vezes vagam e giram
involuntariamente em sua paleta para fornecer a inspiração necessária e quando
ele é capaz de expressá-las, ele cria uma felicidade inesperada na qual ele
enfrenta o novo desafio. Suas obras são genuínas, espontâneas, cheias de
criatividade e caráter.
Sobre
a Establecimiento Juanicó:
No
Paralelo 34, na exótica América do Sul, no Uruguai, na pequena cidade de
Juanicó, a Família Deicas fundou sua vinícola. O estabelecimento Juanicó ocupa
principalmente o registro 12.132, que integrou em uma área maior a Estancia
Chacra San José anexa a Nuestra Señora de los Desamparados, mais conhecida como
Estancia La Calera . Os jesuítas incorporaram essa propriedade ao seu domínio
antes de 1740, para as propriedades de consumo da população de religiosos, índios
catequizados e suas famílias. Pouco se sabe de suas obras e para que fins foram
dados. É muito visível a exploração leiteira com os seus acessos laterais, que
também servia para tosquia, pois há notícias da existência de numerosas ovelhas
e de um curso de água vizinho conhecido desde então por Arroyo de la Lana.
A
principal obra de construção é a atual “Cava de Prelude” que nos tempos da
Companhia de Jesus poderia ter sido usada como posto ou refúgio. Ao mesmo tempo
em que expulsava a Companhia de Jesus em 1767, a Coroa espanhola aplicou a
Junta de Temporalidades para administrar e transferir as propriedades dos
Jesuítas. O Título de Propriedade do Estabelecimento Juanicó inclui os mesmos
proprietários que sucederam à Junta de Temporalidades, confirmando assim a
passagem dos Jesuítas por estas terras. Em 1830, a propriedade passou para as
mãos de Don Francisco Juanicó, um imigrante Minorcan de Mahón, associado a Don
André Cavaillon. Nos tempos de Dom Francisco e seus descendentes, entre os
quais se destaca o Cándido Juanicó, já se registram consideráveissafras de
videira. Famílias pioneiras da República Oriental do Uruguai sucederam aos
Juanicó no início do século XX. Destacam-se os sobrenomes Seré e principalmente
Methol, protagonistas do desenvolvimento do laticínio no País.
Em
1945-1946, a Ancap adquiriu o registro de 12.132 para aí implantar as cepas de
Cognac que o governo francês cedeu ao Estado uruguaio para a produção do famoso
Conhaque Juanicó. A partir de 1979, a propriedade voltou a mãos privadas e a
Família Deicas reorientou a viticultura do Estabelecimento para a produção de
vinhos finos para exportação.
Mais
informações acesse:
Referências:
“Winepedia”:
https://www.wine.com.br/winepedia/enoturismo/roteiros-do-vinho-canelones/
“Revista
Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/montevideu-canelones-e-san-jose_12655.html
“Bodegones del Sur”: http://bodegonesdelsur.com/vinos/?page_id=683&lang=en
Degustado
em: 2017
Grande confrade Bruno, que bela partilha amigo, linha Bodegones é fantástica, adorei sua resenha sobra Casta Cabernet uruguaio, não tive o prazer em degustar mas seu relatório degustativo me fez colocar como prioridade no inverno, vinho mais encorpado, barricado e teor elevado merece atenção na temporada outono/inverno, parabéns amigo e saúde 🍇🍷🍷
ResponderExcluirGrande confrade Bruno, que bela partilha amigo, linha Bodegones é fantástica, adorei sua resenha sobra Casta Cabernet uruguaio, não tive o prazer em degustar mas seu relatório degustativo me fez colocar como prioridade no inverno, vinho mais encorpado, barricado e teor elevado merece atenção na temporada outono/inverno, parabéns amigo e saúde 🍇🍷🍷
ResponderExcluirConcordo com você confrade! Essa linha de vinhos, desse produtor é muito boa mesmo! Lembro que você degustou um Tannat barricado deles e que eu não achei por aqui ainda. Agora, com o outono e o vindouro inverno temos que nos ater aos estruturados para nos aquecer e um Cabernet e Tannat uruguaio são mais do que necessários. Saúde!
Excluir